O passado do time sem futuro

Uma regra conhecida, mas às vezes esquecida, dos esportes é a de nunca prometer nada. Garanta uma vitória na entrevista coletiva, consiga, e ninguém dará a mínima. Prometa a mesma vitória, perca e você será massacrado para o resto da vida. Jurar gols, conquistas ou qualquer coisa é quase certeza de bobagem. Lembram quando Gilbert Arenas prometeu vingança a todos os envolvidos em seu corte da seleção norte americana? Ele só marcou 50 pontos contra o cara que enfrentou antes de anunciar sua vendetta. Depois que falou, só desgraça.

Quando o bilionário russo Mikhail Prokhorov se tornou o primeiro não-americano a ser dono de um time da NBA, em 2010, ele prometeu: o Brooklyn Nets será campeão da NBA em cinco anos. E então ele começou uma das campanhas mais agressivas que se tem notícia na liga: tudo em Nova York tinha o logo da equipe que deixaria New Jersey e iria para o famoso burough novaiorquino nos anos seguintes. Até um outdoor com uma foto de Prokhorov e seu sócio, Jay-Z, foi colocada perto do Madison Square Garden, casa do New York Knicks. Parte da estratégia do russo era a de roubar torcedores do Knicks, sedentos por um time vencedor na cidade.

Billboard

O problema é que Prokhorov é um cara ocupado. Ele não iria morar por lá, mas na Rússia, onde iria comandar seus negócios e, depois, até concorrer à presidência do país. Sim, empresários bilionários querendo tomar conta do Executivo é uma tendência global. Enquanto ele se ocupava com a busca pelo Kremlin, deixou uma equipe encarregada de transformar o Nets em um campeão. As ordens eram simples: faça rápido, não economize, arrisque o que for preciso.

O principal encarregado do trabalho foi Billy King, o General Manager escolhido para montar esse time campeão. Sabendo dos desejos do patrão, King foi à luta, uma troca de cada vez. Ele começou já na temporada 2010-11 enviando o ainda muito jovem Derrick Favors, junto com Devin Harris e algumas escolhas de Draft, para o Utah Jazz em troca de Deron Williams, na época considerado ainda um dos melhores armadores da NBA.

No ano seguinte, na temporada 2011-12, o Nets passou boa parte do ano lutando para conseguir tirar Dwight Howard do Orlando Magic. O pivô estava insatisfeito e dizia querer jogar com Deron Williams, o armador pedia ele por lá, mas os patrões não chegavam a um acordo. Tudo parecia que ia dar certo na offseason, quando ambos encerrariam seus contratos e selariam a parceria no novo e belíssimo ginásio de Brooklyn. Mas não. Por algum motivo que muita gente não entende até hoje, Dwight Howard, momentos antes do último dia de trocas da temporada, em fevereiro, decidiu abrir mão do seu direito de encerrar o contrato e assim permanecer mais um ano no Magic. De uma hora para a outra, no meio do campeonato, Billy King viu seu emprego indo para o ralo: como explicar para Prokhorok, em julho, que eles não teriam nem Deron e nem Dwight?

Sem entender nada, o Nets foi atrás do único jogador minimante talentoso no mercado. Um desanimado Portland Trail Blazers mandou Gerald Wallace para o Nets em troca de uma escolha de Draft de primeira rodada. O time era medíocre naquele ano, mas Gerald Wallace mostrou defesa, foi o segundo cestinha da equipe, deu um ar de competitividade e tentou compensar um pouco a ausência do machucado Brook Lopez. A ideia era mostrar a Deron Williams que tinha talento chegando.

Chegamos em julho de 2012 e o time de Prokhorov ainda não chegou sequer aos Playoffs. Billy King sabe que precisa agir e portanto arranja uma maneira de adquirir Joe Johnson, a então super estrela do Atlanta Hawks. Para isso, o Nets mandou cinco jogadores irrelevantes de contratos curtos e mais algumas boas escolhas de Draft, além do direito do Hawks trocar de posição no Draft com o Nets em 2014 e 2015. O negócio foi feito logo no começo de julho, antes de Deron Williams decidir se iria ficar no Nets ou se aceitava uma boa proposta do Dallas Mavericks. Vendo Johnson como novo parceiro, escolheu ele ficou Nets. O time com Deron, JJ, Gerald Wallace e Brook Lopez alcançou a primeira rodada dos Playoffs na temporada que começou meses depois.

No ano seguinte, em julho de 2013, Billy King fez o seu movimento final no tabuleiro para finalizar o plano do chefe. Abriu mão de Gerald Wallace, mais 3 escolhas de Draft (2014, 2016 e 2018) e mais o direito de troca de posição em 2017 com o Boston Celtics, que em troca enviou os campeões Kevin Garnett e Paul Pierce. No papel o time estava perfeito: Deron Williams, Joe Johnson e Brook Lopez comandariam o show; Pierce e Garnett seriam os veteranos para fechar o elenco. Estrelas para todos os lados.

