Há 6 anos, LeBron James colocou o mundo a seus pés: naquela quinta-feira todo mundo nos Estados Unidos ligou a TV na ESPN para assistir um especial de uma hora chamado “The Decision“, onde um dos grandes da história, em uma entrevista interminável, iria revelar em que time jogaria pelos próximos anos. O resto do mundo se plugou no Twitter, nos links piratas, em qualquer gambiarra. Não havia um real fã de basquete no mundo que não estivesse pirando naquela bendita decisão.
O resultado todos lembramos: ele resolveu “levar seus talentos para South Beach” e se juntar com Dwyane Wade e Chris Bosh, que poucos dias antes havia anunciado sua decisão de maneira bem menos dramática. Embora boa parte das críticas a LeBron tenha sido feita pela maneira com que o anúncio foi feito –excesso de mídia, egocêntrica e sem avisar os times envolvidos antes de ele entrar no ar– a bomba caiu mesmo pelo fato dele, nas palavras de Dan Gilbert, dono do Cleveland Cavaliers, “ter escolhido um atalho” para o título.
O menino nascido e criado na região de Cleveland estava dando as costas ao time da sua cidade, aquele que o selecionou no Draft, para ir jogar num time que já tinha dono. O Miami Heat era terra de Wade, e LeBron iria lá apenas como um patético desesperado por um anel de campeão, uma prova de sua incapacidade de liderar e “ganhar sozinho”. E estou pegando leve, não vou pegar os termos que vão de “covarde” para baixo, e nem citar as enfadonhas comparações com Michael Jordan.
Se você quer saber mais sobre as críticas que LeBron James recebeu, te dou uma dica: entre no Twitter e busque pelo termo “Kevin Durant“. A história, como dizem, não para de se repetir. Mais um MVP, mais um dos grandes jogadores de todos os tempos deixa o time onde sempre jogou simplesmente porque não consegue se consagrar campeão e o mundo parece não saber lidar com isso.
Naquela época, quando comentávamos a contratação de Free Agent mais espetacular da década, lembramos de como Kevin Garnett, que iria se tornar rival daquele Heat, havia pavimentado aquela mudança. Fiel e leal a seu Minnesota Timberwolves até o último fio de cabelo (que não tem), KG se recusava a autorizar o time a sequer pensar em trocas. Ele estava vendo o seu auge ir para o ralo, mas queria ganhar lá, não em outro lugar. Depois de muita luta, conversa (um encontro com Pat Riley!) e do Celtics conseguir juntar Ray Allen e Paul Pierce em Boston, ele topou a mudança e foi formar o famoso Big 3 que conquistou o título de 2008. Se KG se arrependeu? Provavelmente apenas de ter demorado tanto, já que em 2009 ele teve a primeira das lesões que foram diminuindo seu poder de fogo. Dizem que o próprio KG chegou a conversar com LeBron James e disse que ele deveria procurar o melhor lugar para ele, a lealdade que ele deve é a ele mesmo, sua família, seus princípios e seus desejos.
A mudança também funcionou para LeBron James. O título não veio logo no primeiro ano, como aconteceu em Boston, mas ele viu 4 finais seguidas em Miami, venceu duas, voltou a ser MVP e pouco depois da internet tê-lo chamado de “Robin do Wade”, ele era o melhor jogador do planeta de novo. Vencer, como já havia descoberto KG, salva e perdoa tudo para um atleta e sua eterna luta entre o que ele quer, como ele se vê e como ele quer ser reconhecido. Em alguma outra profissão se fala tanto em legado? Em algum outro meio existe tanto escrutínio sobre cada decisão de carreira?
Todos sabíamos que Kevin Durant era o grande nome entre os Free Agents desse ano, anos-luz na frente de Al Horford, segundo grande nome disponível no mercado. Mas qual era a chance dele realmente sair de um time tão bom? Como explicamos algumas vezes, a questão ainda era dupla, tanto esportiva quanto financeira.
