Quem nos acompanha há algum tempo sabe que não somos muito ligados nesse papo de quem vai ou não entrar no Hall da Fama do Basquete em Springfield, nos EUA. É uma discussão tão vaga, com critérios que não são divulgados oficialmente, votados por pessoas que não sabemos ao certo quem são, que simplesmente não vale a pena se engajar. Se o Robert Horry deve entrar no Hall da Fama por ter 7 títulos? Se o Yao Ming deveria ter entrado apesar da carreira encurtada por lesões? Impossível responder sem critérios definidos.
Como discutimos em vários podcasts, porém, achamos que é válida a ideia de simplesmente imortalizar a história do jogo em um só lugar. E é inegável que os jogadores valorizam muito o fato de serem lembrados para entrar nesse panteão esportivo, se eles gostam e querem estar lá, é o que vale.
Neste ano, os três principais indicados nos chamaram atenção em especial por marcarem o começo de uma época que gostamos de tratar aqui no Bola Presa, a NBA pós-Jordan, quando a liga buscava novos ídolos e uma nova identidade. Nossa preocupação com o Bola Presa sempre foi livrar um pouco a mídia brasileira e as discussões daquele saudosismo dos anos 80 e 90, e foi engraçado ver que o período que começamos a tratar aqui está começando a virar nostalgia também. Precisamos começar a nos policiar!
Certamente Yao Ming, Shaquille O’Neal e Allen Iverson fizeram parte da jornada para chegarmos do luto até essa época onde a NBA é divertida e rica de talento (e dinheiro). T tendo visto boa parte da carreira desse trio de perto, tendo sido influenciado por eles para gostar tanto de basquete, que é algo que domina a minha vida até hoje, foi emocionante ver os três refletindo sobre suas trajetórias.
Quem só conhece o Yao Ming pelo meme que ele inspirou deve saber que ele gosta de uma boa piada, mas não sei se são todos que conhecem seu lado mais piadista. Mas não se enganem, não há uma pessoa que o conhece que não o descreva como um brincalhão. Na NBA ele pegou muitos de surpresa porque chegou mais tímido, com a barreira da língua e com o estereótipo do chinês calmo, tranquilo e sábio demais para um trocadilho. Mas com o passar dos anos ele se soltou, se sentiu parte do ambiente e começou a soltar suas piadas. Legal demais que ele conseguiu mostrar isso em seu discurso, um bom humor que faz muita gente, Shane Battier entre eles, colocar o chinês como um dos melhores companheiros de time que ele já teve.
Também achei importante ele citar e agradecer os chineses que vieram antes dele. Desde o técnico que, 80 anos atrás, foi para os EUA aprender basquete e voltou para dedicar sua vida a espalhar o jogo pelo seu país, até Wang ZhiZhi, o sempre esquecido primeiro chinês a atuar na NBA. Uma das razões para Yao estar nesse evento é o seu impacto no país mais populoso do mundo, e ele faz bem em tirar um pouco o foco de si e mostrar que ele foi o resultado de um processo mais longo e demorado.
A fala de Shaquille O’Neal foi muito Shaq do começo ao fim: ele NASCEU para falar em público! Nunca um discurso do Hall da Fama pareceu tanto com stand up comedy. Engraçadíssimo, cheio de alfinetadas, ótimos causos (disse que a ‘sala de meditação’ do Phil Jackson cheirava maconha) e aquele seu eterno desejo de que estejam todos bem, todos felizes e, mais que tudo, todos apaixonados por ele. Deu certo, Shaq.
Mas a parte que eu achei mais legal quando ele agradeceu ao técnico que foi o primeiro a deixá-lo jogar do jeito que queria, ainda no colégio. Apesar de ser gigante, quase condenado a ser pivô, foi autorizado a poder entrar em quadra e imitar o cara que ele mais gostava no basquete, Julius Erving, o Dr J. E é isso que eu acho que um Hall da Fama deve guardar, mais do que títulos, troféus de MVP ou recordes, Dr J fez Shaquille O’Neal querer jogar basquete. Isso é legado, isso é uma história a ser imortalizada.
Eu preferia que Allen Iverson tivesse ido de camisetão até o joelho e uns bons quilos de correntes no pescoço? Sim, mas ele conseguiu passar o seu recado. A NBA nunca teve uma mega estrela tão emotiva quanto Iverson, e sua capacidade de transmitir essa emoção e autenticidade de sentimentos foi o segredo para ele não ser só mais um grande cestinha, mas um ícone cultural.
Ele é pequeno como a gente, tem uma vida fodida como a gente, se veste como a gente e fala as besteiras que todo mundo que não é nascido na era do Media Training falaria. Ele fala da sua família e da sua trajetória como gostaríamos de falar e temos vergonha, e joga como nós, nanicos, gostaríamos de jogar e nunca chegamos perto de fazer. Iverson consegue ser um talento único na história do basquete e ao mesmo tempo ser o cara mais fácil de se relacionar no basquete, e isso vale em dobro se você era um jovem negro no começo do século. Poucos jogadores, por mais talento que tenham, e coloquem Kevin Durant e LeBron James nessa lista, conseguiram movimentar o imaginário do público como Iverson.
Quem vê os vídeos com seu estilo incansável e completamente SEM MEDO de nada na quadra não poderia imaginar um discurso com tanto choro, entrega e até falta de ensaio. É o que nos faz ignorar seus defeitos e até gostar do fato de que ele não era um jogador perfeito. Sei lá como funciona esse Hall da Fama, mas valeu por dar um holofote para esse cara mais uma vez.