🔒A NBA está piorando? – Parte 3

Quando Charles Barkley atacou a NBA de hoje, seu olhar estava direcionado para o campeonato. Desinteressado, ele estava meio puto com a quase inevitável decisão entre Cleveland Cavaliers e Golden State Warriors. Embora a sensação de competitividade e de imprevisibilidade tenham seu peso na hora do julgamento da qualidade de um torneio, não é só isso que importa. E se estivéssemos vendo uma época de recordes de pontos, eficiência, qualidade ofensiva, tudo no meio de uma revolução tática? Isso também não é legal de se assistir? Pois é isso o que está acontecendo.

Se tem algo que aprendi na internet é que é possível falar mal de TUDO. Quando poucos times dominam o campeonato, ele é chato por ser previsível. Quando acontece de ninguém conseguir embalar um par de vitórias, tamanha a igualdade dos times, aí começam os argumentos do “ninguém quer ganhar”, do “o menos pior vai vencer” e até do “este é o pior campeão desde…”. Dá pra achar tudo bom, tudo ruim e Barkley vai sempre pender contra o novo e a favor dele, o velho.

Atualmente a NBA está com média de 108.3 pontos por 100 posses de bola para cada time, a maior marca de TODOS OS TEMPOS. Fazer a conta por posses de bola ao invés de total bruto de pontos é importante porque a NBA já teve épocas lentas, com menos arremessos tentados por jogo e placares menores, e outras de pura correria, onde até quem errava muito acabava com 120 pontos. Medir por posse de bola iguala tudo e permite alguma comparação. Este ano está lá no topo, empatado com o as temporadas 1986-87, 1994-95 (o ano em que a linha de 3 pontos foi colocada mais perto da cesta) e 2008-09, a temporada com o melhor aproveitamento de 3 pontos da história.

A bonança ofensiva, como bem apontou o Zach Lowe num texto que fez sobre o tema, tem muito a ver com as decisões de General Managers e técnicos. O exemplo que ele dá é do Brooklyn Nets, que deu não só um contrato, mas tempo de jogo, confiança e um tiquinho de protagonismo para caras como Joe Harris e Justin Hamilton, jogadores muito limitados mas que tinham um talento especial: o arremesso. “Queremos que Harris seja nosso Kyle Korver, disse o técnico Kenny Atkinson, que trabalhou com Korver no Atlanta Hawks. Se voltarmos 15 anos no tempo, porém, veremos Korver sendo atacado por críticos e pelos seus próprios técnicos, que diziam que ele jamais iria durar na NBA se só tivesse o chute de 3 pontos. Era preciso um “confiável arremesso de 2 pontos”, defesa, passe, etc. Ele, bom estudante, aprendeu um pouco de tudo e isso fez uma grande diferença em sua carreira. É ótimo ser o mais completo possível, mas hoje tem gente conseguindo emprego sabendo apenas arremessar.

A razão vai além da matemática simples. Tirando que 3 é MUITO mais que 2 (50% a mais é muita coisa), um arremessador letal é útil até quando não toca na bola. Se Joe Harris entrar em quadra, simplesmente não comprometer, não entregar a paçoca, acertar alguns tiros de longe e obrigar a defesa a dar atenção a ele, seu trabalho estará feito. Enquanto isso, os especialistas em defesa e os pivôs vivem o que Korver viveu no começo deste século: “Mas você faz só isso?!”. Greg Monroe, Enes Kanter e Al Jefferson, monstros ofensivos no jogo de costas para a cesta, hoje são reservas porque o que fazem virou secundário. Caras como Andre Roberson e Tony Allen, especialistas na marcação individual, que ganhariam salários gordos se jogassem nos anos 90, às vezes ficam de fora em momentos importantes das partidas porque não sabem arremessar. Com as devidas exceções (alô, Jazz, Grizzlies) o padrão da NBA hoje é sempre buscar a versatilidade e, se ela não for possível, pender para o lado da velocidade e do arremesso de longa distância. O resto que se vire.

O resultado é uma tempestade perfeita: os times focados no ataque, a NBA recheada de arremessadores, alguns defensores com menos espaço e comissões técnicas dedicadas a pensar qual é a melhor maneira de abrir a quadra e conseguir ainda mais arremessos sem marcação de longa distância. Segundo dados que o Zach Lowe publicou naquele mesmo texto que citei acima, 31% dos arremessos dados hoje na NBA são de 3 pontos! Na temporada passada eram 28,5% e, antes disso, 24%. Todos recordes históricos. E mais, 41% desses chutes são classificados como “sem marcação” pelo SportVU, programa que monitora a posição de todos os jogadores em quadra ao longo das partidas. São jogadores que cresceram arremessando de 3 pontos, com espaço e liberdade para fazer isso. Não à toa estamos vendo placares tão altos e tantas estatísticas absurdas.

