A gente tenta negar, tenta fugir, mas esse papo da MALDIÇÃO do Bola Presa vai durar um tempo ainda. Dessa vez, no mesmo dia em que publicamos um podcast quase todo dedicado a falar dos problemas do Cleveland Cavaliers, o técnico David Blatt foi demitido pelo time que é o líder do Leste.
Durante o papo nós falamos sobre a possibilidade de demissão, mas acho que o único momento em que falamos sobre ela ser imediata foi quando o Danilo disse que a derrota para o Golden State Warriors, em casa e de goleada, tinha sido do tipo que derruba treinadores no futebol brasileiro. Bom, que chamem o Milton Neves então porque foi exatamente o que aconteceu. Não só nós fomos pegos de surpresa, segundo a imprensa a americana os jogadores do Cavs acharam que Kevin Love havia sido trocado quando foram chamados para uma reunião.
A minha opinião segue a mesma de ontem: o mais sensato seria deixar David Blatt usar a segunda metade da temporada para ajustar o time e, dependendo do resultado, mandá-lo embora após a temporada. Não só na offseason existem mais técnicos disponíveis para entrevistas, mas também é bem difícil mudar um time no meio do ano. O único impedimento para essa decisão seria a pressa: se não há a mínima esperança de ganhar com Blatt, zero possibilidade, nenhuma confiança do grupo, aí podem arriscar. Se não estou enganado, apenas o Miami Heat de 2006, que trocou Stan Van Gundy por Pat Riley, conseguiu ser campeão após trocar de comando com o campeonato rolando. É raro, difícil e envolve Pat Riley.
Muitos estão colocando a demissão de Blatt nas costas de LeBron James, como se ele tivesse ordenado a ação e fosse dono do Cleveland Cavaliers. Não é totalmente assim, mas é um MUITO assim. O General Manager do time, David Griffin, disse que não consultou nenhum jogador sobre o assunto e eu acredito nele, até porque não precisava. LeBron James não é o tipo de jogador que gosta de sentar na mesa da direção da equipe e participar das decisões, acha que pega mal parecer tão mandão assim, mas faz questão de deixar suas intenções claras. É o clássico passivo-agressivo.
[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”-Desculpa incomodar, senhor LeBron. Vossa Excelência poderia me obedecer algumas vezes neste jogo se não for incômodo?”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/01/BlattBron.jpg[/image]
Então LeBron James não diz que David Blatt é ruim e que o quer fora, ao invés disso ele fala as frases corretas para a imprensa, sem mexer um músculo do rosto, e aí nos tempos técnicos ignora o treinador e volta para a quadra fazendo o que bem entender. Ouve o técnico pedir uma coisa, faz outra e os jogadores em quadra percebem, os adversários percebem, e em pouco tempo a NBA sabe o que está rolando. Ele não fala que não quer ver Anderson Varejão trocado, apenas diz, no meio de uma entrevista ou em uma publicação na internet, que o brasileiro é um dos melhores companheiros que já teve. Ele desaparece da face da Terra antes de assinar sua extensão de contrato até que o time renove os contratos de todos seus colegas e diz, como quem não quer nada, que demorar na renovação de Tristan Thompson pode distrair o grupo.
Então o que LeBron James fez foi deixar todos, desde David Griffin até eu e você, sabendo que ele não era o maior fã de Blatt. Não iria boicotar totalmente, mas não iria dar moral. Griffin entendeu o recado e resolveu adotar o caminho da pressa. Mesmo que praticamente todo esse grupo tenha contrato pelos próximos anos, o GM preferiu não jogar uma temporada fora.
Esse é a hora que a gente lembra que David Blatt foi contratado pelo Cleveland Cavaliers para ser o técnico que iria comandar um time de Kyrie Irving, Dion Waiters, Andrew Wiggins e Anthony Bennett. De repente, ao invés de um dos times mais jovens da liga, ele ganhou um time de All-Stars desesperados por um título imediato. Bela fria, né?
