>A vitória dos derrotados

>Como o Danilo disse no último post, eu estou viajando pela Via Láctea e por isso sem muito tempo para postar. Mas achei um dia livre (o último nesse mês) e resolvi aparecer para dar um pouco de atenção para o nosso filho semi-abandonado. O difícil era decidir o assunto! Falar do Mavs campeão, do LeBron James ainda com o mesmo número de anéis que o Cavs, da aposentadoria do Shaq, da contratação do Mike Brown (e do Ettore Messina) pelo Lakers ou, claro, o Draft e todas as trocas que aconteceram junto com a seleção da nova classe de pirralhos? Isso sem contar a discussão sobre a negociação do novo acordo financeiro entre jogadores e os donos de equipes, que devem render mesmo em uma greve. Ou seja, assunto demais para tempo de menos!

Decidi então tratar primeiro do resultado da Final, para encerrar de vez o assunto. Esse post é para comentar sobre a última vitória do Mavs, o que esse título representa para eles e para todos os envolvidos na conquista. Os outros temas podem ou precisam esperar. Falar do Shaq ou do Mike Brown é tão relevante agora como no meio de agosto quando não tivermos assunto e o Draft, assunto do momento, requer muito mais tempo do que eu tenho agora, então fica para Julho, quando eu estiver de volta na terra da coxinha, do feijão e do catupiry.

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Brian Cardinal campeão e de óculos escuros: deal with it

O Mavs foi campeão vencendo onde mais venceu em toda a temporada, fora de casa. A habilidade deles em jogar longe do seu ginásio foi essencial para garantir o terceiro lugar no Oeste durante a temporada regular e acabou sendo decisivo nos playoffs. O óbvio é justificar essas boas atuações enaltecendo a experiência do time, mas não é todo time de veteranos que brilha assim fora de casa, só lembrar do veterano Celtics de 2008 que foi campeão vencendo só dois jogos fora de Boston! Eu acho que tem mais a ver com a capacidade do time de se adaptar, de mudar de estratégia, quintetos e sistemas defensivos no meio de uma partida. O normal é um time jogar um jogo mais covarde quando está longe de seus domínios, apelando para jogadas de segurança e sobrecarregando as suas estrelas. Mas ao invés de mandar a bola no Dirk Nowitzki e esperar milagres (que ele era bem capaz de fazer!), eles conseguiam ler o jogo, ir mudando e achar uma solução, sem desespero, antes da partida acabar. Não é à toa que estiveram no lado certo de tantas reviravoltas e viradas nesses playoffs.

Os méritos para essa vitória tem de ser divididos entre muita gente e cada uma delas tem histórias legais para serem contadas, separamos alguns personagens para serem comentados.

Rick Carlisle

A NBA vive hoje o início de uma era onde os técnicos veteranos estão dando adeus: Pat Riley e Phil Jackson dizem que não voltam, Larry Brown quer voltar ao basquete universitário, Gregg Popovich anunciou que se aposenta junto com o Tim Duncan. Para substituí-los existe uma geração que chama a atenção por ser envolvida com o basquete de um jeito diferente, com menos ex-jogadores e mais estudiosos do basquete, caras viciados em táticas e estatísticas. O Carlisle está na liga faz um tempo, mas pode ser considerado do segundo grupo, é sem dúvida um dos que abriu as portas aos nerds brancos bitolados. Ele se destacou no Detroit Pistons no início dos anos 2000, mas saiu (para dar lugar ao calejado Larry Brown) logo antes deles conseguirem Rasheed Wallace e partirem rumo ao título. De lá ele foi para o Indiana Pacers, onde também se destacou (chegou a ter a melhor campanha da temporada regular) mas esbarrou no seu antigo time duas vezes: primeiro nos playoffs de 2004 e depois no “Malice at the Palace“, a antológica briga entre os jogadores de Pacers e Pistons que culminou em multas e suspensões que destruiu aquela ótima geração do time de Indiana.

A imagem que o Carlisle deixou depois disso tudo foi que ele manja muito de basquete, sabe de todas as estratégias, táticas e lê o jogo como poucos, mas que na hora de lidar com as pessoas, com os egos e com a motivação ele não sabia o que fazer. Seria como mandar o PVC treinar a seleção brasileira: ele saberia todos os detalhes do adversário e faria a leitura do jogo em dois minutos, mas o que vale isso se ele não souber como conversar com Neymar ou como motivar o Alexandre Pato? Ser técnico envolve muitos talentos e o Carlisle parecia não ter todos.

