Resenha: NBA 2K18

Antes de ver a resenha que o Danilo escreveu sobre o NBA 2k18, que tal ver o jogo em ação? Nos enfrentamos em um duelo Boston Celtics e Cleveland Cavaliers e transmitimos no YouTube para mostrar toda a potência da máquina! E aí o que achou?


Em toda a trajetória da série “NBA 2K” tentando criar simulações realistas de basquete, nenhum jogador se mostrou um desafio tão grande quanto Stephen Curry. Desde seu início em 2000, ainda em nosso amado Dreamcast, a série conseguia reproduzir rostos, quadras, trejeitos e a sensação de uma quadra da NBA para muito além da concorrência. As rotinas de lance livre, os tipos de enterrada e, eventualmente, até o estilo de arremesso eram portados fielmente. Sem nenhum outro jogo colocando a supremacia dos “NBA 2K” em risco, os desenvolvedores podiam se concentrar apenas em afinar os detalhes, incorporando tatuagens dos jogadores, comemorações específicas e uma ou outra jogada característica, como “floaters” e “euro-steps”. Não precisando reinventar a roda todos os anos, o foco estava em polir a experiência aos poucos.

Ainda assim, esse alto nível de detalhes sempre mascarou o fato de que alguns ESTILOS DE JOGO simplesmente não são e nunca foram reproduzíveis no videogame. O jogo de costas para a cesta sofreu pouca modificação ao longo dos últimos 18 anos e nunca foi capaz de emular a contento os jogadores mais habilidosos, que dependem menos da força e mais do jogo de pernas, das fintas ou dos ganchos. As infiltrações rumo à cesta sempre dependeram exclusivamente da velocidade dos personagens, de modo que jogadores que infiltrem na base do ritmo, da primeira passada ou da força nunca foram contemplados. Do mesmo modo, provavelmente para impedir cestas irreais demais ou apelações, arremessos dados em movimento ou muito longe da linha de três pontos tinham baixíssimo índice de aproveitamento.

Para quem está interessado em uma simulação que se aproxime o máximo possível da realidade, a grande graça da série “NBA 2K” é poder interpretar os jogadores reais em seu estilo de jogo. Conforme os livros de jogadas reais das equipes foram sendo implementados, passou a ser cada vez mais viável jogar com o Spurs exatamente como o Spurs de fato jogaria, criando as mesmas situações de arremesso e o mesmo ritmo de jogo. O único problema é que alguns jogadores pareciam piores do que deveriam não porque tivessem números baixos ou falta de níveis em seus atributos, mas porque não se encaixavam nas limitações dos jogos da série. Sempre foi difícil, por exemplo, tornar James Harden relevante no videogame: ele não é rápido o suficiente para infiltrar contra qualquer defensor e seu hábito de arremessar com passos para trás, batendo bola na cara dos marcadores, é incrivelmente desencorajado pela física do jogo. Para fazer uso de seu arremesso ou de sua capacidade de infiltração, era preciso que ele ficasse sem a bola, quebrando qualquer possibilidade de que ele parecesse, para além da aparência, o Harden real.

Por isso afirmo que nenhum jogador tornou isso tão explícito quanto Stephen Curry. Depois de assistir a uma partida comum do Warriors e ver Curry acertando casualmente arremessos a dois, três, quatro passos atrás da linha de três pontos, a vontade é pegar um “NBA 2K” e reproduzir o feito. A física do jogo, no entanto, foi montada para impedir que isso acontecesse. A limitação é compreensível, já que se todo mundo acertasse com frequência arremessos do meio da quadra, o jogo estaria quebrado e o efeito seria o oposto ao desejado, tornando a experiência ainda mais irreal. Curry acabou rebaixado a um arremessador “comum” nos jogos, já que arremessos após o drible são praticamente impossíveis no videogame, de modo que marcá-lo com pivôs é muitas vezes a melhor solução. Na vida real, Curry simplesmente daria um passo para o lado para arremessar na cara de qualquer pivô que o marcasse, ou então daria um ou dois passos para trás para ter espaço. Nos videogames, Curry se torna um arremessador mortal apenas quando já recebe a bola livre, pronto para arremessar, algo que não é sua característica. Tentar ser Curry no “NBA 2K” é impossível – no máximo, dá para ser um JJ Redick melhorzinho.

No ano passado a série teve algumas mudanças para tentar melhorar a questão, tentando algumas melhorias superficiais na física e “esticando” a área de arremesso de alguns jogadores. Infelizmente passou longe de ser suficiente. O basquete do mundo real mudou drasticamente nos últimos 17 anos e a série “NBA 2K” acompanhou toda a parte superficial com enorme sucesso – os rostos, as quadras, os gestos, o “show” – sem no entanto encontrar uma maneira de acompanhar o que mudou DENTRO DE QUADRA, sem ser capaz de reproduzir os novos estilos de jogo do basquete contemporâneo.