Também não custa nada lembrar que ele não foi um técnico ruim, longe disso, acaba até de entrar para a história como o técnico com o melhor aproveitamento a ser mandado embora na NBA.
O problema é que ele falhou em duas coisas fundamentais, algo que acabou sendo decisivo para seu emprego por ele está em um time que considera qualquer coisa menos que um título como fracasso total. A primeira foi não conseguir derrotar o Golden State Warriors: a partir do último quarto do Jogo 3 da final, o Warriors sacou a defesa do Cavs, conseguiu impôr seu ritmo e atropelaram. O último jogo foi só mais uma prova.
A outra é que ele não conseguiu entrar na cabeça de LeBron James. Isso tem muito a ver com a personalidade de LeBron, que não tem a cabeça aberta para usar toda sua versatilidade e quer estar sempre com a bola na mão e fazer o que o deixa confortável, mas muito vai para David Blatt que, como técnico, tem como base do seu trabalho a função de convencer os atletas das coisas que ele acredita. Se ele não fez LeBron abraçar suas jogadas com múltiplos passes e handoffs, não tem como continuar.
Quando Blatt foi contratado, perguntaram se ele iria usar a Princeton Offense que utilizou muito ao longo de sua carreira na Europa. O sistema de ataque é complexo e exige um bom tempo de aprendizado porque envolve menos jogadas desenhadas e muita leitura de jogo e interpretação. Ele disse que não seria rígido assim, mas que alguns elementos sempre estariam lá, e disse que um dos problemas de tentar implantar muito Princeton seria que os “jogadores precisariam abrir mão de muito do que eles sabem”. Apesar de pegar leve na rigidez tática, foi o que aconteceu, não fez ninguém abraçar as novas funções.
Duas matérias que saíram ontem, somadas, explicam bem os detalhes da saída de Blatt. Uma é de Chris Haynes no cleveland.com, que explica as falhas de Blatt. A outra é de Adrian Wojnarowski, no Yahoo!, que se foca na influência do agente de LeBron, Rich Paul, e sua empresa, a Klutch Sports.
A descrição de Haynes mostra como o elenco se irritou ao ver David Blatt dar um tratamento diferenciado demais para LeBron, Kevin Love e Kyrie Irving, muitas vezes não dando broncas após erros, pegando leve nas film sessions onde assistem lances dos jogos anteriores e até marcando faltas bobas neles durante os treinos da equipe. As outras histórias soam como coisas que alunos, sob anonimato, falam sobre o professor chato: que ele demorava para desenhar jogadas nos tempos e que pedia jogadas para caras que não estavam em quadra.
Ao ler o texto de Woj, porém, é possível entender a razão dele tentar puxar as estrelas para o seu lado: era a única chance dele conseguir um mínimo de apoio das pessoas que realmente interessavam. Segundo a matéria, uma das principais razões para LeBron James voltar para Cleveland foi o poder nos negócios. Em Miami ele não podia exigir contratações e mudanças, não por cima de Pat Riley e de Erik Spoelstra, seu protegido. Em Cleveland, um time desesperado e sem nomes fortes, a condição de sua volta era manter esse poder. O dono do time, Dan Gilbert, fez o mais sensato e topou. Melhor ter o problema do LeBron mandão do que ser um dos piores times da liga.
[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”E você achando que empresários de jogadores eram só uns branquelos engomados”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/01/RichPaul.jpg[/image]
Ainda segundo a matéria de Woj, o plano da Klutch Sports, Rich Paul e LeBron James era a contratação de um outro contratado da empresa, Mark Jackson, para treinar a equipe. O problema era que Blatt tinha acabado de chegar! Então desde o começo o desejo do grupo mais influente da franquia era ver o técnico cair e fizeram de tudo nos bastidores para isso acontecer. Com uma final da NBA apesar de duas estrelas machucadas, Blatt manteve o cargo, mas o desgaste e a pressão interna só pioraram nessa temporada.