Abaixo vemos como os arremessos eram distribuídos em 2000-01 e como são distribuídos hoje:

NBA-2001 NBA-2017

Aqui é possível fazer uma pausa para a clássica pergunta: tá, mas isso é bom? Alguns puristas, entre eles até o Gregg Popovich, técnico do San Antonio Spurs, não gostam do exagero nos tiros de longa distância. Por aqui, acho que o resultado em geral é bem vindo. Não só os placares ficam mais dinâmicos e as viradas mais possíveis, como as defesas são obrigadas a cobrir um espaço maior da quadra, deixando o garrafão aberto para outras coisas que gostamos, como infiltrações, dribles e enterradas. Quando um time passa bem a bola e usa talento e inteligência tática para criar estes arremessos, ele é tão bonito quanto qualquer gancho clássico. Assim como qualquer gancho forçado é feio como um arremesso dado sem critério.

O auge ofensivo da NBA também encontra uma excelente geração na liga. Apenas nesta temporada temos 8 jogadores com jogos de mais de 50 pontos em um jogo. Esta marca iguala o RECORDE da história da NBA! E não só ainda estamos em janeiro como ainda temos Kevin Durant, Kyrie Irving (bateu na trave esta semana!), Damian Lillard, Steph Curry e LeBron James fora da lista.

Esse é um acontecimento surpreendente. Lembro que não há muitos anos atrás comentamos aqui no Bola Presa que os jogos de mais de 50 pontos, exemplo máximo de grande atuação ofensiva, pareciam estar minguando. Veja uma tabela com o total de jogos de 50 pontos e o de jogadores diferentes que conseguiram a marca nos últimos 20 anos:

50

Será que conseguimos achar uma lógica nesses números e uma explicação para que o recorde, que já havia sido igualado no ano passado, seja quebrado em 2017? Bom, o fim dos anos 90 e começo dos anos 2000 são conhecidos como uma era de ouro das defesas, onde os times suavam para marcar 100 pontos contra qualquer time, imagina então um jogador sozinho marcar 50! Aconteceu eventualmente, e existem histórias bizarras como Antawn Jamison (!) fazendo 50 pontos em jogos consecutivos, mas tivemos uns anos com poucas dessas grandes atuações.

O total de jogos com grande pontuação individual cresce lá por 2005, justamente quando a NBA começa a mudar as regras para dificultar a vida da defesa e quando o Phoenix Suns de Steve Nash e Mike D’Antoni passa a seduzir a liga com um basquete mais veloz, de mais posses de bola e chutes de 3 pontos. Mas logo quando a liga está se tornando o paraíso das bolas de 3 pontos, o número despenca, só para se recuperar agora. Faz sentido?!

A narrativa fazia sentido até pouco tempo atrás. Depois de tantos anos de Allen Iverson, Tracy McGrady, Vince Carter e Kobe Bryant quebrando recordes em times fracassados enquanto eram nomes únicos de ataques inteiros, os técnicos perceberam (valeu, Spurs!) que o tal hero ball não era tão eficiente quanto parecia. Os times que começaram a tomar conta da liga eram os que mais dividiam a bola e, logo, os arremessos: o citado Suns do D’Antoni, os vários times campeões do San Antonio Spurs e, depois, os times que reuniam estrelas e dividiam os chutes entre eles, como o Boston Celtics de Pierce, Allen e Garnett, o Lakers de Kobe, Gasol e Bynum ou o Heat de LeBron, Bosh e Wade. Todos esses caras tiveram os grandes jogos de 50 pontos, mas quase sempre quando estavam em times ruins. Fazer 50 pontos, de repente, se tornou coisa de cara perdido em um time péssimo. Ou, pra não usar a palavra “péssimo” pra todo mundo, quando o cara era a primeira, segunda e terceira opção ofensiva do seu time.

