A maioria das pessoas e até dos modelos matemáticos coloca o Golden State Warriors como o grande favorito para a Final da NBA que começa na próxima quinta-feira. Entre os fãs que votaram no site da ESPN gringa, 70% acham que vai dar Warriors. Las Vegas também os coloca com favoritos OBSCENOS. Entre os diversos modelos matemáticos que os sites gringos se arriscam em montar, alguns com incrível precisão de acerto, o Warriors está na frente com sobras: o Fivethirtyeight dá 87% de chance do Warriors levar a terceira perna da TRILOGIA, o Power Index da ESPN dá 93% para o Warriors e o PredictWise é o único a ficar mais perto dos fãs e indicar APENAS 73% de favoritismo ao atual vice-campeão da NBA.
O legal do modelo do Fivethirtyeight é que ele usa números que podem ser encontrados no passado. Então é possível voltar no tempo e refazer a pontuação de cada equipe e ver se o modelo deles teria previsto o resultado certo se existisse há trocentos anos. Abaixo podemos ver as 15 maiores vantagens de favoritismo na história: 13 vezes o favorito venceu, uma vez perdeu e a outra veremos em algumas semanas.
Mas será que a diferença entre os times é tão grande assim? Eu não estou convencido, mas ao mesmo tempo é difícil culpar os números. Os modelos apenas cospem os resultados com os números que jogamos lá dentro, e todo os dados que o Cavs jogou lá desde novembro do ano passado não são lá grande coisa.
Embora o Cavs seja o atual campeão da NBA, o time não jogou bem ao longo da temporada, sua defesa não melhorou tanto assim nos Playoffs (apesar de todas as vitórias fáceis) e, mais do que isso, o Golden State Warriors é simplesmente impecável. O time é entrosado, está saudável e tem marcas históricas em qualquer categoria que você pode pensar. Melhor ataque da temporada, segunda melhor defesa, líder em assistências, time com 3º melhor aproveitamento de 3 pontos e que força os adversários ao PIOR nível de acerto. Isso sem contar a marca de 4º melhor ataque da HISTÓRIA dos Playoffs até aqui mesmo tendo enfrentado Utah Jazz e San Antonio Spurs, duas potências defensivas deste ano. Até se você inventar um critério aleatório agora mesmo eles devem ser líderes. Time que mais bate na bunda do pivô reserva após uma cesta? Se for coisa boa, provavelmente é o Warriors.
Não dá, portanto, para culpar ninguém que aposte numa vitória de Steph Curry e Kevin Durant. Mas, ao mesmo tempo, parece absurdamente errado colocar o atual campeão, que tem LeBron James atuando num nível difícil de descrever, como uma mera zebra, um Davi e Golias ou mais um cansativo “vamos chocar o mundo”. Por mais que o domínio do Warriors ao longo da temporada (e dos últimos três anos, na verdade) seja palpável, essa talvez seja uma final bem mais disputada do que a gente possa imaginar.
Acho que aqui é uma boa para eu retornar um tópico que abordei há alguns anos, o Paradoxo Spurs. Este é o conceito que eu criei para dizer que o San Antonio Spurs conseguiu ser, nos últimos 20 anos, o grande modelo de sucesso da NBA e, ao mesmo tempo, um de fracasso. Parece que estou louco, mas pense bem: pelas últimas duas décadas o Spurs teve um dos melhores ou talvez o melhor técnico do planeta Terra, teve sempre grandes elencos, ótimas defesas e aquele tal de Tim Duncan, um dos melhores jogadores de toda a história do mundo. O time não teve dores de cabeça externas, poucas lesões, o grupo foi sempre homogêneo e o time, favorito. Nesse contexto, ganhar 5 títulos em 20 anos é muito ou pouco?
Minha conclusão é que 5 títulos está mais do que bom. A dificuldade do Spurs em ganhar títulos mesmo estando lá na cara do gol TODO SANTO ANO é só a prova definitiva do quanto é dificílimo vencer um campeonato. Tipo, faça TUDO perfeito, tenha jogadores historicamente incontestáveis e TALVEZ você ganhe um troféu a cada 4 anos. Isso porque os adversários são também complicados. O Spurs foi eliminado porque deu de cara com LeBron James, Dwyane Wade, Chris Bosh e aquele arremesso do Ray Allen, ou com Dirk Nowitzki, ou com Kevin Durant e Russell Westbrook no auge da forma física, ou tantas vezes contra Kobe Bryant e Shaquille O’Neal. O que esses times tem em comum são o fato de também serem bons coletivamente, como o Spurs, e também terem mega estrelas capazes de superar toda a MÁQUINA Spurs só por serem estupidamente talentosos. É preciso muito talento e time para bater o Spurs, mas eles existem.