É por isso que posso dizer com tranquilidade – e imensa alegria – que “NBA 2K18” é a mudança mais radical na franquia até aqui ainda que visualmente pouco ou quase nada tenha mudado. As mesmas texturas e iluminação recobrem, entretanto, uma mudança nos ESTILOS DE JOGO POSSÍVEIS. Um cuidado absurdo com os detalhes conseguiu diferenciar cada jogador em suas possibilidades de jogo, seja através de animações, uma surreal variedade de badges que indicam suas especialidades ou animações prontas com as quais os jogadores reagem a situações específicas de jogo. Agora, por exemplo, Curry pode dar um passo para atrás e arremessar na cara de um pivô, com o jogo reproduzindo imediatamente sua velocidade acelerada para soltar a bola e mantendo as porcentagens de acerto nessa situação do Curry real. Em uma das minhas primeiras partidas, arremessei completamente livre da zona morta com Curry e ele virou de costas para a cesta assim que soltou a bola, já na certeza de que ela entraria.

Essas reações contextuais aproximam os jogadores de seus estilos reais e diferenciam jogadores que, antes, eram virtualmente idênticos. Ao tentar um arremesso comum dentro do garrafão com meu amado Yao Ming no “NBA 2K18”, ele recusou o arremesso e ao invés disso usou um braço para se proteger e o outro para fazer seu famoso gancho, exatamente como ele faria. Antes ele tentava um arremesso tradicional como qualquer outro jogador de garrafão, com ganchinhos eventuais que exigiam comandos específicos. Agora, Yao Ming é especial e eu não preciso fazer nada para isso. Da mesma maneira, ao tentar bandejas com James Harden ele naturalmente diminuiu seu ritmo para cavar faltas e fazer bandejas altas sem que eu tenha que forçar comandos e sem correr o risco de repetir exatamente a jogada ou a animação de um outro jogador que não seja tão bom em infiltrações.

Isso fica ainda mais evidente no novo sistema de fintas do jogo. Antes, quando ameaçávamos um arremesso, o jogador sempre fingia um arremesso simples, com a bola à frente de sua cabeça de forma caricatural. Agora essa finta é CONTEXTUAL: aperte o botão e solte rapidamente no meio de uma bandeja para o jogador dar um saltinho, ou então erguer a bola e abaixá-la rapidamente, ou então fingir um gancho com uma única perna, voltando em seguida para a posição original, ou outros movimentos similares. Aperte rapidamente o botão de arremesso e o jogador irá seguir a finta com uma outra, que se encaixe com ela de maneira orgânica: se na primeira vez ele fingiu uma bandeja para a direita, no próximo apertar de botão tentará pela esquerda, por baixo do braço do defensor, etc, etc. É possível controlar a direção das fintas com o analógico, mas não é necessário: o grande trunfo de “NBA2K18” é o que ele faz sozinho em sua tentativa de tentar reproduzir o que o jogador real faria. Ser contextual significa que o jogador reage de acordo com o contexto, ou seja, de acordo com seu grau de habilidade, com o lugar da quadra, com os defensores ao seu redor, com o momento do jogo. São muitas informações levadas em consideração para que aquela finta seja dada daquela maneira, muitas mais do que poderíamos considerar em nossas cabeças. O resultado é um jogador que parece de verdade – e que toma decisões mais inteligentes, mais pessoais e mais características do que tomaríamos por nós mesmos.

Além disso, todo o sistema de física das infiltrações foi alterada. Agora um jogador mais lento não trombará em seu defensor como se fosse uma bola quicando numa parede. Se você tentar infiltrar contra um defensor que não se posicionou perfeitamente, seu jogador encontrará uma maneira de atacar a cesta, seja se esgueirando pela lateral do adversário, seja empurrando por um espaço, seja dando uma primeira passada maior ou mudando sua velocidade. Isso não quer dizer que o resultado será positivo: se você tentou uma infiltração num momento ou lugar bizarro, seu jogador poderá chegar do outro lado do marcador desequilibrado, fora de ângulo, tendo exposto a bola, etc. Mas ele encontrará um jeito de infiltrar dadas as suas possibilidades e capacidades, ou seja, dado o contexto. Agora Harden infiltra na base da marra, enquanto Curry encontra espaço por baixo dos braços dos seus defensores. Isso torna bandejas o perigo real que elas são na NBA contemporânea e para defendê-las é preciso pensar num jogo de cobertura, facilitado por um botão de atalho que nos coloca em controle do defensor mais próximo do aro sempre que necessário.

A física de arremessos também mudou: um bom arremesso é entendido não pelo jogador estar parado ao receber a bola (algo que sempre foi marca registrada da franquia), mas pelas preferências específicas de arremesso do jogador e sua distância do marcador adversário. DeMar DeRozan agora é mortal driblando para longe de seus marcadores e acertando arremessos de meia distância desequilibrados, enquanto na edição anterior sua única chance de ter alguma serventia em quadra era bater para dentro e rezar por uma enterrada. Kyrie Irving, capa do jogo e possivelmente o melhor jogador da NBA arremessando de três pontos vindo do drible, agora é uma ameaça real para os adversários quando antes dependia apenas de sua velocidade para infiltrar. Estar com os melhores agora faz diferença não porque eles possuem atributos altíssimos, mas porque são especialistas em algumas jogadas específicas que os caracterizam.

