A confiança de Nick Young

Uma das características mais importantes para um jogador da NBA é a confiança. Ela não resolve tudo, não supera treino, talento ou mesmo vontade, mas a sua falta pode jogar todo o resto no lixo. Arremessar sem confiança é receita básica para que a mecânica não saia do jeito treinado, uma hesitação a mais durante uma infiltração e a defesa já está na sua orelha. Gosto sempre de dar o exemplo do Jeremy Lin, que deslanchou na carreira só quando conseguiu jogar sem medo, agressivo, sem pensar duas vezes para nada; e que depois deu mil passos pra trás quando as coisas começaram a dar errado e ele perdeu o ímpeto inicial.

No último Filtro Bola Presa (para assinantes), contei sobre os óculos que Kawhi Leonard e Stephen Curry usam para treinar. É uma tecnologia maluca que faz uma “luz de balada” na cara do jogador enquanto ele treina e, por algum motivo, faz tudo parecer mais lento. O treinador individual do armador do Golden State Warriors, comentando a estratégia de usar os óculos, falou o seguinte:

“Lembre-se, estamos buscando melhoras de milésimos de segundo. A diferença entre conseguir ou não dar um arremesso sobre a defesa está nas frações de tempo, não podemos desperdiçar nada”.

Acho que o mesmo argumento vale ao falar da confiança de um jogador. Se o novato está pensando se ele deve mesmo arremessar, se deve passar para o veterano ou se vai tomar bronca do técnico, ele está desperdiçando importantes frações de segundo. E conseguir manter essa confiança lá no alto ao longo de toda uma carreira de altos e baixos é um desafio que nós, que pensamos demais e adoramos uma auto-crítica, nunca vamos entender.

Disse tudo isso para chegar a um jogador que está ainda na NBA basicamente por causa de sua confiança, além de alguns golpes de sorte, claro. Esse cara é Nick Young, que se tornou o grande personagem da última semana ao fazer o game-winner mais divertido da temporada:

É exatamente isso que você viu: o passe de Brandon Ingram era direcionado a Lou Williams, mas Young, que estava se mexendo de forma maluca ao longo de todo lance, entrou na frente dele, ROUBOU A BOLA e fez o arremesso que definiu a vitória do LA Lakers sobre o OKC Thunder. E depois ele ainda fez piada com o assunto, dizendo que o Lakers pode ter grandes arremessos decisivos na sua história, seja de Kobe Bryant, Derek Fisher ou Robert Horry, mas que nenhum deles roubou a bola de um companheiro de time. Lou Williams, o cara que teve seu (possível) momento de glória roubado, se contentou a postar um meme tirando sarro das duas personalidades do seu companheiro: de um lado Nick Young, do outro Swaggy P

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Ele até parece ter andado com a bola antes de dar o arremesso, mas é possível que os árbitros tenham apenas achado que ele ainda não tinha total controle da bola desde o começo do lance. Ao contrário do que ocorre no basquete internacional, na NBA os juízes começam a contar os passos do jogador apenas quando acham que ele já fez o “gather”, que é quando ele demonstra claramente que está em controle da posse de bola.

De qualquer forma, com violação ou não, ele fez a cesta da vitória e ainda saiu dizendo que tem “gelo nas veias”, copiando o bordão de seu ex-desafeto D’Angelo Russell. Lembram quando há apenas alguns MESES o então novato do time tinha postado um vídeo de Young admitindo que já tinha traído a namorada? Aquilo parecia ser o ponto mais baixo de um time fadado ao fracasso: a grande aposta jovem do time era um MOLEQUE imaturo que dedurava um dos veteranos, que também agia como uma criança mimada. Durante a pior campanha da história da franquia, o time se despedia de Kobe Bryant enquanto jogadores de qualidade duvidosa brigavam entre si após meses de conflito contra um técnico que virou piada na liga. Quem poderia prever que em tão pouco tempo o time já teria uma cara, boas vitórias, 50% de aproveitamento e seria um dos mais divertidos de ver jogar na NBA?