Em quadra ele tinha um time fantástico: Russell Westbrook é outro dos melhores jogadores do planeta, Steven Adams está se tornando uma potência defensiva, Enes Kanter tinha sido decisivo para bater o San Antonio Spurs e Serge Ibaka, que havia sido trocado, estava dando lugar para o excelente Victor Oladipo, conhecido de Durant e que até recebeu mensagem de bem-vindo do veterano. Esse time ficou a MINUTOS de bater o Golden State Warriors e alcançar a final da NBA, ficou a uma atuação menos espetacular de Klay Thompson no Jogo 6 a voltar para a decisão da liga depois do vice de 2012. Até mais do que o campeão Cleveland Cavaliers, o Thunder foi o primeiro time a realmente parecer que tinha “decifrado” a maneira de enfrentar o Quinteto da Morte do Warriors. Um dos segredos? Justamente usar Kevin Durant para marcar Draymond Green e ser capaz de, mesmo com seus 2,10m de altura, defender Steph Curry. Claro que o time não era perfeito, víamos isso desde as viradas tomadas na temporada regular, mas não se joga fora um time que eliminou o Spurs e suas 67 vitórias na temporada regular e que, depois, colocou o melhor time de temporada regular da história contra as cordas.
Na questão financeira a coisa era ainda mais óbvia. Disparado, a maneira de Kevin Durant ganhar mais dinheiro era assinando um contrato de um ano (ou de dois, com opção de sair após o primeiro) com o OKC Thunder. Ele receberia o máximo disponível para ele em 2016-17, depois assinaria um contrato máximo, de 5 anos de duração, em 2017-18. Nenhum outro time poderia oferecer esse contrato de 5 anos para ele além do Thunder, pelas complicadas regras dos Bird Rights, que beneficiam o time que busca renovar um jogador que já está no seu elenco há algum tempo. No próximo ano, além disso, Kevin Durant completa 10 anos de NBA, e jogadores com uma década de liga são elegíveis e um aumento de salário ainda maior que o normal. E um detalhe extra: se o teto salarial desse ano é de obscenos 94 milhões de dólares (24 a mais que no último ano), o do ano que vem deve pular para a casa dos 110 milhões. O contrato de Kevin Durant no ano que vem, no Thunder, tinha tudo para ser, ao lado do de LeBron James, os maiores de toda a NBA e de toda a história do basquete.
Mas ao invés de simplesmente anunciar que iria ficar em Oklahoma City e dar mais uma chance para o time, afinal o próximo ano também é o último de contraot de Westbrook, Durant se afastou, ficou mudo e depois só anunciou que iria para os Hamptons, onde iria se reunir com seis times: OKC Thunder, Miami Heat, Boston Celtics, Golden State Warriors, LA Clippers e San Antonio Spurs. Suas negativas ao LA Lakers e ao Washington Wizards, time de sua cidade natal, já deduravam que Durant não estava para brincadeira: ele quer vencer já.
O LA Clippers era um dos times que menos tinha chance de conseguir Durant. Teriam de convencê-lo a, ao menos por um ano, aceitar um salário menor para que ele pudesse ser parte de um Big 4 ao lado de Blake Griffin, Chris Paul e DeAndre Jordan, que foram a seu encontro para convencê-lo. O pobre JJ Redick, que deveria ser trocado para acomodar o salário da nova estrela, nem convidado foi. A primeira notícia que Durant ficou “muito impressionado” com a apresentação de 4 horas do Clippers, mas logo deixou claro que não iria jogar por lá. Mesmo antes de KD anunciar seu destino, o Clippers já estava fazendo negócios que inviabilizariam a ida do ala, como as renovações com Jamal Crawford, Austin Rivers e Wesley Johnson. Milagre por milagre, era melhor quebrar a sequência de azar do Thunder do que querer salvar a vida do amaldiçoado Clippers.
