🔒Por que Nurkic importa?

Depois de uma histeria inicial que bradava estarem “extintos” os jogadores de garrafão, voltamos a ver pivôs serem considerados estrelas na NBA e liderarem times desempenhando funções centrais. Nikola Jokic é o principal jogador de um time que deve se classificar em segundo lugar na Conferência Oeste; Joel Embiid deve classificar o Sixers em terceiro na Conferência Leste; Nikola Vucevic conseguiu o milagre de levar o Orlando Magic para a pós-temporada; Anthony Davis foi disputado a tapa e a chance de tê-lo foi suficiente para o Los Angeles Lakers jogar pela privada todo bom senso e o restante da temporada. Mas o que constantemente esquecemos é que mesmo nos times que parecem não se importar com o garrafão, que parecem abraçar inteiramente o fenômeno moderno das bolas de três pontos, pivôs desempenham papéis fundamentais. No Portland Trail Blazers de Damian Lillard e CJ McCollum, dois dos mais aclamados arremessadores da NBA, foi a lesão de Jusuf Nurkic que caiu como uma bomba e coloca em risco a campanha do time para a pós-temporada.


 

Nurkic não é um “pivô moderno”: não joga em múltiplas posições, não defende armadores, não corre em velocidade mutante em contra-ataques, não arremessa bolas de três pontos. Em defesa de Nurkic, ele até acertou 3 bolas de três pontos nessa temporada, tadinho – as 3 primeiras de TODA SUA CARREIRA de 7 anos na NBA. O arremesso de média distância é cada vez melhor e até se transformou numa arma importante. Mas ao invés de espaçar a quadra com esses arremessos o tempo todo, Nurkic se encaixa no perfil de um “pivô clássico”, ou seja, tem um repertório mais próximo dos jogadores de garrafão que habitavam o mundo na distante época em que as bolas de três não eram tão importantes para a vitória e que os dinossauros passeavam livremente pelos campos. O descompasso entre um perfil mais “clássico” e as demandas modernas dos times atuais faz com que esses jogadores sejam menos utilizados e, consequentemente, desempenhem papéis mais secundários em seus elencos. Isso não é uma marca de nossos tempos, mas sim de TODOS OS TEMPOS: da mesma maneira que arremessadores de três pontos eram pouco ou mal utilizados nos anos 80 por conta da demanda ser outra, jogadores mais lentos e pesados ganham menos espaço nos times atuais. Nem todo tipo de talento é desejável o tempo todo – há sempre um contexto histórico que pode ser suficiente para um jogador ser alçado à elite ou sequer ter minutos numa quadra da NBA.

Ainda assim, o Blazers passou um tempo considerável – anos, até – procurando algum jogador exatamente como Nurkic. Abriram mão de Mason Plumlee para tê-lo, mesmo com Plumlee em ascensão e se consagrando como um dos melhores passadores do time. Apostaram em Nurkic mesmo após alguns desencaixes iniciais que colocaram em dúvida o papel dele na equipe, na esperança de que ele fosse o pivô tão procurado. Essa busca incessante tem um fundamento: a crença de que pivôs “clássicos”, tradicionais, antiquados, quando em funções secundárias, podem AUXILIAR no funcionamento “moderno” das demais peças de uma equipe. Ou seja, para que Damian Lillard e CJ McCollum pudessem arremessar mais e melhor do perímetro, um pivô sólido deveria estar no garrafão.


 

As médias de Nurkic nessa temporada são tímidas: jogava pouco mais de 27 minutos por partida, marcando cerca de 15 pontos por jogo e pegando 10 rebotes. Não é um excelente protetor de aro, não é um grande defensor individual e apesar da melhora evidente nas últimas temporadas, ainda está longe de ser um grande passador. Como um jogador desses poderia ser, então, fundamental para o Blazers? Mais especificamente: como esse jogador poderia ser fundamental para Damian Lillard?

Na partida anterior à sua contusão, Nurkic teve um jogo modesto de 15 pontos e 6 rebotes contra o Detroit Pistons. Sua contribuição, entretanto, não foi nada modesta e fica evidente nas duas jogadas abaixo que aconteceram em posses de bola cruciais, com o placar apertadíssimo. A primeira foi para empatar o jogo, a segunda para consolidar a vitória. Vamos começar com o primeiro lance:

 

Nurkic faz um corta-luz simples na jogada, algo que Damian Lillard está acostumado a usar para criar espaço para uma bola de três pontos. A diferença dessa jogada é a leitura que o adversário, no caso o Pistons, faz dessa jogada. Depois de tomar 6 bolas de três do Lillard na cabeça, tudo que o Pistons não quer é deixá-lo arremessar, de modo que Andre Drummond abandona o garrafão para marcá-lo enquanto Reggie Jackson persegue o armador para evitar um arremesso. A situação é conhecida de Lillard: nos Playoffs, nos jogos importantes, os adversários não querem ver o armador do Blazers tendo chance de fazer jus à sua fama de “arremessador decisivo”, então colocam mais defensores em sua cola e o perseguem desde o meio da quadra a cada pequeno sinal de corta-luz. A resposta no vídeo acima é um passe picado simples para um pivô que consegue fazer aquilo que parece tão embolorado: receber a bola ligeiramente de costas para a cesta, fazer um giro com o corpo e converter um girinho básico. A jogada seguinte é similar, mas com um adendo: fortemente pressionado por dois defensores no perímetro, Lillard solta a bola para outro arremessador de três (o outrora “pivô-moderno” Mo Harkless) que, contestado de maneira desesperada por uma defesa concentrada em parar as bolas de três pontos, aciona Nurkic para a enterrada.

