A NBA tem uma regrinha que pouca gente sequer dá atenção, mas que existe faz tempo: a temporada muda oficialmente no dia 1º de Julho, os contratos acabam e os times são autorizados a apresentarem propostas aos Free Agents. É o ano-novo basquetebolístico. Mas por mais que acordos verbais sejam feitos após o show da virada, eles só podem ser colocados no papel a partir do dia 9 do mesmo mês.
É bom explicar que isso não existe só de sacanagem. A NBA precisa desses quase 10 dias para fazer todas as contas necessárias para fechar o balanço econômico do ano anterior, e eles o fazem isso ao lado do sindicato dos jogadores, que precisam de seu tempo para checar os dados e garantir que nada está sendo tirado da parte dos atletas. Daria para fazer antes, mas aí as contas deveriam ser feitas com apenas estimativas dos ganhos e gastos das últimas semanas do ano.
Nesse limbo de 9 dias em que jogadores podem negociar mas não podem assinar a liga vira uma terra de ninguém. Jogadores dão sua palavra, mas nada está fechado até estar no papel. E times negociam e oferecem contratos sem saber ao certo qual a situação do teto salarial do ano que vem, já que este é totalmente ligado ao saldo financeiro que a liga ainda está fechando. Neste ano, por exemplo, a previsão do teto salarial de 67 milhões virou 70 milhões no fim das contas, e muito time fez negócio sem saber que tinha esse espaço extra. O Phoenix Suns, na ânsia de abrir espaço para LaMarcus Aldridge, trocou Reggie Bullock, Marcus Morris e Danny Granger para o Detroit Pistons. Se soubessem dos 70 milhões poderiam ter segurado ao menos um deles.
É raríssimo que um acordo verbal feito nesse período, chamado de moratória, não seja cumprido, mas isso virou assunto DUAS VEZES nessas últimas semanas. Primeiro quando o Sacramento Kings topou mandar Jason Thompson, Carl Landry e Nik Stauskas para o Philadelphia 76ers em troca de de um pacote de chicletes. Era um jeito do Kings abrir espaço na folha salarial e o Sixers topou porque tem espaço de sobra nos seus gastos e porque pode apostar numa evolução do Stauskas. Até aí tudo bem, né? Mas e se a gente te disser que, além disso tudo, o Kings ainda mandou uma escolha de Draft para o Sixers? E mais: o Sixers agora tem o direito de inverter posições com o time de Sacramento em mais dois Drafts!
Foi uma troca tão surreal que o mundo da NBA desabou em cima do Kings. Não basta as ideias malucas, as trocas mal feitas, os técnicos mandados embora e a briga eterna entre managers, técnicos e o dono da franquia. Quando tudo já é ruim e motivo de piada, eles fazem uma troca que pode comprometer ainda mais o futuro do time que parece não ter futuro. Acontece que todo mundo no Kings conseguiu ler essas críticas antes da troca ser fechada e especulou-se sobre eles darem para trás. Rimos na hora, ninguém faz isso, não é?
O Kings não fez mesmo, mantiveram a palavra. Mas o assunto continuou pipocando quando a Grande Guerra dos Emojis foi declarada no Twitter. DeAndre Jordan, que tinha se comprometido a deixar o Los Angeles Clippers para o Dallas Mavericks, se arrependeu. Primeiro ligou para Doc Rivers, depois marcou um segundo encontro com os representantes do time e depois parou de atender as chamadas de Mark Cuban, dono do Mavs, e Chandler Parsons, ala e xavequeiro oficial de Free Agents.
Foram quando os emojis começaram: todos indo para Houston se encontrar com DeAndre Jordan, que mora por lá na offseason.
No fim das contas o Clippers chegou primeiro com um exército de Blake Griffin, Doc Rivers, Paul Pierce, JJ Redick e Chris Paul, este que tinha sido acusado de ser um dos motivos de Jordan ter desistido de continuar em LA. Cuban até foi na casa de Jordan na manhã dos acontecimentos, mas não tinha ninguém na hora. Mandou uma mensagem e o pivô disse que estava em um encontro, foi a última comunicação antes de ignorar todos por completo. Enquanto o Mavs tentava mais uma chance, os jogadores do Clippers começaram a postar mensagens de dentro da casa do pivô, já à noite, com Griffin até mesmo colocando uma foto de uma cadeira segurando a porta. Eles só iam sair de lá quando desse meia-noite, dia 9, e o novo contrato assinado. Os repórteres com contatos lá dentro contam os jogadores passaram a noite jogando cartas, uma “experiência de união do time” segundo Doc Rivers.