O próximo da lista era o San Antonio Spurs, que fez uma apresentação bem mais séria, curta e sem tantos alardes ou super estrelas. A abordagem era parecida com a feita para LaMarcus Aldridge no ano passado: aqui jogamos basquete, aqui não existem frescuras ou super estrelas. Seu papel será fazer isso, aquilo e mais isso. O lado negativo? A incerteza da volta de Tim Duncan e Manu Ginóbili (que só depois disse que, sim, joga mais um ano) e a necessidade de se trocar ao menos dois jogadores, possivelmente Danny Green e Boris Diaw, para acomodá-lo.
O Boston Celtics apareceu para jogar algum glamour na conversa: chamaram até Tom Brady, do New England Patriots, para enriquecer a história de que Boston é uma cidade especial para esportes, que campeões são forjados lá. Durant seria a estrela que faltava num jovem e bem treinado time. Para finalizar o toque de ouro, eles fecharam a contratação de Al Horford para mostrar que não estavam de brincadeira. Ir para o Leste, conferência bem mais fraca, era outro secreto atrativo.
O Miami Heat tinha com eles a lábia quase infalível de Pat Riley, que, como citado acima, esteve envolvido até na hora de convencer Kevin Garnett de que deixar o Timberwolves era o melhor para sua carreira. Riley tem a história, os títulos, o passado recente e todas as informações que não temos sobre o futuro de Dwyane Wade e Chris Bosh no time. O que ele disse a respeito dessa dupla para Durant, depois de, como sempre, jogar seus anéis de campeão sobre a mesa? Não sabemos, mas não convenceu.
Por fim ficaram os dois times que, enfim, foram os finalistas na cabeça de Kevin Durant: o seu OKC Thunder e a super potência do Golden State Warriors. O Thunder ganhou o direito à primeira e última reunião com sua estrela, uma delas dentro do próprio ginásio do Thunder, a outra nos Hamptons. A ideia de levar Horford para lá não deu em nada, mas eles tinham para mostrar a história deles, de time que começou com o pior recorde da NBA até se tornar uma das maiores potências do Oeste. O elenco espetacular que citamos acima. A ligação com a comunidade local. Não duvido que tenham refeito as contas de quanto dinheiro ele poderia ganhar também, claro.
O Golden State Warriors, por fim, foi com os dois pés na porta. O dono do time, Joe Lacob, falou uma das maiores baboseiras da última temporada quando afirmou em uma entrevista que seu time estava, na organização e planejamento, a “anos-luz” da concorrência. Isso enfureceu o resto da liga, constrangeu parte do grupo, e começou esse rápido e estranho swing onde o Warriors passou de namoradinho da América a time vilão da NBA. A frase pegou mal e foi lembrada durante todos os Playoffs, onde eles flertaram com o fracasso diversas vezes até aquele arremesso maravilhoso de Kyrie Irving fechar o caixão. Mas se Lacob falou bobagem aquela vez, não falou depois: disse que seu time iria continuar agressivo, não iria se satisfazer com o que tinham e que iriam buscar a próxima revolução do basquete, iriam tentar melhorar. Seu pensamento de Vale do Silício iria valer também para o basquete: cada vitória se torna irrelevante assim que o próximo desafio aparece no horizonte.
Se um time tradicional iria pensar em valorizar os Free Agents Harrison Barnes e Festus Ezeli, ou mesmo Andrew Bogut pelos serviços prestados, o Warriors não estava nem aí para isso. Se precisam perder esses caras para ter Kevin Durant, que assim seja. E o pensamento não é só da direção, junto do manager Bob Meyers, lá foram Klay Thompson, Steph Curry e Draymond Green deixar claro para Durant que, sim, queremos você do nosso lado por muitos e muitos anos.