 

Unir Lillard a CJ McCollum é uma boa ideia porque força as defesas a enfrentarem dois arremessadores em movimento, dois jogadores que sabem carregar a bola e duplica o poder de fogo do perímetro, o lugar mais importante a se dominar na NBA atual. O problema é que as defesas adversárias podem usar os mesmos planos defensivos para os dois – é o que acusamos por aqui de “ataque previsível”, e que aterrorizou a pós-temporada desse time por anos a fio. Defesas que confiem no plano de jogo de rotacionar no perímetro com o máximo de homens possíveis acabam vencendo o Blazers a longo prazo, forçando jogadores muito secundários da equipe a acertarem bolas decisivas de longa distância.

Eis o motivo do número de pontos no garrafão estar subindo temporada após temporada na NBA, e o motivo para o Blazers ter o terceiro melhor ataque da NBA mesmo sendo apenas o décimo quinto em bolas de três pontos convertidas por jogo. Quanto mais as defesas se focam em impedir os arremessos de longe, mais os pivôs tradicionais se tornam fundamentais para “desafogar” os ataques, punir as defesas mais agressivas e converter cestas de altíssimo aproveitamento. Não se trata de transformar esses pivôs em estrelas, ou nas primeiras opções de um ataque, mas sim de torná-los a punição perfeita contra as defesas que pulam de cabeça na hora de parar suas armas ofensivas principais. Esses pivôs são o “plano B” não quando seu “plano A” está sentado no banco, mas sim quando seu “plano A” está em quadra carregando consigo múltiplos defensores desesperados. Pode não ser glamouroso – Nurkic não recebe muitas bolas com carta branca para criar, improvisar, vencer seus defensores no mano-a-mano – mas sua capacidade de finalizar de maneira rápida, limpa, sem movimentos desnecessários e sem margem para erros coloca as defesas adversárias numa situação complicada: a de ter que marcar Damian Lillard individualmente, coisa que qualquer drible, arremesso de transição ou corta-luz simples torna impossível de manter. Essa posição de “plano B” é o que também explica que Nurkic tenha tantos rebotes de ataque, surgidos quando seus adversários diretos estão fora de posição tentando marcar os arremessos no perímetro. Não à toa, os líderes em rebotes ofensivos são todos pivôs “secundários” que se aproveitam de armadores com alto volume de jogo, famosos por tentarem muitos arremessos especialmente de longa distância: Steven Adams, Rudy Gobert, Clint Capela e o reserva direto de Nurkic, Enes Kanter.

Kanter, que só jogou 22 jogos nessa temporada e é famoso pelo desabafo “can’t play Kanter” – uma constatação de seu técnico quanto a impossibilidade de deixar Kanter na quadra devido à sua fragilidade defensiva – foi titular da equipe nas 7 partidas desde que Nurkic se contundiu, marcou pelo menos 20 pontos em 4 delas e tem média de 6.5 rebotes ofensivos nos últimos 5 jogos. Seus problemas defensivos são um problema pequeno perto da NECESSIDADE que o Blazers tem de um pivô competente no ataque para permitir que Lillard seja a melhor versão de si mesmo. É claro que Kanter será explorado nos Playoffs pelos ataques adversários, mas isso é mais contornável do que ter seu melhor jogador sofrendo marcação dupla no meio da quadra. Kanter não é ideal, mas sua presença em quadra mostra quão fundamental as bolas curtas de dois pontos são para o sucesso das bolas de três pontos e dos principais arremessadores da NBA.

Entender a importância de Nurkic é, também, entender a importância de todos os pivôs que, ofuscados pelos seus papéis de menos protagonismo, são fundamentais para o sucesso de suas equipes. Clint Capela é essencial para que James Harden receba marcação individual e portanto possa arremessar de três com seu famoso passo-para-o-lado ou sofrer faltas nas infiltrações, enquanto Steven Adams é quem cria a maior parte do espaço que Russell Westbrook e Paul George usam para seus arremessos. Esse é o tipo de influência indireta que muitas vezes ignoramos completamente na hora de analisar uma partida. Gostamos de culpar um armador pelo fato de que ele não encontra espaço para as próprias infiltrações ou para seus arremessos, ou os técnicos por não colocá-los em boas situações para pontuar – raramente nos damos conta de que a “ausência de espaço” ou a defesa cerrada que esse armador sofre é responsabilidade do pivô de sua equipe, que deveria ser responsável por oferecer um corta-luz, uma rota de fuga, um caminho para ponte-aérea ou uma vantagem no garrafão para rebotes ofensivos. Grande parte da responsabilidade para as dificuldades de James Harden nas Finais da Conferência Oeste da temporada passada, por exemplo, vieram da maneira com que o Warriors lidou com Clint Capela (com destaque para os jogos 2, 4 e 6, por exemplo). Tirar um pivô do jogo pode ser o suficiente para tirar também o espaço para as bolas de três pontos de um time por retirar dos jogadores de perímetro uma rota de acesso ao garrafão e, portanto, uma fuga das marcações pressionadas, das marcações duplas, das trocas de marcação no corta-luz. Tirar a ponte aérea entre Harden e Capela permite que três jogadores fechem o caminho de Harden para a cesta; tirar Nurkic do garrafão força Lillard a enfrentar dois marcadores simultâneos em todo corta-luz. A influência indireta pode não ser facilmente perceptível, mas é determinante – especialmente nos Playoffs, quando pode ser mais fácil dificultar a vida de um elemento secundário do que de uma grande estrela. É atacando Kanter que Damian Lillard cairá, e é por isso que Kanter terá que mostrar seu valor no garrafão – assim como Capela, Adams e os demais pivôs da NBA que se negam a fazer a migração para o perímetro.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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