A história surreal só poderia ter acontecido com o Clippers, não é? Envolve reviravoltas, questões éticas, Twitter, emojis e comportamento quase infantil. DeAndre Jordan não quebrou nenhuma regra ao mudar de ideia, longe disso, ele foi apenas humano: quem nunca saiu de um encontro animado e depois, com a cabeça fria, mudou de ideia? E não é uma decisão nada fácil quando você está definindo o que fazer dos próximos 4 ou 5 anos da sua curta carreira.
O problema é que DeAndre Jordan apenas confirmou o que dizem dele desde os tempos de faculdade: cabeça fraca. Inseguro e infantil, sofreu com esse tipo de crítica em todas as etapas da sua carreira. Até seu lance-livre horrível pode ter essa razão, já que ele tem cerca de 70% de aproveitamento nos treinamentos. Ele chegou a ser projetado como escolha Top 10 no Draft porque era um atleta fora do comum, mas acabou sendo ignorado até a segunda rodada porque ninguém queria se arriscar com aquele cara que tinha “BUST” escrito na testa. Tinha tudo para ser o que Hasheem Thabeet virou no fim das contas.
Seu desenvolvimento foi lento, ele não chegou jogando o que joga hoje, mas claramente mostrou que tinha espaço na NBA. E mesmo assim Doc Rivers, quando chegou no LA Clippers, cogitou trocar o seu pivô titular por Kevin Garnett. E isso que Rivers era o primeiro técnico da carreira de Jordan a elogiá-lo em público, até dizendo que ele seria parte do Big 3 do Clippers. Ou, na verdade, um Big 2,5. Rivers sempre bateu na tecla do “jogue tudo na defesa e no ataque vai sobrar alguma coisa pra você”. Em outras palavras, pontes aéreas e rebotes de ataque. DeAndre Jordan pedia mais espaço, mais bolas, mais destaque, mais confiança, mas não recebia. Não ajudava que ele, inseguro, era um dos alvos favoritos de Chris Paul, um dos líderes mais exigentes da NBA. Quem já jogou com o armador afirma que ele é um cara legal e exemplar, mas às vezes beira o insuportável. Quantos jogadores aguentam ouvir broncas seguidas de broncas em todos os treinos, jogos, intervalos e etc.?
Quando DeAndre Jordan acertou com o Dallas Mavericks, tudo pareceu fazer sentido. Ele estava cansado. O Dallas chegou prometendo jogadas pensadas nele, um futuro montado em volta do grande pivô e ele se encantou em receber tanto carinho, mimo e atenção. Provavelmente foi só alguns dias depois que ele leu o que estavam comentando sobre o negócio por aí: o Clippers deixaria de ser um candidato ao título sem ele e o Mavericks não iria se tornar um de imediato. Aí lembrou que Blake Griffin é seu melhor amigo, que Doc Rivers é o paizão que seu lado carente precisa e ligou para ele, queria voltar.
Na segunda oportunidade o Clippers fez o que não tinha feito na primeira vez, interpretou a situação e agiu de acordo. Se DeAndre Jordan é inseguro e meio bebezão, claro que o que ele quer é atenção. Então ao invés de todo mundo ir de férias e só contar com a lógica para o cara continuar, foram lá bajula, puxar o saco e mostrar que ele é amado e querido. Chris Paul se mostrar interessado era o que Jordan precisava ver e saber: os gritos não vão parar, mas não é nada pessoal. Ele é amado.
Como eu disse, a mudança de ideia é normal, mas a maneira de lidar com isso foi toda errada. Ninguém estava obrigando DeAndre Jordan a tomar uma decisão imediata, ele podia ter se animado com todos os jantares com Chandler Parsons, mas que tal pedir um dia a mais para pensar antes de anunciar para o mundo? Ele também vacilou bastante ao não ligar para ninguém quando mudou de ideia. Doc Rivers defendeu seu jogador e disse que esse é o trabalho do agente, não do atleta, mas em um caso tão extremo e diferente, era no mínimo de bom tom ligar e pedir desculpas.