O que se diz na imprensa americana é que a apresentação do Warriors atingiu Durant em tudo o que ele se importa: vitórias e mudança. Logo de cara Durant perguntou se sua chegada não iria estragar a química do time, e o trio respondeu que de maneira alguma, que lá não haviam estrelas e que assim continuaria a ser. O mote do “Força em Números”, slogan do time nos Playoffs, segundo eles, era real.
Stephen Curry disse que não liga de não receber mais prêmios, de arremessar menos e que estaria na primeira fileira para aplaudir Durant quando ele ganhasse um prêmio individual de novo. Ele até deixou claro que a tão comentada “guerra dos tênis” não era algo relevante para ele. Segundo a imprensa americana, a Nike estava desesperada para que Durant fosse para o Warriors para que ele roubasse um pouco do holofote de Curry e sua Under Armour. Uma das estrelas mais boazinhas da liga, o único super jogador a conseguir aturar jogar ao lado de Russell Westbrook por tanto tempo sem reclamar, Durant deve ter ficado feliz de ouvir que atuaria ao lado de caras que pensam mais como ele.
Isso também passa pela questão da mudança. Na carta em que anunciou sua mudança de time, Durant deixa claro que queria crescer como jogador, sair da cidade onde cresceu, jogar de outro jeito, mudar também como homem. Sair da pequena Oklahoma City para viver numa cidade grande deve ter pesado também para um jogador que, nos últimos anos deixou de ser o menino tímido de mochila e passou até a sair mais pelas noites americanas.
Por fim, mais do que tudo, Kevin Durant quer vencer. E aí entra o papel decisivo de Jerry West. O cara é o logo da NBA, um dos maiores jogadores de todos os tempos e um dos mais sábios General Managers da história, responsável por montar grandes times em Los Angeles, Memphis e, agora, ajudar o Golden State Warriors a virar uma potência. Atuando como consultor do time, ele ligou para Durant para dizer como vencer é importante e e decomo as SETE derrotas em finais antes do seu único título em 1972 machucam até hoje, de como ele deveria atuar em um time que elevassem suas chance de ganhar e de mostrar tudo o que pode fazer em quadra.
Depois de ouvir todos os lados, Durant ficou de decidir nas horas seguintes, e aí na tarde de segunda-feira EXPLODIU a internet ao anunciar que ele, um dos maiores jogadores e pontuadores da história, iria se juntar ao time que tinha vencido 73 jogos na temporada regular do ano anterior. Nem os próprios jogadores da NBA conseguiram se conter…
How NBA players reacted to the Kevin Durant news.https://t.co/2ysNItE0Gr
— HoopsHype (@hoopshype) July 5, 2016
Você vê que a coisa foi pesada quando a própria NBA fica MALUCA com uma contratação. Mas não é à toa, é difícil pensar num time que, no papel, já reuniu tanto talento. São os dois maiores arremessadores do planeta, Steph Curry e Klay Thompson, dividindo a quadra com um cara que deve ser um dos mais completos pontuadores da história da NBA. O “resto” tem Andre Iguodala e Draymond Green, dois dos melhores defensores e mais versáteis jogadores da atualidade. É de estourar os miolos!
A partir daí a Free Agency, que tinha empacado por um dia, voltou a rodar: o San Antonio Spurs confirmou Pau Gasol, o Warriors mandou Andrew Bogut para o Dallas Mavericks para abrir espaço no teto salarial. Eles também assinaram o contrato máximo de Harrison Barnes. Mas nenhuma movimentação, nem a discretíssima, como prevíamos, notícia que Tim Duncan PROVAVELMENTE vai se aposentar, faria as pessoas falarem de outra coisa. Kevin. Durant. Vai. Jogar. No. Warriors.
If u can't beat um join um ?
— Paul Pierce (@paulpierce34) July 4, 2016
Embora todos os argumentos acima tenham convencido Durant da mudança, eles não convenceram boa parte de internet, que concorda com o tweet acima de Paul Pierce, dizendo que Kevin Durant simplesmente se acovardou e resolveu se unir ao time que o derrotou. Para muita gente é como se LeBron James não tivesse ido para o Miami Heat, mas para o Boston Celtics em 2010.