Em parte isso torna o jogo mas intuitivo – muitos dos comandos de finta e de direcionamento de arremesso e bandeja desapareceram – mas a verdade é que essa escolha beneficia, mais do que nunca, quem possui conhecimento real sobre o basquete da vida real. É preciso usar os jogadores nas situações em que eles realmente se sairiam bem para poder extrair deles algum rendimento, de modo que o livro de jogadas de cada equipe se tornou mais valioso do que nunca. Não é preciso controlar os tipos de finta ou de bandeja, mas é necessário saber que Harden é melhor batendo para a esquerda, com DeRozan melhor se afastando para a cabeça do garrafão. É preciso saber que Irving e Curry podem arremessar na cara dos seus defensores, desde que comprem algum espaço com um drible seco ou um passo longo.

As poucas mudanças de “NBA 2K18” para dar mais controle ao jogador tentam justamente fazer com que os jogadores certos sejam acionados nas situações ideias. Agora é mais fácil controlar um jogador sem a bola durante uma jogada para que receba a bola no local adequado, e os contra-ataques e a rotação de bola se beneficiam de uma opção de passe “empurrando” a bola, o típico “passe de vôlei”, que acelera a chegada da bola no jogador desejado. Além disso, agora é possível escolher se ao dar um passe a bola irá na direção do jogador livre mais próximo – como tem sido padrão nas últimas 17 iterações – ou então seguir RIGOROSAMENTE a direção indicada pelo controle analógico, garantindo a precisão do passe que imaginamos. Segurar o botão de passe por mais tempo também garante que o passe chegará mais longe, permitindo os passes malucos de Kevin Love de um lado para o outro da quadra ou, melhor ainda, os passes de LeBron James de uma zona morta para a outra, coisa que nunca foi possível em nenhum “NBA 2K” anterior.

Essas mudanças talvez não sejam evidentes a princípio, especialmente porque não se referem à parte gráfica, mas certamente aproximam o jogo do basquete moderno, em que arremessar de três pontos é tão importante quanto tentar bandejas, deixando para último plano o jogo de costas para a cesta e as enterradas que foram o foco do jogo nos últimos anos. Em todas as partidas que jogamos, pude pela primeira vez respirar aliviado de que a SENSAÇÃO é de estar jogando basquete da maneira com que ele é de fato jogado hoje em dia, uma sensação que nos outros jogos nunca sobreviveu à primeira fase de empolgações com relação ao usual capricho gráfico do jogo.

Em termos de modos de jogo, “NBA 2K18” continua o jogo de esportes mais completo do mercado: é possível levar um jogador do colegial ao estrelato na NBA, gerenciar uma franquia em quadra ou via planilhas, viver historinhas bregas com atores duvidosos, fazer um time para enfrentar outras pessoas na internet colecionando pacotinhos de figurinhas virtuais e altamente viciantes, e agora rola até um RPG estranho em que você vai treinar, caminha pela cidade e eventualmente enfrenta outras pessoas para ganhar pontos de experiência e talvez até comprar magias ou dragões, ainda não tentei. Infelizmente esses modos sofrem com a já tradicional ausência de servidores dedicados à América do Sul, enfrentando enorme lentidão em, segundo relatos, todas as plataformas no Brasil. Mas admito que não poderia me importar menos com esses modos todos: não quero fazer a mim mesmo e me levar ao estrelato, não quero carregar um desconhecido à fama, não quero treinar virtualmente para ganhar pontos de experiência – o que eu quero é, como apaixonado pelo basquete real da NBA, vê-lo reproduzido em videogame não apenas em aparência, mas também em estilo, em tática, em pura essência. Por isso posso dizer que finalmente um “NBA 2K” me entregou exatamente a experiência que eu desejava – na verdade, a experiência que eu sempre desejei secretamente, desde quando no primeiro jogo da franquia no Dreamcast fazia com o Denis nossas próprias regras para impedir que o videogame se distanciasse muito da vida real, evitando que todos os pontos viessem do garrafão ou que um jogador tivesse 20 roubos de bola num jogo.

É possível que, após mais horas de jogo, alguns desses deslizes apareçam – talvez seja fácil demais roubar bolas, ou pegar rebotes ofensivos, ou qualquer coisa do tipo – mas nenhum desses deslizes apareceram em minhas horas iniciais e a sensação de ver o basquete atual da NBA acontecer parece sólida e, até aqui, impecável. Podem correr tranquilos para o controle e simular alegremente Curry, Irving, Harden e todos os outros que nunca pareceram fazer sentido nos videogames até aqui. E aproveite para fazer pontes-aéreas apertando duas vezes o triângulo no PS4 ou o Y no Xbox: agora pontes-aéreas realmente espaçam a quadra e reabilitam os pivôs exatamente como deveria acontecer, ao invés de serem passes absurdos ou enterradas fora de série. Comemorem lançando, como eu, uma ponte-aérea de Chris Paul para Clint Capela – se a simulação estiver certa, essa ponte-aérea é sinal de bons tempos por vir.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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