O basquete é possivelmente o esporte coletivo que mais pode ser moldado por um único talento individual. LeBron é o exemplo máximo e mais claro de como a mera presença de um cara muda o estilo e qualidade do time inteiro, o tempo todo, dos dois lados da quadra. Não é só o seu talento em fazer pontos ou dar tocos em contra-ataques, ele estar lá faz, de uma hora para a outra, Channing Frye ser um cara relevante e até perigoso. São caras como LeBron que fazem com que times que parecem não estar exatamente no mesmo nível fiquem mais em pé de igualdade. E é isso que eu acredito que vai acontecer nesta final.
Também é importante lembrar que LeBron James não está levando um bando de tolos para a Final, como pareceu, por exemplo, em 2015 e 2007. Este time é muito bom, uma máquina mortal de fazer pontos e que entra na decisão com a melhor média de pontos por posse de bola da HISTÓRIA da pós-temporada da NBA. Ajuda ter enfrentado esse Leste mais ou menos, claro, mas é um marco enorme. O time tem bons pontuadores, muito talento individual, um mar de arremessadores de longa distância e o melhor reboteiro de ataque de toda a liga.
O grande defeito do time é a regularidade. Eles se perdem na temporada regular, não sei se por tédio ou só por incapacidade de manter o foco, e até mesmo nos Playoffs dos últimos anos tiveram momentos difíceis de explicar. Alguém lembra da vergonha que foram os dois primeiros jogos da decisão passada? Mas também nessa mesma final foram capazes de três jogos quase perfeitos para A Virada. Nessas horas devemos agradecer aos deuses do esporte americano que nem cogitam esse negócio de pontos corridos, porque aí ninguém iria chegar perto de se aproximar do Warriors. O time é melhor, mais regular, mais completo. Mas estamos prestes a ter uma série tensa, com nervos a flor da pele e de apenas sete partidas — e LeBron James pode botar no bolso qualquer uma delas.
O próprio Fivethirtyeight chama LeBron de “destruidor de algoritmos” e tenta explicar a razão para seu modelo matemático não dar maior peso ao Cavs. O primeiro é que o modelo não costuma APOSTAR que um time que teve uma temporada regular como a deles vai “virar a chave” nos Playoffs. A maioria não faz isso. A conta também leva pesadamente em consideração o passado recente da equipe, e foi justamente nos últimos meses da temporada que o Cavs vacilou. Por fim e mais importante, o modelo do site coloca o atual Golden State Warriors como um dos DOIS MELHORES TIMES DE TODOS OS TEMPOS ao lado do Chicago Bulls de 1996. É um modo de dizer “essa garota é linda, mas estamos comparando ela com a Alinne Moraes”. A matemática pesa para o Warriors, mas é fácil entender que não é bem assim na realidade.
Eu acho divertido acompanhar esses modelos só pela graça do jogo em si, de cavocar a história da liga, fuçar seus dados e tentar achar sentido nisso tudo. É estudo, não um grande oráculo. Também acho legal ver as cotações de Las Vegas e as votações populares para medir como estava a percepção popular antes da série começar, o que o olho treinado ou o nem-tão-treinado acha antes da bola realmente começar a rolar e a gente iniciar aquela loucura de mudar de opinião a cada partida.
Mas a real é que este é um caso para jogarmos tudo isso pelo lixo. O que vai acontecer a partir de quinta-feira é único: nunca dois times se enfrentaram três vezes seguidas na decisão, é raríssimo ter um time do nível desse Golden State Warriors sequer existindo e os poucos que já passaram por aí não enfrentaram ninguém do quilate de LeBron James, um monstro que não se machuca e que só melhora em seus QUATORZE anos de NBA, numa decisão. O duelo está mais para obsessão de cada time do que para rivalidade.
A mera ansiedade pela decisão já está superando 90% dos jogos destes Playoffs em emoção, a impressão é que sobrevivemos a tudo só para isso. E ao não subestimar nem esse Warriors nem LeBron James, meu risco está só em esperar uma final épica até demais. Mas tem como uma trilogia desse nível não acabar bem? Por favor não seja como Matrix.