Eu acho que essa imagem do Carilsle, se não 100% correta, é pelo menos 70% e dá pra passar de ano. É raro vermos ele dando discurso emocional como aqueles do Doc Rivers, gritando até ser obedecido como o Stan Van Gundy ou mesmo fazendo aqueles joguinhos para mexer com o brio dos jogadores que o Phil Jackson se especializou em fazer. Mas aí é que o elenco experiente fez a diferença, o Nowitzki não precisa assistir “Gladiador” antes de começar os jogos pra se motivar, o Jason Kidd já entendeu faz tempo que ele não é a estrela e não fica pedindo atenção ou criando briguinha, o Tyson Chandler não é mais o pivete descontrolado dos tempos de Chicago Bulls. É uma equipe de jogadores controlados, que sabem seu papel e que só precisavam de alguém que entendesse de basquete para dar as ordens. O técnico deu as ordens, treinou, inovou (como a defesa por zona, usada à exaustão na temporada regular) e os jogadores aprenderam rápido, sabiam como se adaptar no meio do jogo e confiaram na nerdice do seu treinador. Combinação perfeita. Repito o que sempre disse nas discussões sobre Deron Williams x Chris Paul: a questão não é quem melhor, mas qual dos dois, com seus estilos distintos, é ideal para cada time, técnico e esquema tático. Então não é que um treinador que motiva é coisa do passado e os bitolados táticos os do futuro, para o Celtics funciona o Doc Rivers, para o Mavs funciona o Rick Carlisle.

Mark Cuban

Muita (MUITA, em Caps Lock mesmo) gente odeia o Mark Cuban, mas eu não sou uma delas. Aliás, muito pelo contrário, eu acho ele o dono de time mais legal da NBA. Poderia gastar um post (ou um livro) só de entrevistas polêmicas, desastradas ou de declarações e provocações idiotas (e dispensáveis, fato) dele, mas não sou inocente a ponto de achar que vivemos em um mundo onde as pessoas não falam asneiras. Eu falo, você fala e o Mark Cuban fala. Aliás, fica uma lição para a vida: Nada é imperdoável, todo mundo fala e faz bobagens trocentas vezes na vida e na grande maioria das vezes é sem perceber. Somos todos imbecis e por isso odiar alguém por ser imbecil é, surpresa, uma imbecilidade.

Atrás de todas as atitudes questionáveis do Mark Cuban está um cara que ficou bilionário no mundo da informática e resolveu investir parte dessa grana para comprar o seu próprio time de basquete. Ao contrário de muitos donos por aí, ele não fez isso porque parecia um bom negócio ou para levar os clientes dele para reuniões na sala VIP do ginásio, mas porque ele é perdidamente apaixonado por basquete. Todas as bobagens que ele fala são completamente perdoáveis quando o vemos vestindo uma camiseta do Nowitzki e pulando atrás do banco, o Mark Cuban é só mais um fã de basquete como nós mas que calhou de ter alguns bilhões de dólares sobrando na carteira, e que fã não sai xingando juízes sem motivo depois de uma derrota? Tá, ele também gosta de aparecer e ser o centro das atenções, mas se formos começar a criticar pessoas com a mesma característica nesse mundo do esporte a gente vai acabar gostando só do John Stockton e mais ninguém.

O Mark Cuban tem tanto dinheiro e gosta tanto do seu time que é um dos poucos donos de time que nunca teve medo de gastar. O Mavs tinha acabado de investir uma grana preta na renovação de contrato do Brendan Haywood antes da temporada começar quando surgiu a oportunidade de conseguir o Tyson Chandler sem precisar mandar ninguém relevante em troca. A folha de salário ficaria inchada e isso significaria que o dinheiro investido no Haywood seria para ele esquentar banco, mas Cuban não ligou, como sempre, em pagar multas e mandou fechar o negócio. O sonho do Cuban era ser campeão e ele gastou demais para isso sempre, nunca aceitando ter um time fraco em mãos. Muito dono de time por aí começaria a cortar gastos depois do primeiro conto do vigário (ver DAMPIER, Erick) contratado a peso de ouro para não fazer nada. Cuban, teimoso/persistente, dá uma nova cartada por temporada e dessa vez deu certo.