Se esse cenário já parece um universo alternativo maluco, e se eu te disser que Nick Young é parte FUNDAMENTAL dessa boa campanha? O mundo não faz sentido, né? Se pensarmos bem, Young tinha tudo para nem estar mais na NBA. Ele foi draftado pelo Washington Wizards no longínquo ano de 2007 e fez parte daquele divertido time de Gilbert Arenas, Caron Butler e Antawn Jamison como um promissor reserva, um pontuador de banco de reservas que todo time parece precisar. No seu quarto ano de NBA, conseguiu se tornar titular e chegou a ter 17 pontos de média enquanto acertava 39% das suas bolas de 3 pontos, ótima marca. O problema é que aquele Wizards era um dos times mais desastrados do passado recente. Era um grupo sem líder, sem responsabilidade, com picuinhas internas e que nunca sobreviveu à patética “”””brincadeira””””” com armas de fogo envolvendo Arenas e Javaris Critentton. Querendo limpar seu nome e seu vestiário, o imaturo Young foi para o LA Clippers em uma negociação tripla que levou Nenê para Washington.

Daí pra frente Young nunca mais foi o mesmo. Nem no Clippers, nem no Sixers e nem no Lakers ele conseguiu arranhar aquela boa temporada que estava fazendo no Wizards antes de ser trocado. Jogou apenas em times mal organizados, todos em má fase e isso só alimentava o estilo de jogo doente de Swaggy P: arremesse sempre que der na telha. Por mais que seu time fosse ruim, que o placar fosse desfavorável, nada tirava de Nick Young a vontade de dar arremessos difíceis, fazer piada e sair contando vantagem. Nada, até essa semana pelo menos, resumia mais a carreira dele do que essa imagem que às vezes roda a internet como um produtivo meme:

Quando o Los Angeles Lakers renovou o contrato de Nick Young há alguns anos, muita gente desceu a lenha no time. Embora eu entendesse que uma franquia em clara reconstrução não precisava dele, insisti que todo time precisa de um cara como ele vindo do banco de reservas. Assim como Jamal Crawford, Lou Williams ou agora Brandon Jennings ou tantos outros que fizeram carreira como 6º homem, Young tem essa característica de conseguir dar uma nova cara para um jogo por conta própria, não importando quem entra em quadra com ele, o adversário ou a situação do jogo. Embora jogadores como esses precisem de vigilância do técnico, que devem ler o jogo para saber quando a loucura está sendo positiva ou não, é importante em alguns momentos ter um pontuador talentoso que arranja arremessos do vazio e às vezes pega fogo, faz uns 10 pontos seguidos e muda a narrativa de um jogo.

Lembro que disse para um amigo que até achava que eventualmente ele iria até escolher melhor seus arremessos, coisa da experiência, mais ou menos como acontece com seu agora parceiro Lou Williams. E esse meu amigo respondeu: “Mas ele já tem quase 30 anos!”. Aí  percebi que poderia ter sido enganado.

Sem trocadilhos com seu sobrenome, mas Young sempre agiu como um pivete na NBA. Era o cara das brincadeiras mais infantis, das entrevistas bobas, das risadas (às vezes fora de hora) dentro de um jogo. Por quase 10 anos de liga ele parecia aquele que “vai deslanchar quando sacar as coisas”, mas nunca sacou. Por mais que não tenha sido exatamente sua culpa, o climão no vestiário depois do vazamento do vídeo por D’Angelo Russell parecia ser a pá de cal na carreira de Young. Era muita narrativa repetida em torno de um mesmo jogador: vestiários caóticos, times perdedores e más decisões na quadra. Quem iria apostar nisso? O técnico Byron Scott deixou de o colocar nos jogos nos últimos meses da temporada passada e uma dispensa parecia certa.

O que se noticiava em Los Angeles era que o Lakers iria tentar fazer qualquer tipo de negócio para tentar trocar Young antes desta temporada, mas calhou que nenhum time apareceu com uma proposta. Restava então a dispensa, que custaria uma grana, mas parecia ser a melhor solução. Uma luz, porém, desceu à cabeça do novo técnico Luke Walton, que gostou da forma que Young apareceu para o período de treinamentos e decidiu dar uma chance pra ele. Jogar a pré-temporada antes de um corte não faria diferença, afinal.

Em um dos primeiros jogos da pré-temporada, contra o Denver Nuggets, Young veio do banco de reservas, acertou uma bola de 3 pontos e logo ouviu o técnico gritar do banco de reservas: “Nick está quente hoje, vamos fazer mais uma jogada pra ele”.

