Quando eu trabalhei no Club Atlhetico Paulistano e convivi mais de perto com a galera que vive o basquete nacional, me impressionei com a aversão que todos por aqui tinham com a ideia de um time ter uma “estrela”. No Paulistano isso foi um pouco fácil de evitar durante um tempo porque o time era realmente feito de atletas com menos fama e nome no mercado, mas aí apareceram os americanos Kenny Dawkins e especialmente Desmond Holloway, uma máquina de fazer pontos. De uma hora para a outra surgiu a preocupação de que a ideia de ter os americanos como rostos do clube pudesse prejudicar o grupo. Na parte que me cabia do trabalho, era importante lidar com a imprensa para que quando falassem do Paulistano (e não era sempre, como vocês devem imaginar), dessem atenção e moral também para os outros jogadores e não só para os cestinhas.
No fim das contas deu tudo certo. Outros jogadores davam entrevistas esporádicas, os americanos eram meio avessos a aparecer demais , não queriam falar em português na TV e o grupo, que chegou a uma final de NBB, seguiu sem grandes problemas de relacionamento. Foi o bastante, porém, para me deixar bem impressionado. Era óbvio que os dois americanos eram MUITO superiores tecnicamente a qualquer outro jogadores, mas todos, sempre, ficavam reforçando a ideia de que todos tinham sua função, que todos eram importantes e que ninguém iria ganhar sozinho. Quanto mais espetacular a atuação individual de um, mais repetiam a questão de jogar em equipe. A minha questão é: uma coisa elimina a outra? Claro que ninguém ganha sozinho, mas também é claro que todo time depende mais de uns jogadores que de outros.
Não é à toa que os únicos campeões aqui no NBB (Brasília e Flamengo), foram times que juntavam as duas coisas: times bem montados e os grandes nomes da seleção brasileira no elenco. As estrelas fazem a diferença aqui, nos EUA, na Europa, em todos os lugares. A diferença está em como lidamos com elas.
Esses dias recebemos uma mensagem do leitor Daniel Endebo perguntando sobre como funciona o “franqueamento” de um jogador na NBA. Ou seja, quando um atleta se torna efetivamente o “franchise player” de uma equipe. Para quem não conhece o termo, o franchise player é o principal atleta do time, a cara da equipe em todos os lugares, o foco da direção quando monta todo o elenco. É o que foi Kobe Bryant no Los Angeles Lakers por tantos anos, ou Kevin Durant no OKC Thunder e Dwyane Wade no Miami Heat.
[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Shaq tenta, mas não seduz Kobe Bryant”][/image]
O curioso é que isso é aberto e até obsceno nos EUA. Lá todos discutem para saber quem é o franchise player de cada time, os times contratam atletas novos dizendo para quem quiser ouvir que ele será esse jogador e é comum até jogadores falarem sobre isso nas entrevistas, com caras menos decisivos valorizando e dizendo tudo o que vão fazer para que as super estrelas brilhem. E com exceção de alguns Dion Waiters, não vemos um reserva qualquer reclamando que não recebe a bola para arremessar nos minutos finais dos jogos.
Em alguns casos, o nascimento desses franchise players é natural e incontestável. LeBron James e Kevin Durant chegaram na NBA com moral, talento e em times arrasados, passaram os primeiros anos sem concorrência na liderança do time e logo mostraram que eram dos melhores da NBA. Com Kobe Bryant a coisa foi mais esquisita, era muito novo quando Shaquille O’Neal era o melhor do LA Lakers e de toda a NBA. Os dois lutaram pelo protagonismo quando Kobe crescia na carreira e essa briga resultou na saída do pivô, trocado pelo Lakers justamente para dar essa alcunha de franchise player para Kobe.
O exemplo dado pelo nosso leitor é o do Indiana Pacers, que era o time de Danny Granger até, de repente, virar a equipe de Paul George. É esquisito lembrar disso hoje, mas Granger já teve mais de 25 pontos de média em uma temporada! Mas depois de se machucar em 2012, nunca mais voltou a sequer chegar perto do que era antes. Enquanto ele tentava ver se conseguia se recuperar, já com quase 30 anos, o time percebeu que era melhor apostar no bom jovem ala com nome de dois Beatles. Aí, em 2014, já com Granger no banco e com aquele climão de rei renegado ao banco, finalmente foi trocado para o Philadelphia 76ers. O processo foi tão lento e pouco anunciado que o próprio Granger teve que vir a público, já em 2013, e encerrar o assunto: “Não existe uma disputa. Ele é tão jovem, consegue fazer tanta coisa que deixa o meu trabalho mais fácil. Não tenho problemas em passar o bastão para Roy (Hibbert) e George no comando do time”. Um alívio para todos os envolvidos.