Uma curiosidade é que não é a primeira vez que o Golden State Warriors faz isso. Em 2013, eles conseguiram atrair Andre Iguodala logo após eliminar o seu Denver Nuggets. Dizem que o desejo de Iguodala de jogar com Steph Curry nasceu durante a Copa do Mundo de Basquete de 2010, onde ele ia, tarde da noite, treinar arremessos com seu futuro companheiro de time e… Kevin Durant, MVP daquela competição. Durante o encontro em todos, Iggy foi o responsável pela perspectiva histórica: disse que no futuro o que vale é lembrar da carreira com alegria, com os amigos, e se orgulhar das decisões que fez por conta própria, para si mesmo. Isso vindo de Iguodala que abriu mão de seu papel de líder na Philadelphia e em Denver para, veja só, ser mais valorizado do que nunca agora que é SEXTO HOMEM no Warriors.
Nessa briga toda a coisa mais importante é separar duas coisas distintas: uma, a mais importante, é que essa é uma situação onde um cara está escolhendo onde quer trabalhar e deve ter todo o direito de fazer o que bem entende sem ser xingado por isso. Ele viu o paraíso do basquete acontecendo em Oakland e quis fazer parte disso. Está longe de ser errado. É, por outro lado, compreensível demais. Se eu fosse jogador e visse o Golden State Warriors jogando desse jeito, leve, cheio de passes, veloz e divertido, certamente iria querer jogar lá. Assim como iria querer jogar no Spurs de 2014 e não iria querer jogar no LA Lakers de 2010.
Outra coisa diferente é nossa percepção sobre os jogadores e o tal do LEGADO que eles vão deixar para o basquete. Aqui podemos falar o que quisermos, mas com aquele limite auto-imposto de saber que ele não traiu ninguém e nem foi covarde. Isso é papo de programa esportivo da hora do almoço. Um papo, aliás, que nem o próprio Durant escapou completamente. Em 2010 ele criticou a onda de jogadores querendo ir jogar em Los Angeles e Miami ao invés de buscarem maneiras de batê-los…
Now everybody wanna play for the heat and the Lakers? Let's go back to being competitive and going at these peoples!
— Kevin Durant (@KDTrey5) July 16, 2010
Um texto do Howard Beck no Bleacher Report pega depoimento de uma pessoa próxima ao Thunder que mostra como Durant pode simplesmente ter se cansado de jogar num time limitado ofensivamente. A fonte dele diz que “Durant nunca terá um jogo em Golden State onde Steve Kerr tenha que dizer para o time passar a bola para ele, isso vai acontecer naturalmente”. Não tiro a culpa de KD nessa parte tática, que viu a troca de Scott Brooks para Billy Donovan não resultar em muita variação ofensiva, mas entendo a frustração dos problemas repetidos.
Eu não tenho duvidas de que deve ser muito legal ser o Tim Duncan e passar 20 anos no mesmo time, sempre brigando por título, com um dos melhores técnicos da história e companheiros de time tão altruístas quanto você, mas, convenhamos, quem tem essa sorte? O próprio Kobe Bryant, exemplo máximo de fidelidade a uma franquia, pensou seriamente em dar o fora quando estava vendo que o time não iria ganhar nada durante seu auge, e só foi sossegar quando viu Andrew Bynum crescer e, depois, Pau Gasol chegar. As gerações mudam, as coisas mudam, mas o desejo pela vitória une todo mundo. Nenhum jogador quer ser citado sempre com o aposto de que nunca foi campeão. E não somos inocentes nisso tudo: tanto imprensa quanto fãs, nas suas PATÉTICAS discussões de “quem foi melhor” sempre são os primeiros a colocar o número de títulos como primeiro critério de seleção. Como essas mesmas pessoas podem, depois, condenar alguém que busca a melhor condição para que esses títulos aconteçam?