Isso ainda acontece, como vimos nos jogos de 50+ pontos de DeMarcus Cousins, Anthony Davis e Russell Westbrook, mas como explicar que Klay Thompson marque 60? Ou que Steph Curry tenha marcado mais de 50 tantas vezes nos últimos anos e que Isaiah Thomas fez 52 num time cujo o grande negócio é justamente ser coletivo, cheio de passes e orgulhoso de dividir funções? E os jogos de Kyrie Irving fazendo mais de 50 ao lado de LeBron James nos últimos anos? Parece que a liga alcançou um divertido equilíbrio entre saber a necessidade de compartilhar a bola, dividir funções e saber usar ao máximo as habilidades de seus jogadores. Alguns times, como o Chicago Bulls, por exemplo, decidiu passar mais tempo com Jimmy Butler ditando o ataque, como se fosse armador. O Boston Celtics parece saber quando pode deixar Isaiah Thomas brincar de Iverson por alguns minutos e depois voltar ao normal caso pare de dar certo. O exemplo máximo é James Harden acumulando a função de Steve Nash e Kobe Bryant, opostos completos, às vezes na mesma partida no ataque do Rockets.

Ah, e temos um tal Russell Westbrook com MÉDIA DE TRIPLE DOUBLE. Um triple-double não é sinônimo de partida perfeita, mas é difícil pra diabo de conseguir e é o equivalente dos 50 pontos para quem faz um pouco de tudo.

Apesar de eu creditar o absurdo nível de talento da atualidade para tantas marcas chocantes, a velocidade também ajuda. Como dissemos antes, quanto mais posses de bola são disputadas num jogo, mais chances um jogador tem de pontuar, dar assistências, apanhar rebotes, etc. Com isso em mente, o Fivethirtyeight usou a métrica do GameScore para medir a quantidade de atuações espetaculares deste ano. O Game Score foi criado pelo John Hollinger (ex-especialista em estatísticas da ESPN que hoje trabalha no Memphis Grizzlies), que usa dados básicos computados a cada jogo para criar um número único que mede o impacto de um atleta na partida. A ideia era ser uma coisa que somasse pontos, assistências, rebotes, aproveitamento de arremessos, turnovers e que também fosse fácil de ler. Então funciona como pontos: se alguém faz 10, é comum, se faz 40 é fora de série. Esta é a fórmula:

PTS + 0.4 * FG – 0.7 * FGA – 0.4*(FTA – FT) + 0.7 * ORB + 0.3 * DRB + STL + 0.7 * AST + 0.7 * BLK – 0.4 * PF – TOV

Nesta temporada já tivemos 13 atuações com GameScore de 40 ou mais.  O último ano que havia visto tantas atuações GORDAS assim foi 1987-88, aquela outra temporada com eficiência ofensiva recorde, que teve 24 (4 do Charles Barkley, aliás). Aquele ano também teve uma combinação mágica: foi uma das temporadas com maior número de posses de bola por jogo e, claro, tínhamos Larry Bird, Magic Johnson, Michael Jordan e o citado Barkley todos VOANDO. O estilo era outro, ninguém arremessava de longe, mas o basquete sempre vai produzir números alucinantes quando somarmos talento com velocidade. O pessoal daquela época vai lembrar do dia que Jordan fez 59 pontos, 6 assistências, 2 roubos, 2 tocos e acertou ABSURDOS 21 de 27 arremessos. Lindo, histórico, para beijar os pés. Mas quem não estava vivo pode se contentar com os 53 pontos, 17 assistências e 16 rebotes de James Harden. É curioso ver críticas à NBA de hoje justamente quando ela está recuperando marcas da sua época mais badalada. Em termos de atuações individuais, estamos em alta:

GS

A NBA de hoje tem pivôs gigantes que sabem driblar e passar, armadores que enterram, equipes gigantescas de nerds baixinhos que analisam todas as estatísticas possíveis e tentam criar jeitos do basquete ser mais eficiente. As comissões técnicas são maiores, os jogadores agora trabalham no seu jogo e no seu corpo durante quase toda a offseason. É muito talento, muita evolução, somado a um momento histórico onde a busca pelo ataque está superando a defesa. Dizer que a NBA está chata só porque dois times roubaram o protagonismo parece ser se importar só com a competição e não com toda a complexidade do jogo.

Mas Charles Barkley pode ficar tranquilo porque essa ascensão dos pontuadores não irá durar para sempre e os recordes da sua época ainda têm chance de sobreviver. Toda grande fase tem a sua resposta, o contra-ataque, e os números não vão subir para sempre. Ou ao menos não da mesma forma. Alguém, em algum lugar, está estudando a NBA de hoje e as defesas em breve vão dar a sua resposta.  Esquemas táticos entram e saem de moda, mas enquanto existir gente estudando e talento em quadra a gente não precisa se preocupar: o basquete está vivo e está espetacular.

Torcedor do Lakers e defensor de 87,4% das estatísticas.

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