É importante lembrar que no ano anterior Pierce ainda tinha beirado os 20 pontos por jogo e KG jogava 30 minutos por partida, não eram o que vemos agora em 2016. Era um time de super estrelas para bater de frente com o Big 3 de Miami. Não custa lembrar que esse elenco ainda tinha, de bônus, Andrei Kirilenko, que causou uma polêmica absurda ao aceitar um contrato minúsculo para atuar no time do seu conterrâneo. Apesar das suspeitas de dinheiro por fora, o contrato pareceu bem justo depois.

Assim como o AK-47, ninguém naquele time conseguiu mostrar o seu melhor. Embora Pierce e KG tenham chegado para liderar e serem influências positivas, o grupo nunca deu muita liga. O técnico Avery Johnson foi mandado embora após 28 jogos e PJ Carlesimo levou o time até a primeira rodada dos Playoffs, onde perderam para o Chicago Bulls, que jogava desfalcado de meio time e contava com Nate Robinson ganhando jogos por conta própria. Certamente não era o plano de Prokhorov.

O ano seguinte, com Jason Kidd como técnico, vocês já devem lembrar bem: o time melhorou na segunda metade da temporada, chegou a bater o Toronto Raptors nos Playoffs, mas em nenhum momento enganou alguém como favorito ao título. Era a maior folha salarial da NBA, All-Stars em todas as posições, mas mesmo assim um dos times mais chatos de se assistir em toda a liga. No ano passado começou o desmanche: Paul Pierce foi para o Wizards, Garnett voltou para o seu Timberwolves, Kidd preferiu treinar o Milwaukee Bucks a ter que aceitar ordens de Billy King.

Chegamos então, finalmente, em janeiro de 2016. O Brooklyn Nets tem a segunda pior campanha da Conferência Leste, alguns dos piores números de audiência na TV americana e, pelos números oficiais da liga, o terceiro pior número de público em seu ginásio. Apenas o Wolves e o Nuggets, em cidades bem menos populosas, recebem menos torcedores por partida. Com esse cenário de desilusão e com sua promessa tendo virado a maior piada da NBA, Mikhail Prokhorov resolveu agir: demitiu o técnico Lionel Hollins, que havia assumido após a saída de Kidd, tirou Billy King da função de GM e disse que agora seria mais ativo na franquia. Estão em busca de novos líderes e ele iria participar do processo.

[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”-Não falo russo, mas concordo com tudo o que doutor falou”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/01/NEts3.jpg[/image]

É didático lembrar de toda essa história do Brooklyn Nets porque ela mostra como alguns detalhes podem causar impactos gigantescos nesse negócio estranho de montar um time de basquete. O que teria acontecido se Dwight Howard tivesse ido para o Nets? E se Paul Pierce e Kevin Garnett tivessem realmente inspirado aquele grupo a lutar por um campeonato? E se eles não se desesperassem e mandassem uma valiosa escolha de Draft para o Portland Trail Blazers, justo aquela que virou Damian Lillard? E se Deron Williams não tivesse sido engolido por tantas lesões?

É impossível prever o que vai acontecer no futuro e o trabalho de um General Manager muitas vezes é avaliado em retrocesso. Hoje ninguém lembra que Deron era tão bom ou que Pierce e Garnett ainda pareciam estar em alto nível quando chegaram lá, não tem jeito. O curioso do fracasso do Nets é que Billy King, o mentor do atual desastre, fez o seu trabalho muito bem. Seu chefe pediu que ele montasse um time de estrelas o mais rápido possível e, em poucos anos, ele pegou um time com quase nada e transformou em uma coleção de super estrelas. Ele não economizou, não hesitou e arriscou, exatamente como haviam lhe pedido.

Hoje, em sua coluna na Folha de S.Paulo, Contardo Calligaris fala sobre a ‘Affluenza‘, uma mistura de ‘Affluence‘ (riqueza) com ‘Influenza‘ (gripe), uma ‘doença’ que atinge os ricos. Segundo o escritor, assim como a pobreza ou a miséria podem afetar as ações e personalidade de uma pessoa, o mesmo pode acontecer com o excesso de riqueza. Em um momento ‘Inception’, segue um trecho da coluna onde Calligaris cita um terceira coluna:

“Não sou muito a favor de descontos para ninguém, mas é verdade que 1) a decadência moral do soldado do tráfico pode ser um efeito colateral da miséria e da exclusão; e 2) ao menos no Brasil, a decadência moral das elites políticas e econômicas é tamanha que é difícil não pensar que se trate de uma espécie de “epidemia”.