Quem manteve Mark Jackson longe do time ao longo desse tempo todo foi David Griffin, o General Manager. O atual comentarista ficou com a imagem muito manchada após sua passagem no Golden State Warriors. Segundo o próprio dono da franquia atua campeã, o técnico saiu não por causa dos resultados, mas pela péssima e conturbada relação que ele criou em todos os níveis da organização. Era muita briga e picuinha para cair na primeira rodada dos Playoffs. Jackson chegou a ter um cheque em branco na mão para “contratar a melhor equipe de assistentes do mundo”, mas negou e preferiu ficar só com pessoas próximas, de confiança, desagradando a franquia.
Apesar de não ter a Klutch Sports como representante, Tyronn Lue conquistou LeBron James e boa parte dos jogadores ao longo dessa temporada e meia como assistente. Quando viram que Jackson não iria rolar, Lue se tornou a opção número 1 para substituir David Blatt que, como diz Woj, nunca teve chance em Cleveland. Vendo aqui do meu lado, longe de tudo e só querendo ver o circo pegar fogo, não consigo negar o quanto seria legal Mark Jackson enfrentando seu ex-time numa final da NBA. Sua não contratação, porém, é a prova de que LeBron James, apesar de ser a voz mais influente da equipe, não é a palavra final.
[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Vai ter análise do trabalho de Lue na Summer League do Celtics? Não, não vai”][/image]
O baixinho Tyronn Lue, famoso pelo drible que tomou de Allen Iverson na final da NBA de 2001 (que rendeu uma bela piada), trabalhava até o ano retrasado como assistente de Doc Rivers, começou no Boston Celtics e depois o acompanhou no Los Angeles Clippers. Ele foi um dos entrevistados pelo Cavs antes da temporada passada e ficou muito perto da vaga, mas acabou perdendo justamente para Blatt. Mesmo sem existir uma relação prévia entre os dois, foi convidado e contratado para ser seu principal assistente e o mais bem pago da função em toda a liga. Quem acompanha o time de perto fala do quanto Lue trabalhava nos treinos, nos vestiários, nos tempos técnicos e que tinha uma relação bem próxima com os atletas, algo até comum com ex-jogadores que assumem o terno e a gravata. Méritos aí para David Blatt, que assumiu sua posição de técnico-rookie na NBA e deu muito mais liberdade e responsabilidade para seus assistentes do que a maioria dos treinadores por aí.
A promoção de Lue, portanto, não quer dizer uma continuidade no trabalho. Apesar dele fazer parte da equipe anterior, sua função deixa de ser a de ajudar e sugerir soluções para Blatt e passa a ser a de dar as cartas. Ele não é interino, foi contratado para a função e assinou um contrato novo de 9 milhões de dólares por 3 temporadas.
Agora é a hora em que Tyronn Lue vai colocar sua identidade, o que aprendeu jogando para Phil Jackson e sendo assistente de Rivers e do próprio Blatt. Passando sua experiência em lidar, ainda jovem, com estrelas como Kobe Bryant no LA Lakers e com um veterano Michael Jordan no Washington Wizards. Como ele nunca foi um técnico principal antes, difícil prever que tipo de ajustes ele fará no time, mas algo novo deve aparecer nesta segunda metade de temporada do Cleveland Cavaliers.
Qualquer que seja esse plano tático, porém, ele já chega com algumas obrigações básicas: (1) envolver Kevin Love de uma maneira mais efetiva e menos secundária e (2) convencer LeBron James e os outros principais jogadores do time de que essa nova estratégia que ele inventar é a melhor maneira de derrotar Warriors e Spurs. O problema do Cavs, afinal, não é vencer jogos ou estar entre os favoritos, mas convencer de que pode ser o melhor de todos.