Mas o mais legal dessa insistência e paixão do Mark Cuban é que ela foi recompensada bem na temporada onde ele admitiu os seus erros. O Dirk Nowitzki deu uma entrevista dizendo que preferia que o seu chefe não desse nenhuma declaração polêmica (o jeito educado de dizer “estúpida”) durante os playoffs e foi plenamente atendido; Cuban permaneceu toda a pós-temporada calado e ganhou de brinde o título que tanto sonhou. O cara pode ser mala, mas eu gosto de ver o título indo para um cara que realmente se importa e se diverte com o time que tem.

Dirk Nowitzki

Na minha cabeça o Dirk já estava naquela lista de jogadores que eu teria que defender e justificar a carreira sem títulos até o fim da vida. Em 2047 quando fossem fazer uma lista dos melhores jogadores nos 100 anos de história da NBA eu estaria lá, velho gagá, para defender a inclusão do alemão mesmo que ele tenha passado a carreira em branco. Isso, claro, depois de dar um piti contra a existência de mais uma chata lista de quem é melhor.

Mas não é que no fim tudo deu certo e ele venceu? A ficha ainda não caiu pra mim. Eu sempre torço para os meus jogadores favoritos vencerem, mas torço em dobro quando eles tem uma reputação manchada pelos motivos errados. Se alguém não gosta do Ron Artest pelo seu comportamento, beleza, eu não acho que seja motivo para odiar mas realmente ele já fez coisas condenáveis. Agora, o Dirk tinha fama de amarelão! Isso era injustiça demais contra um dos jogadores mais legais (e decisivos!) que eu já vi jogar. E não é que ele foi campeão em um time fora de série que venceu todo mundo por 20 pontos de vantagem, foi em um time que tinha limitações no ataque e que realizou viradas heróicas no quarto período sempre lideradas por ele.

Continuo achando que grandes jogadores continuam sendo grandes jogadores mesmo quando não ganham títulos (é preciso ter sorte de estar no lugar certo e na hora certa no fim das contas), mas é bem legal quando esses caras conseguem o que tanto buscam.

Isso vale também para outros grandes jogadores que volta e meia recebiam a patética crítica do “foram bons mas nunca ganharam nada” como Jason Kidd, Shawn Marion e Peja Stojakovic. Mas vamos ser sinceros, se é pra medir qualidade individual por resultado de equipe o que vale mais para medir o talento do Kidd, ser campeão com esse Dallas ou levar um time que tinha Kerry Kittles, Keith Van Horn e Jason Collins de titulares (!!!) à final da NBA? Aquilo já deixava o nome dele na história, mas é bom que ele tenha ganhado um anel para os perturbados que pensam que vão-se os dedos e ficam os anéis. A atuação do Shawn Marion marcando Kobe Bryant, Kevin Durant e LeBron James em sequência também faz jus ao seu talento defensivo sempre esquecido e desvalorizado nos tempos de Phoenix Suns.

A franquia

Perceberam um padrão nessas histórias? O Carlisle era o técnico que nunca ia vencer porque não sabia lidar com os jogadores, o Dirk era amarelão, Kidd, Marion e outros tinham passado do seu auge, Mark Cuban estragava tudo com sua boca maior que o Shawn Bradley. Era um bando de derrotados jogando por uma franquia que parecia destinada a ficar sempre no quase. Quando me perguntaram no começo da temporada se o Dallas tinha chance de ser campeão eu disse o que digo todo ano: Elenco para isso eles tem, mas é assim nos últimos 10 anos e nunca deu em nada. Era chato responder o que faltava para o Mavs ser campeão porque eles tinham tudo, o que faltava era simplesmente ir lá e vencer. Soa idiota mas era justamente isso. Meio como um São Caetano da vida, parecia que a NBA tinha uma (argh!) mística que não permitia que fosse só qualquer time investir, contratar e vencer; tinha que ter camisa, tradição e o Mavs não tinha isso.