Eventualmente até Durant percebeu isso e certamente não se orgulha do que disse em 2010.
Também é importante lembrar que não existem títulos na NBA sem grandes estrelas reunidas. O Cleveland Cavaliers teve que juntar LeBron James em modo DEUS na Final com Kyrie Irving e Kevin Love. Duncan não teria seus anéis sem David Robinson, Manu Ginóbili e Tony Parker, assim como Kobe Bryant precisou de Pau Gasol e Shaquille O’Neal e o próprio Michael Jordan provavelmente não seria HEXA sem Scottie Pippen, Dennis Rodman e companhia. Até nossos ídolos máximos, exemplo de tudo de bom no esporte, Magic Johnson e Larry Bird, jogaram nas equipes mais carregadas de All-Star de TODOS OS TEMPOS em meados dos anos 80. Não se ganha na NBA sem se juntar com outros bons jogadores, e cada um faz isso do seu jeito. Uns pedem jogadores, outros pedem para ser trocados, uns se juntam com os amigos, outros esperam o General Manager ter uma ideia genial, outros, como Durant, buscam o time que joga do jeito que eles acham o ideal.
E sabe o que esses times todos também têm em comum? Nenhum ganhou um título de maneira fácil. Isso também não existe na NBA. Eu consigo lembrar, nos últimos 30 anos ao menos, apenas um título que pelo menos PARECEU fácil, que foi quando o Los Angeles Lakers perdeu apenas um jogo nos Playoffs de 2001. Tirando isso, todas as SUPER EQUIPES suaram ou simplesmente perderam. Todas. Seja por problemas táticos, contusões, idade, entrosamento, egos inflados em conflito, técnico incompetente, azar… COISAS acontecem no basquete e nenhum time está a salvo, assim como este Golden State Warriors também não está e acabou de perder um título mesmo sendo óbvio favorito.
Assumir que a NBA “quebrou” é uma farsa, é um exagero e não tenho dúvidas que todos estarão grudados na TV para assistir o que acontece, como sempre acontece quando aparece um time que chama tanto a atenção. Barcelona, Federer, Bolt ou qualquer outra força da natureza está aí para mostrar que o público, lá no fundo, é apaixonado por um ser dominante. Já cansei de dizer isso e repito: sabe qual é a década com mais times diferentes campeões na NBA? Os anos 1970, sim, aqueles que todos dizem ser o “pior tecnicamente” da história. Não acho que seja coincidência. Quando muitos ganham a tal “paridade”, que as pessoas tanto sonham, não demora para virar, sob o olhar do público, uma era medíocre e sem excelência. Só ver o que falam todas as semanas sobre o “campeonato mais disputado do mundo” nas mesas redondas de futebol.
Essa decisão de Kevin Durant talvez seja o exemplo derradeiro de que a nova geração da NBA não vai se deixar levar pelo rabugentismo que os mais velhos, ou os influenciados por eles, tentam manter vivo no basquete. O Danilo já escreveu bastante sobre isso por aqui, especialmente na Era Big 3 no Miami Heat, e continua valendo agora.
A Geração Michael Jordan aprendeu a idolatrar esse tipo de jogador, o macho alfa que coloca a bola embaixo do braço, decide os jogos, dá as ordens, não é amigo de ninguém e é competitivo até na hora de defender a sua companhia de tênis num campeonato de enterradas. Ele é o cara que fareja sangue, que quer ser o Super-Homem quando os EUA montaram sua Liga da Justiça nas Olimpíadas de 1992, ele queria sempre mostrar que era o melhor, que ninguém, em nenhum lugar ou time, estava acima dele. Ao conseguir tal feito, virou o maior nome da história do esporte mas, sob alguns aspectos, também é um babaca. Digo isso sem medo porque o meu maior ídolo no esporte (o que é diferente de ser o melhor do esporte) é Kobe Bryant, que entrou para a história por ser a melhor EMULAÇÃO de Michael Jordan já criada. Ele levou essa história de ser um babaca, de propósito, às últimas proporções. Queria ver os outros como inimigos e deu certo. Venceu tudo, fez amigos só no final, quando seu corpo não o deixava mais ser competitivo. Só o perdoam porque ele venceu.