No dia 1º de janeiro, Paul Krugman, prêmio Nobel de Economia, escreveu, no “New York Times”, a coluna “Privilege, Pathology and Power ” (privilégio, patologia e poder). Sugestão: pegue alguém que seja só um idiota ou um mau-caráter e acrescente o tipo de riqueza que lhe permite se circundar só de bajuladores e obter tudo o que ele quer… Você não acha que o cara vai piorar? Não é só que ele será um canalha com mais poder, mas o poder o tornará mais canalha do que ele já era.”

Não quero dizer que Mikhail Prokhorov é um canalha, mas como vimos no ‘Donos da Bola’ que fiz dele anos atrás, ele é um cara acostumado a ter o que quer. Ele é ambicioso e, mais importante, aprendeu nos últimos 30 anos que os seus bilhões podem conquistar o que for preciso. No Brooklyn Nets ele se cercou de caras que abraçaram, sem nenhum questionamento, todo esse discurso de ser grande, de ultrapassar o NY Knicks, de ganhar um título em cinco anos. Sem ninguém para ser o outro lado da balança, o resultado está aí: um time mal-visto dentro da NBA, como uma franquia que não tem uma liderança que saiba o que está fazendo; e até fora, vista por torcedores como um time nariz empinado que acha que pode comprar vitórias.

A situação do Brooklyn Nets hoje é a seguinte: o seu elenco não tem nenhum jovem promissor. O novato Rondae Hollis-Jefferson parece bom, mas nada que sequer valha apostar que tem futuro garantido como titular na NBA. Entre os veteranos, apenas Brook Lopez e Thaddeus Young têm algum valor, mas, como vemos, não é o bastante para carregar um time nas costas. E se o Los Angeles Lakers não consegue atrair Free Agents, como vai o Nets? Se agora há pelo menos espaço para contratar, nem isso é um diferencial, já que a alta do teto salarial coloca todos os times no jogo das propostas milionárias.

Como opção de reconstrução sobraria o Draft, mas se vocês prestaram atenção, viram que o Nets gastou escolhas em todas as trocas que fez. Esse é o singelo panorama futuro:

Draft 2016
Escolha de primeira rodada está com o Celtics
Escolha de segunda rodada está com o Clippers

Draft 2017
Celtics tem o direito de inverter posições com o Nets
(a pior escolha entre os dois times fica com o Nets, a melhor com os verdinhos)
Escolha de segunda rodada está com o Hawks

Draft 2018
Escolha de primeira rodada está com o Celtics
Escolha de segunda rodada está com o Hornets

Draft 2019
Escolha de primeira rodada é do Nets!!!
Escolha de segunda rodada está com o Hornets

Draft 2020
Escolha de primeira rodada é do Nets!!!
Escolha de segunda rodada está com o Sixers

Para agradar o chefe, Billy King trocou o futuro da franquia. Não consigo lembrar de outro time na história recente da NBA que tenha ficado tão sem opções de reconstruir algo que deu errado. O Philadelphia 76ers está mal, mas ainda pode apostar em Jahill Okafor, Joel Embiid, Nerlens Noel, Dario Saric e em dúzias e mais dúzias de escolhas de Draft. O Los Angeles Lakers está bem mal das pernas, mas ainda tem escolhas e pode contar com a evolução de Jordan Clarkson, Julius Randle e D’Angelo Russell. Mesmo que tudo dê errado com o Sacramento Kings, eles ainda podem negociar DeMarcus Cousins e pedir o planeta em troca. Mas o Nets? Sem escolhas, sem nenhum atrativo para Free Agents relevantes e nenhum jogador com valor alto de troca. Pior, quem for negociar com o Nets sabe que está lidando com um time desesperado e não vai se matar para conseguir Brook Lopez ou Thad Young.

[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Não é todo Lopez que desconta suas frustrações em mascotes”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/01/Nets4.jpg[/image]

Mesmo que a longuíssimo prazo, tudo tem solução nessa vida, eu só não apostaria que essa solução aparecesse em Brooklyn. Quando Prokhorov apareceu para anunciar as mudanças, não mudou seu discurso. O chefão disse que não pretende trocar Lopez ou Young e que apenas quer, a curto prazo, colocar bons jogadores em volta deles para voltar a vencer. Nenhum General Manager minimamente inteligente iria dizer ou fazer isso, o que me leva a crer que só ganhará a vaga aquele que simplesmente topar concordar com o russo, ou seja, um novo Billy King.

 

A NBA é, ao todo, um negócio. Mas é um negócio montado de uma maneira onde a construção de um time, a arquitetura do elenco, é um jogo fora do jogo. E o Nets está sendo liderado por um cara que não sabe as regras da brincadeira.

Torcedor do Lakers e defensor de 87,4% das estatísticas.

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