Um Spurs em processo

Pela primeira vez em 20 temporadas, estamos vendo um San Antonio Spurs entrar em quadra sem Tim Duncan, que se aposentou nessa offseason. A mudança vem acompanhada de muitas outras, da chegada de LaMarcus Aldridge na temporada passada à contratação recente de Pau Gasol. Ao todo, o Spurs conta com cinco caras novas que estão atuando consistentemente nessa temporada: Pau Gasol como pivô titular e Davis Bertans, Dewayne Dedmon, David Lee e Nicolas Laprovittola vindos do banco de reserva. De veteranos da franquia, apenas Tony Parker, se recuperando de uma lesão no joelho, e Manu Ginóbili, liderando um banco de reservas ainda nada familiarizado com o sistema tático.

É natural, portanto, que muito daquilo que aprendemos a esperar do Spurs (a rápida movimentação de bola, controle do ritmo ofensivo, rotação defensiva impecável, contribuição de todo o elenco) ainda não esteja em pleno funcionamento ou tenha sido levemente alterado para se adequar ao material humano disponível. Famoso por transformar jogadores desconhecidos ou previamente inexpressivos em máquinas capazes de contribuir em funções muito específicas dentro do seu esquema tático, o técnico Greg Popovich é muitas vezes visto, injustamente, como um técnico “inflexível”. Pelo contrário, Popovich sabe perfeitamente quando encaixar um jogador dentro do molde necessário e quando mudar o molde para dar conta dos jogadores que estão à disposição. É verdade que esse molde não vê mudanças de forma drástica – levou muito tempo para que permitissem a Parker arremessar bolas de três pontos ou dessem carta branca para Ginóbili reger o ataque, por exemplo -, mas esse time atual é tão diferente daquele que atuou nos últimos anos que estamos vendo, por força das circunstâncias, Popovich mostrar toda sua capacidade de improviso, maleabilidade e adequação.

Só nessa temporada o Spurs já colocou em quadra cinco times titulares diferentes, com as rotações e os minutos de cada jogador variando amplamente – é até difícil de acompanhar. Na quarta-feira, quando o Spurs enfrentou meu Rockets, achei que seria uma boa oportunidade de analisar a equipe de Popovich tendo em vista que nesse momento já estou bastante familiarizado com os pontos fortes e os pontos fracos da equipe de Houston. Sabendo quais os tipos de pick and roll Harden fará na partida e o efeito que eles tiveram em outras equipes, fica mais fácil julgar como o Spurs está se saindo defensivamente contra esse tipo de movimentação ofensiva. Conhecendo as falhas defensivas da minha equipe na proteção do garrafão, é interessante ver como o Spurs explorará essa questão.

Quando o primeiro tempo acabou com o Rockets tendo marcado 63 pontos, portanto, ficaram óbvias as dificuldades atuais que a defesa do Spurs precisa acertar. Quando, no segundo tempo, o Rockets marcou 38 pontos (incluindo somente 16 no quarto período), com uma coleção desastrosa de turnovers, ficou bem claro que o Spurs tem todas as condições de vencer suas dificuldades defensivas – mesmo que leve ainda muito tempo para encontrarmos a constância irretocável das últimas duas décadas.