Esse título, portanto, coloca o Mavs na lista de times respeitados na liga. Quer dizer, respeitado pelos mesmos que não valorizavam o Dirk Nowitzki até um mês atrás, os que não são obcecados por títulos já percebiam a força da franquia quando eles completaram 10 temporadas seguidas com 50 vitórias ou mais. A maioria dos recordes dos últimos 10 anos é do Lakers, Spurs e Mavs e finalmente agora todos eles tem títulos.

O que é curioso é que esse título não veio no ano em que o time mais empolgou. Eles davam mais esperança quando eram o melhor ataque da liga, quando ainda tinham Steve Nash e Michael Finley, quando foram para a final em 2006 ou quando venceram 67 jogos em 2007. Nesse ano foi bem diferente, tiveram uma temporada boa-mas-não-espetacular e ainda causaram muitas dúvidas quando perderam o Caron Butler no meio da temporada por contusão e não fizeram nada para repor a perda. O Butler era o desafogo do Dirk no ataque do Mavs e eu realmente achei que eles não tinham chances nos playoffs sem alguém para o seu lugar, imaginei que fosse acontecer com eles o que aconteceu com o Bulls. O time de Chicago só tinha o Derrick Rose no ataque e quando ele foi anulado pelo LeBron James o ataque morreu, minha teoria era que em algum momento dos playoffs o Nowitzki fosse ser bem marcado e o Mavs não conseguiria mais pontuar, eu não contava com tanta evolução nas trocas de passes, os arremessos cada vez mais precisos do Kidd e muito menos o Shawn Marion criando o próprio arremesso e o JJ Barea costurando algumas das melhores defesas da NBA. Não houve um problema nessa temporada para o qual o Mavs não soube se mexer e se adaptar.

Legado?

Em um dia otimista daria para dizer que esse time deixaria um legado. Que ensinou, como disse o dono do Cavs Dan Gilbert após o jogo final, que “não existem atalhos para a vitória“, que ela aparece na persistência. Ou poderia ter ensinado o valor do trabalho em equipe em contraste com o jogo individualista e baseado em estrelas do Miami Heat, seu adversário na final. Mas não é bem assim. Primeiro porque essa história do Heat ser vilão e não jogar como equipe é meio balela que não faz mais sentido desde janeiro, depois porque nenhum time deixa legado, a gente tem memória curta quando o assunto é esporte. Em 2004, que nem tá tão longe assim, o Lakers montou não um Big 3, mas um Fab Four, com Kobe Bryant, Shaquille O’Neal, Karl Malone e Gary Payton. E o que aconteceu? Eles não dominaram a temporada regular como previsto, mas brilharam nos playoffs até chegar na final, onde perderam para um time que os venceu em um jogo eficiente e coletivo. Roteiro mais repetido só se o Dirk usasse o afro do Ben Wallace e a história passasse na Sessão da Tarde.

E mesmo com essa história recente ainda teve gente com certeza de que o Heat ia brilhar desde o começo, citando o exemplo do Celtics de 2008 ao invés do Lakers de 2004, e outros pensando que a vitória do Mavs vai fazer os times da NBA focarem mais na criação de boas equipes do que em colecionar estrelas. O negócio é simples, quem tem chance de ter LeBron James, Dwyane Wade e Chris Bosh ou equivalentes no mesmo time não vai perder a oportunidade de juntar todos. E quem não tem não vai admitir derrota e vai buscar uma solução com outros jogadores. Algumas vezes um lado ganha, outras vezes o outro lado ganha. Para surpresa geral de todos não existe só uma fórmula para se ganhar um título, não tem só um jeito de jogar basquete, não tem mais bobo no futebol e o céu é azul.

Esse título do Mavs deu uma confirmação histórica a muita gente que já fazia por merecer, fez muita gente feliz por ver o Miami Heat perdendo, mas não vai mudar os rumos do basquete e não há uma franquia sequer que não sonhe em ter um Big 3 para chamar de seu.

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Pelo o que eu sei o Danilo está com um projeto de post sobre o lado dos perdedores, divagando sobre o Heat e o que essa derrota significa para LeBron James e cia. E quando eu voltar para o Brasil começo a trabalhar em tudo o que comentei no começo do texto, certo? Até lá aproveitem o Bola Presa como se ele tivesse sido feito no Geocities nos anos 90. Coisa das boas.

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