Young acertou mais uma após uma jogada de “elevador” que Walton trouxe do Golden State Warriors e a sua confiança foi para os céus de novo. Depois do jogo o ala disse que fez toda a diferença ver o técnico pedindo uma jogada especificamente para ele depois de apenas um arremesso certo, confiando e que poderia acertar de novo. Logo na partida seguinte, se aproveitando da lesão de Luol Deng, Walton desistiu da ideia de seguir usando Metta World Peace como o veterano do time titular e passou o bastão para Young. Pela primeira vez na carreira ele tinha uma função nova. Não era mais o pirralho que entra para dar arremessos bobos, Walton confiou nele para ser o cara rodado que dá estabilidade aos novatos e, vejam só que loucura, marca o melhor jogador da equipe adversária! Deu tão certo que Young seguiu no time titular mesmo quando Luol Deng voltou, e hoje os dois começam jogos juntos ao lado de D’Angelo Russell, Julius Randle e Timofey Mozgov.

Não é como se agora Nick Young soubesse ler defesas como não soube nos primeiros 9 anos de sua carreira, mas é impressionante a diferença que TENTAR faz. Embora ainda apanhe em algumas jogadas mais complexas ou quando marca alguém que sabe se mexer sem a bola, ele tem sido muito bom na defesa mano-a-mano, lutando para passar por bloqueios, contestando arremessos, dando trabalho. A abordagem de Luke Walton, desde o período de training camp, acabou sendo a ideal: ao invés de desistir de Young, ofereceu um caminho para ele voltar ao time, especialmente pela defesa e os arremessos de 3 pontos; e ao invés de cobrar isso do jeito Byron Scott, militar, o jogando pra baixo, simplesmente confiou, botou na quadra e falou “vai”. E foi.

Vemos em nossa vida cotidiana como algumas pessoas demoram mais que outras para amadurecer, assim como vemos que o próprio conceito de amadurecimento muda para cada um. Para Nick Young o primeiro passo foi a água bater na bunda: nenhum time o quer, o último que restou deu um mês para ele mostrar serviço na defesa. O segundo passo foi até mais simples, que poderia ter sido aprendido em qualquer programa vespertino e raso de televisão: pela primeira vez alguém o tratou como um jogador veterano! Ao invés de só aceitar que ele é o reserva com “alegria nas pernas”, Walton viu um cara de 30 anos e pediu que ele agisse como um jogador de 30 anos. Ele tem que mostrar para os pirralhos como se treina, trabalha. Tem que dar conselhos, assumir o jogo nos momentos difíceis. Parece SUICÍDIO dar todas essas responsabilidades para Nick Young, mas provou-se a decisão correta.

Talvez esses conselhos do “Uncle P” para Ingram não sejam ditos de maneira poética, profunda ou com uma grande lição de moral no fim, mas é um boleiro velho preocupado em ajudar um novato que acabou de chegar. Às vezes basta. Claro que nem Walton e nem o Lakers iriam assumir o risco de ter APENAS Young como veterano na equipe, mas tê-lo para dividir funções tem dado resultado. Até sua relação já acertada com D’Angelo Russell, que o desafiou a fazer o sinal de “gelo nas veias” no último jogo, foi mais uma prova de que insistir pode valer a pena. Se você quer desenvolver Russell, que é imaturo porque tem só 19 anos, em um cara e uma pessoa melhor, o ideal é chutar do time o primeiro cara que tem uma birra com ele ou fazer todo mundo agir como adulto e resolver a parada? As caretas, piadas e micagens pós-arremesso podem soar como coisas de criança, mas Russell e Young fizeram o que muitos adultos não fazem, conversaram e resolveram uma briga séria.

Quando chegou na NBA, Nick Young era uma coisa só: confiança. Ele se achava o melhor e se via capaz de acertar todos os arremessos que tentava, até os que ele não deveria sequer arriscar. De certa forma isso fez a sua carreira durar tanto, mas após o fundo do poço da temporada passada ele precisava de mais. Ganhou responsabilidade, adicionou ESFORÇO e agora está tendo o melhor ano da vida logo depois de ter tido o pior. A confiança, dessa vez aquela que foi depositada nele, o salvou.

Após a vitória surreal sobre o Thunder, Luke Walton deu seu pitaco sobre Swaggy P: “Eu disse para o Nick que se ele rouba a bola desse jeito, tem que fazer a cesta depois. Mas é por isso que eu o deixo em quadra nessas horas, ele não tem medo dos grandes momentos”. Confiança.

Torcedor do Lakers e defensor de 87,4% das estatísticas.

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