O maior problema que identifiquei na defesa da equipe de San Antonio foi, como já era temido por muitos, a presença de Pau Gasol. Como pivô titular da equipe, foi sua responsabilidade marcar o pick and roll entre James Harden e, inicialmente, Clint Capela, jogada que é o feijão-com-arroz de tudo que o Rockets executa no ataque. Gasol precisou, portanto, escolher frequentemente entre três opções: defender Capela, impedindo que o pivô atacasse o aro; recuar fechando as linhas de passe de Harden; ou então defender Harden, tentando impedir seu caminho ou contestando seus arremessos. O problema é que Gasol constantemente não sabe quais das três opções deve escolher e precisa olhar para seus companheiros de jogo para saber qual decisão ELES tomaram. Essa hesitação é extramente maléfica para Gasol porque sua velocidade lateral é muito comprometida, de modo que constantemente NÃO DÁ TEMPO dele estar onde deveria estar. Com o tempo, Gasol foi escolhendo apenas recuar para atrapalhar as linhas de passe, recebendo então passes por cima da sua cabeça ou sendo atacado por Harden em infiltrações. O jogador que cuida da sua cobertura e que precisa proteger o aro quando Gasol está afastado e não tem velocidade para se aproximar é LaMarcus Aldridge, jogador que também tem velocidade lateral reduzida e, embora se posicione bem, tem pouca capacidade de contestar arremessos. Essa combinação tornou as pontes-aéreas entre Harden e Capela uma jogada praticamente indefensável nos minutos iniciais de jogo. A solução para isso foi Kawhi Leonard sair do perímetro ou da zona morta para fazer a defesa de cobertura do garrafão, forçando Harden a passar a bola para fora e, com isso, colocando Aldridge na função de correr para a linha de três pontos, onde ele é menos eficiente e, por estar em movimento, foi facilmente fintado e cometeu algumas faltas.

[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Gasol sempre estrategicamente a oito metros de distância de James Harden”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/11/Harden.jpg[/image]

Na defesa de transição, Gasol não teve sucesso muito maior: ou sua volta mais lenta à defesa permitiu que Capela e Ariza recebessem a bola dentro do garrafão através de passes longos de quadra inteira, ou Gasol era surpreendido com Harden parando o ataque no meio do caminho para arremessar relativamente livre da linha de três pontos. Kawhi rapidamente teve que assumir toda a defesa de cobertura e também ser o primeiro a voltar na defesa de transição – tudo enquanto continua sendo a peça mais importante do ataque. Muitas das jogadas do Spurs são, por conta dos jogadores envolvidos, iniciadas com alguém segurando a bola de costas para a cesta – em geral fora do garrafão – e os outros jogadores se apresentando como opções de passe ou então criando espaço para que esse jogador de costas jogue no mano-a-mano contra seu defensor. Kawhi muitas vezes é esse homem de costas para a cesta, para que Aldridge e Gasol possam sair do garrafão e abrir espaço para cortes rumo à cesta, o que apenas sobrecarrega ainda mais o jogador.

Dewayne Dedmon, um jogador mais veloz e melhor defensor de aro do que Gasol, passou meia dúzia de posses de bola em quadra e errou constantemente seu posicionamento na defesa do pick and roll, gerando mal entendidos em que ou o jogador de perímetro ficou inteiramente livre para o arremesso ou o garrafão ficou totalmente desprotegido para uma ponte-aérea – passou apenas 4 minutos em jogo após alguns surtos de Popovich. Vários outros jogadores do Spurs também erraram na defesa de pick and roll ao longo do jogo, não exatamente no ato de defender em si, mas sim no fato de que dois ou mais jogadores tomavam a MESMA decisão e cobriam o MESMO ESPAÇO, ao invés de lerem o jogo simultaneamente e ir cada um para seu espaço correto.

Parece ridículo falar, mas David Lee – famoso em toda a GALÁXIA por ser um dos piores defensores a já jogar basquete – se destacou defensivamente simplesmente por ter mais velocidade nas pernas do que seus companheiros de garrafão e por não tentar adivinhar a movimentação correta na defesa, esperando a jogada se desenrolar e reagindo de acordo. Com ele em quadra e sem Gasol, a defesa melhorou consideravelmente. No segundo tempo, Gasol praticamente não pisou em quadra, Popovich desistiu da ideia de manter dois jogadores de garrafão simultâneos e o Spurs chegou a ficar na frente do placar.