As desculpas seriam pelo prejuízo causado ao Mavs, não só pela palavra que não valeu. Nos dias em que o Mavs acreditou ter DeAndre Jordan, o resto da NBA leu o mercado e seguiu seu rumo. O Indiana Pacers trocou Roy Hibbert, segundo alvo do Mavs, para o Lakers; Kosta Koufos aceitou um contrato do Sacramento Kings e de repente sobrou para o Mavs apensa cogitar Kevin Seraphin ou JaValle McGee. Novamente, a vida é de DeAndre Jordan e ele pode fazer o que quiser para o seu bem, mas ele é um adulto que deveria saber que suas ações estão influenciando as carreiras de muita gente. Vai voltar feliz e milionário para Los Angeles, mas a fama de babaca vai durar por algum tempo.
Apesar de DeAndre Jordan ter quebrado uma regra não escrita da NBA, e do Clippers ter manchado um pouco sua imagem ao tentar recuperar o jogador perdido, o caso não é totalmente inédito. Raríssimo, mas não totalmente novo. Em 2004, Carlos Boozer disse para o Cleveland Cavaliers que queria renovar com eles, mas que queria um contrato mais longo e lucrativo do que o que ele tinha na época. Como ele tinha sido escolha de 2ª rodada no Draft, ganhava menos de 1 milhão por temporada e tinha um contrato de apenas 3 anos. Depois de um excelente ano de novato e de melhorar ainda mais depois disso, todos sabiam que ele valia bem mais.O Cavs, porém, tinha a opção de manter Boozer por mais um ano com um salário minúsculo ou deixar seu ala virar Free Agent.
O óbvio seria manter Boozer pelo valor mínimo, mas para agradar o jogador e assim não correr o risco de perdê-lo, insatisfeito, no ano seguinte, decidiram dar o que ele queria. O time então usou seu ‘Team Option’ para transformá-lo em Free Agent. O problema é que depois de ficar livre, Boozer recebeu uma proposta ainda mais parruda do Utah Jazz. Ao invés de 40 milhões por 6 anos, o Jazz iria dar 68 milhões pelo mesmo período. Ele aceitou e até recebeu o apoio de LeBron James, que disse que “ele tem que fazer o melhor para sua família”, mas o clima ficou péssimo e rendeu toda uma discussão ética parecida com a que estamos vendo hoje. A diferença é que ao contrário de DeAndre Jordan, Boozer garante que não prometeu nada ao Cavs, apenas disse que queria um contrato novo. Essa atitude, aliás, de só encerrar um contrato com outro combinado era considerada ilegal pelas regras da NBA. Erro por erro, o incidente rendeu até cartinha revoltada do antigo dono do Cavs, quase como quando Dan Gilbert escreveu em Comic Sans para LeBron James. Tem franquias que são amaldiçoadas não importa quem está envolvido.
Outro caso famoso envolveu um técnico, não um jogador. Billy Donovan, que acabou de assumir o OKC Thunder, quase foi para a NBA antes, mas amarelou. Ele havia sido contratado pelo Orlando Magic em 2007, mas depois do anúncio se arrependeu e voltou para a Universidade da Flórida, onde tinha acabado de ser campeão da NCAA.
Até a perseguição por DeAndre Jordan teve um precedente. Em 1999, o Phoenix Suns enviou um grupo de jogadores, incluindo Jason Kidd e Rex Chapman, para Denver onde Antonio McDyess iria se encontrar com o Nuggets e assinar um novo contrato. A bordo de uma LIMOUSINE, os jogadores, em meio a uma TEMPESTADE DE NEVE, tentaram chegar ao ginásio onde o jogador estava. Sabendo disso, representantes do Nuggets pediram aos seguranças para que impedissem qualquer jogador de entrar lá. Deu certo e McDyess cumpriu seu acordo e assinou com o time de Denver antes de ser xavecado pelos parceiros de Suns.
E nunca esqueçam que sempre pode ser pior: em 2005 o período de moratória durou longos 30 dias. Muito tempo para, sei lá, LaMarcus Aldridge decidir que ir para o Spurs não é tão legal assim.