[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Estamos em 2016 e ainda citamos Danny Granger “]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/01/Pacers.jpg[/image]
Não é sempre assim, porém. O San Antonio Spurs é um exemplo clássico. Por um lado sabemos que Tim Duncan é a base da equipe, mas nesses anos todos ele já passou o comando do time, ao menos dentro de quadra, para Tony Parker, Manu Ginóbili e, agora, para Kawhi Leonard e LaMarcus Aldridge. Esse último, aliás, dizem as más línguas, ficava incomodado por ter chegado primeiro em Portland e todos darem mais moral para Damian Lillard. Não sei se acredito nisso, porém. Faz sentido alguém reclamar de falta de protagonismo e ir para o SAN ANTONIO SPURS?! Duncan não age como esse franchise player da maneira clássica, mas sua presença lá também inibe os outros de saírem se chamando de estrela.
A mentalidade deles é mais híbrida, um pouco brasileira, um pouco americana. Brasileira porque eles não se cansam de dizer que as coisas só funcionam em equipe e reforçam a importância do conjunto, mas também americana porque reconhecem que o time precisa dessa estrela para ir longe. Gregg Popovich, por exemplo, não pensou duas vezes antes de dizer que estava preparando e confiando em Kawhi Leonard para assumir esse trabalho nessa temporada. E a minha aposta é que JAMAIS Leonard iria se tornar o protagonista da equipe se ele não recebesse ordem expressa para isso e aval de seus companheiros. Por sua personalidade e pelo peso dos veteranos, seria arriscado demais chamar o jogo como ele está fazendo agora sem ter permissão. Parece bobagem (possivelmente é), mas é algo que existe em qualquer ambiente de trabalho: experimente não ser chefe e sair dando ordens na firma, o bicho vai pegar.
[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Não faltam fotos poéticas em San Antonio”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/01/Spurs.jpg[/image]
Outros times tentaram adotar essa estratégia Spurs de basquete coletivo não só no estilo de jogo, mas na hora de abordar a questão do franchise player. É difícil responder, por exemplo, quem é a estrela do Atlanta Hawks ou do Toronto Raptors. Mas embora soe bonitinho pra gente, não é necessariamente algo bom ou que tenha conquistado o resto da liga. Esses dois times tem sofrido nos Playoffs nos últimos anos, em geral jogando abaixo do que mostram na temporada regular, e a resposta padrão dos críticos tem sido essa de que falta um cara com mais responsabilidade para assumir o jogo quando a água bate na bunda. Não sei se aceito nesse argumento, ele parece meio raso e precisamos de mais times agindo assim para enxergar um verdadeiro padrão. Mas só quando um time notoriamente sem estrelas for longe que a gente vai ter uma transgressão real nessa questão do franchise player ao redor do basquete.
Enquanto ela existir, é bom que as coisas sejam claras. O Chicago Bulls é o novo Indiana Pacers na questão, com Derrick Rose no papel de Danny Granger. Ele conquistou o direito de ser a cara do time, mas as lesões o tiraram de quadra e, quando voltou, viu Jimmy Butler se tornar o melhor jogador do time. Mas mesmo que isso seja óbvio, muitas vezes o time, dirigentes e até jogadores seguem agindo com o discurso do “temos que fazer de tudo para que Derrick nos leve o mais longe possível”. Como Rose está sofrendo demais para voltar a jogar perto do seu auge, o clima ficou esquisito. Será que resolveria se Derrick Rose desse uma bela entrevista dizendo “esse é o time de Butler agora”? Minha aposta é que sim. Chega a ser constrangedor em alguns momentos ver os dois meio que sem saber se deveriam atacar, dar a bola para o outro ou tentar uma jogada junto, especialmente em quartos períodos. Com Rose machucado de novo, Butler fez seus melhores jogos na temporada e o Bulls está até embalando algumas vitórias. Não é da personalidade deles dar uma de Kobe/Shaq e brigar abertamente pela liderança, mas é necessário que alguém apareça para delegar as funções. Pode ser uma liderança light como a do Spurs, uma macho-alfa como a de Kobe Bryant ou até o estilo passivo-agressivo de LeBron James, mas é preciso saber quem manda.