Curiosamente, acredito que os mesmos problemas que afligem o Spurs na defesa também tem suas consequências no ataque. Quando Aldridge ou Leonard estão com a bola de costas para a cesta, Gasol precisa cortar em direção ao garrafão para receber passes, mas ele não tem velocidade suficiente para ser efetivo nessa movimentação e nem LaMarcus Aldridge é um bom passador dessa posição, tornando os dois juntos uma combinação estranha no ataque, em que um estar com a bola em mãos praticamente inviabiliza o outro. Da mesma maneira, os jogadores na defesa sabem que precisam fazer um movimento e cumprir um posicionamento específicos – a defesa de Popovich é bastante rígida – mas não sabem quem deve apertar o perímetro e quem deve cobrir; no ataque, as movimentações ofensivas continuam ocorrendo, mas parece que nenhum jogador sabe quando é hora de arremessar e quando é hora de passar a bola. Gasol, muitas vezes livre na cabeça do garrafão, abriu mão de seu arremesso tradicional porque achava que a jogada deveria continuar rolando até alguém mais sobrar livre, algumas vezes atacando a cesta para passar a bola para fora – e ter seu passe interceptado. As caras novas hesitam em arremessar porque não conhecem ainda integralmente as movimentações ofensivas e não sabem quando possuem carta branca para quebrar uma movimentação e arremessar; como resultado, muitas jogadas ofensivas acabam se resumindo a Aldridge ou Kawhi criando seu próprio arremesso após segundos demais passados no cronômetro. Pouca gente ataca a cesta porque está ocupada demais olhando para o lado em busca de rodar a bola, e quando essa bola é enfim rodada de um lado para o outro surge um sintoma famoso de jogadores que não se conhecem: a bola chega em ALTURAS BIZARRAS, muito altas ou muito baixas para que possam ser arremessadas de imediato. Isso é reflexo de jogadores que ainda estão um ou dois passos afastados de onde seus companheiros acham que deveriam estar, e de passadores que não sabem em que altura seus companheiros gostam de receber a bola para arremessar com o mínimo de esforço.

[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”A mão de Kawhi tampa o número INTEIRO de Gasol”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/11/Kawhi.jpg[/image]

Não há dúvidas de que a movimentação ofensiva e defensiva está lá, de que o plano tático é sólido, de que LaMarcus Aldridge ainda pode arremessar por cima de seus marcadores e que Kawhi Leonard é AO MESMO TEMPO um dos maiores pontuadores e um dos maiores defensores atuais da NBA. Mas a enorme quantidade de jogadores que não se conhecem, que não dominam o plano tático e as movimentações adequadas, e a dificuldade em encaixar as duas maiores peças de garrafão disponíveis faz com que o jogo de Spurs se torne muito inconsistente e dependente de jogadas individuais tanto no ataque quanto na defesa. Se o Spurs ficou famoso por ser CONSISTENTE e COLETIVO, não é à toa que muitos estão afirmando que o time é de certa maneira irreconhecível. Minha visão, no entanto, é contrária a isso: o time ainda é o mesmo, o núcleo tático ainda está lá, e o resultado só é tão discrepante porque os indivíduos não estão acostumados a ele. Estão pensando tanto na coletividade TEÓRICA, querendo cobrir na defesa e rodar a bola no ataque, que não estão conseguindo LER o jogo. Sem Duncan para cobrir eventuais enganos com seu posicionamento impecável e guiar os demais jogadores nas decisões adequadas, fica mais difícil disfarçar os erros de marcação e qualquer pequeno equívoco vira uma cesta fácil para o adversário. O Spurs não está defendendo necessariamente mal, apenas está mais EXPOSTO, coisa que uma âncora defensiva, um bom defensor de aro, costumam camuflar. No ataque os jogadores ainda estão muito inseguros e, consequentemente, dependentes demais de Kawhi – que por não ser exatamente um spot up shooter, um arremessador que recebe a bola para chutar, acaba se desgastando demais para pontuar.

Embora eu acredite que algumas mudanças de elenco sejam necessárias – é preciso encontrar alguém que possa reger a defesa e não seja Kawhi Leonard, tão necessário no ataque – todos os outros defeitos da equipe são questões de maturidade e costume que o tempo certamente irá resolver. Quando o elenco tiver a tranquilidade e a segurança para executar as jogadas da maneira orgânica que o Spurs alcançou nas últimas décadas, voltará a ser uma máquina. A única dúvida, que periga desesperar alguns fãs, é quanto tempo isso demorará para acontecer e o quanto isso prejudicará a temporada atual. Mas se existe um time em que faz sentido CONFIAR NO PROCESSO é o San Antonio Spurs, o time que ensinou à NBA o significado de se pensar a longo prazo.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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