O assunto do ano em Nova York tem nome. Um nome bem divertido de falar, aliás: PORZINGIS.
O jornalista Chris Herring, do Wall Street Journal, diz que há um jeito bem fácil de medir a popularidade de um jogador que atua no New York Knicks. Segundo ele, é só ver quantos jornalistas abandonam a entrevista que estão fazendo no momento em que Carmelo Anthony, sempre o último a sair do vestiário, se faz disponível à imprensa. Amar’e Stoudemire era largado às traças quando Melo aparecia, mas Kristaps Porzingis? Herring disse que outro dia quase conseguiu uma entrevista mano-a-mano com Carmelo porque o resto do planeta cercava o novato letão com seus microfones e gravadores.
Mas até que ponto essa moda é baseada em algo real? A torcida de Nova York é conhecida por sua empolgação exagerada, seja negativamente, ao vaiar 99% das escolhas feitas pelo time no Draft desde que o mundo é mundo, seja positivamente, ao considerar qualquer cara que faça meia dúzia de bons jogos como o novo messias. Alguém aí lembra da Linsanity? Ou dos torcedores que tinham certeza absoluta que Amar’e e Carmelo transformariam o time em candidato a título? Pessoal se empolga fácil e parte da imprensa, seduzida pelo tamanho da cidade e de sua torcida, abraça a causa. Sabemos como é por aqui, né?
Tudo começou com um misto de talento e ironia. Claro que Porzingis mostrou logo de cara que era bom, mas suas boas jogadas eram celebradas mais do que o normal também pela piada: olha esse letão de mais de 2,20m, branquelo e magriça que a gente escolheu! Mas de Matt Bonner, ele passou a ser Tim Duncan, não é que o moleque era muito mais talento que brincadeira? Quando chegaram os putbacks em sequência, a torcida foi ao delírio! Que novato tinha uma jogada-marca-registrada com duas semanas de carreira?
Mas existe algo além disso que demorei para descobrir. A felicidade da torcida do Knicks com Porzingis pode ter uma outra razão, ele pode ser o primeiro real “Knicks guy” em muitos, muitos anos. Não é novidade pra ninguém que a franquia não forma grandes equipes há muitos anos, desde que foram para a final da NBA em 1999 talvez só um ou dois times tenham feito algum barulho, e no caminho o time viu poucos ídolos. E entre esses, como Carmelo Anthony, estão caras que chegaram no time depois de fazer história em outras cidades. Tantos outros, como Stephon Marbury, Steve Francis, Antonio McDyess e Amar’e Stoudemire, sequer repetiram seus melhores momentos quando usavam o uniforme do Knicks. Que grande atleta nos últimos 10 ou 15 anos você vai se lembrar no futuro como um “cara do Knicks”, com quem sua primeira memória será dele usando o uniforme azul e laranja?
Se você pegar o histórico de Draft do NY Knicks irá perceber, após seus olhos sangrarem, que não foi nada bonito. Os poucos bons jogadores escolhidos (Nenê, Trevor Ariza, Iman Shumpert e Danilo Gallinari) foram logo trocados e outros simplesmente não deram em nada (Jordan Hill, Tim Hardaway) e o único que começou a fazer história no time, o único novato draftado por eles a sequer ter um contrato estendido, foi David Lee, que acabou saindo do time sem sequer ter disputado um jogo de Playoff. Estão vendo o LA Lakers celebrar 20 anos de Kobe Bryant? A lealdade de Dwyane Wade e Miami Heat? A cidade de Cleveland e sua relação de amor e ódio com LeBron James? Lembram do emocionante retorno de Kevin Garnett ao Wolves? A relação de amizade entre Dirk Nowitzki e Mark Cuban? O Knicks não tem nem um bom time e nem um jogador para chamar de seu.
Peço perdão aos leitores por fazê-los lembrar de tempos tão sombrios, mas foi só para deixar claro como a torcida de NY enxerga Porzingis. Está aí um cara que pode nascer, crescer e se aposentar atuando pelo NY Knicks. E que mostrou, mesmo que em meros 20 jogos, que pode ter o talento e até a personalidade para isso. Quantos gringos chegam e jogam tão bem assim? Muitos sequer falam uma palavra de inglês. Ele, por outro lado, dá até entrevistas engraçadinhas e já conquistou todos os companheiros de time. Carmelo, dizem, até está com um pouquinho de ciúme, mas nada explícito. No fundo deve gostar de ter um jogador que o ajuda a tirar das últimas posições do Leste.