A nova geração, SEJA LÁ POR QUAL RAZÃO, não importou tudo o que Michael Jordan deixou para eles. LeBron James, mesmo egocêntrico como seus predecessores, é o cara que faz questão de ter amigos de outros times, a tal “irmandade” com Chris Paul, Carmelo Anthony e Dwyane Wade. Ele é o cara que se juntou com os amigos para ser campeão, o que toca a bola para Donyell Marshall resolver um jogo de Playoffs ou confia em Kyrie Irving para resolver um Jogo 7 da Final da NBA fora de casa. Ele quer ser o fodão, mas ele delega, confia, tem amigos e quer jogar com eles. É o cara que, na marra, aprendeu que não existe glória em tentar levar tudo nas costas e depois perder de um time mais coletivo, organizado e bem treinado. A glória na derrota existe apenas nos textos que escrevemos, nas histórias que inventamos, nas narrativas que criamos para fazer esse caos esportivo ter um mínimo de sentido. Para quem está lá na quadra, vendo seu treino virar uma medalha de prata, a derrota é só uma merda.
Dois outros grandes personagens dessa nova geração se encontram agora. Kevin Durant é quase uma anti-estrela da NBA. É discreto, faz homenagem pra mãe quando ganha o troféu de MVP, pede desculpa quando fala palavrão perto de crianças e nunca reclamou com Russell Westbrook por não receber mais a bola. Quando xingou alguém, como Andre Roberson no Jogo 7 contra o Warriors, foi pelo colega NÃO ter arremessado a bola quando teve a chance. Também já xingou por não receber a bola, claro, ele é humano, mas é bonzinho demais para o seu tamanho na NBA.
Numa das grandes interpretações que alguém já fez de um time, numa única imagem o FreeDarko definiu o jovem time liderado por Kevin Durant como um grupo de escoteiros:
Do outro lado temos o Golden State Warriors e Stephen Curry, um cara que nunca deveria ter sido metade do que é. Sabe-se lá como, o magricela de tornozelos bichados conseguiu se tornar o maior arremessador de todos os tempos, duas vezes MVP, mas que faz questão de entrar junto com Klay Thompson no anúncio dos jogadores para não ficar para o final, sozinho, como uma mega estrela que obviamente não é.
Claro que ele tem seu ego grandinho. Ele não vê seus arremessos caírem, encara os adversários que acabou de destruir e faz suas dancinhas da vitória. Ninguém na NBA é ingênuo e do bem, mas entre as estrelas desse porte, difícil achar com tanta facilidade de passar o bastão para que outros brilhem. Com a temporada na navalha, Curry disse para Klay Thompson continuar arremessando no Jogo 6 em Oklahoma City, para ele assumir o jogo. Para Jordan ou Kobe, seria como entregar sua masculinidade num prato, para Curry é tentar ganhar um jogo.
É uma outra geração que ao invés de querer ser Michael Jordan, quis não ser Karl Malone.
É claro que Kevin Durant deve ter pensado que as pessoas não vão ver um possível futuro título do Warriors como um time SEU sendo campeão. Todos vão encher seu saco que ele não era o DONO de tudo, mas, quer saber, quem se importa? Quem quer ser dono de alguma coisa hoje em dia? Coisa de velho. Kevin Durant quer fazer parte de uma equipe fantástica e fazê-la se tornar o melhor time de basquete da história. E eu quero ver se ele consegue.
É chato ter um candidato a título a menos, mas a NBA se acerta. Ela sempre se acerta.