Por enquanto tudo é perspectiva. O que ele pode vir a ser, o que ele pode vir a representar. Mas existe uma semente para isso, que ele plantou jogando basquete muito bem na frente dessa torcida exagerada.
Se a parte simbólica está explicada, e o basquete? Temos que entender como Porzingis conquistou os corações da NBA. Ele chegou sendo comparado a Dirk Nowitzki, uma tradição do Draft para jogadores europeus que tem qualquer noção de arremesso de longa distância, mas será que tem a ver? Tem um pouco, mas não o bastante para merecer grande atenção. Os dois são bons arremessadores e que usam bem a altura para achar boas chances de chute, mas desde a maneira em que esses arremessos são construídos até o restante do poder ofensivo e de defesa, tudo é muito diferente.
Esta semana os dois se enfrentaram e Porzingis parecia um fã juvenil. Sempre declarou que Dirk era um modelo, mas disse que não iria incomodar o ídolo, que só iria falar com ele se o alemão se mostrasse disposto a alguma coisa, e ainda deu um sorrisão de fã mirim do Ibrahimovic ao ver Dirk indo o cumprimentar antes do início da partida. Com a bola rolando, muitos arremessos na fuça do letão para mostrar quem manda, mas depois Porzingis também embalou, marcou 28 pontos e liderou uma reação que transformou a surra que o NY Knicks estava levando em uma derrota mais respeitável.
Porzingis começa bem pela atitude. Ele procura a bola e arremessa sem hesitar, algo essencial para quem quer chutar de longa distância. Mas o que mais impressiona nele são os talentos que geralmente vemos jogadores desenvolver apenas com o tempo: bom timing de rebote, boa movimentação sem a bola, cortes no direção da cesta na hora certa. Mesma coisa na defesa, onde ele é um caso raro de novato que sabe se posicionar e não parece eternamente confuso. Apesar de já ter sido batizado por Dwight Howard, seu poder de dar tocos e proteger o aro já tem feito os olhos de todo mundo brilhar.
A defesa já está em um nível que Dirk demorou anos para chegar perto, se é que chegou. No ataque, não há o fade away e o letão nem usa tanto o corpo para conseguir incomodar os adversários, mas Porzingis pode continuar assistindo e se inspirando no alemão, dá pra usar muito do que Dirk sempre fez em pick-and-pops e usar para toda a vida. Se inspirar é uma coisa, imitar é outra, e está claro que o PORZINGÃO da massa já tem identidade.
Apesar dos pivôs mais comentados do Draft deste ano serem Karl-Anthony Towns e Jahill Okafor, a dupla que mais tem impressionado é a de Towns e Porzingis. E eles têm coisas em comum: assim como Dwight Howard, DeAndre Jordan e outros pivôs contemporâneos, são atléticos, ágeis e tem bom jogo de pernas, mas ao contrário desses, agregam outro fator importante do basquete atual, os arremessos de longa distância. Karl Towns está perdendo a vergonha de arremessar de 3 nas últimas semanas, Porzingis nunca teve medo e os dois tem feito seus estragos nas defesas adversárias. As estatísticas abaixos, ajustadas para 36 minutos, mostram como os dois são parecidos e muito, muito bons.
Enquanto Okafor pode tentar ser o último bastião dos pivôs que vão todo lance para o post-up, Porzingis e Towns podem ser, no futuro, exemplos dos novos ‘cincões’ da NBA: correr, proteger o aro e arremessar de longa distância. Tudo o que o small ball faz, mas sem ser small.
O New York Knicks espera ver essa evolução da revolução, e espera ver ela acontecendo na frente deles, no Madison Square Garden, com o menino que eles draftaram e estão vendo crescer. Será que demora? Será que Carmelo Anthony espera? O time deste ano parece um time de verdade, mas ainda falta muito para assustar. Até lá nos contentamos em ver Porzingis evoluir enquanto escutamos um bom rap.