A arte de pedir desculpas sem se desculpar vive o seu auge, desde Vin Diesel e o clássico “SE eu ofendi alguém, foi mal” até DeMarcus Cousins e a estratégia de pedir perdão a TODOS os envolvidos, menos aquele que foi agredido.
“Existe hora, lugar e maneira de dizer tudo, e eu fiz as escolhas erradas. Como a maioria das pessoas, sou muito protetor com meus amigos e família, e deixei minhas emoções tomarem conta de mim nesta situação. Entendo que minhas ações são indesculpáveis e me comprometo a sustentar o padrão de profissionalismo do Kings e da NBA. Peço desculpas a meus companheiros de time, fãs e ao Sacramento Kings pelo meu comportamento e pela distração, e espero seguir em frente e me focar no basquete.”
O pivô do Sacramento Kings soltou essa declaração após ser multado em CINQUENTA MIL dólares pela franquia. Multa que, segundo o time, só ocorreu após o pedido de desculpas não vir naturalmente após advertências verbais. O caso que motivou toda essa confusão foi um confronto entre Cousins e um colunista do Sacramento Bee, Andy Carillo, que pode ser visto no vídeo abaixo:
Durante uma viagem do Kings a Nova York, Matt Barnes e DeMarcus Cousins se envolveram numa confusão em uma balada. Barnes discutiu com uma mulher, a pegou pelo pescoço e depois Cousins foi pego, num vídeo após eles saírem do lugar, se gabando de ter socado alguém. Testemunhas dizem que foi o namorado da mulher. As investigações ainda não estão rolando e não dá pra saber ao certo o que aconteceu ao certo, mas coisa boa parece que não saiu de lá…
A coluna de Andy Furillo não é grande coisa, é cheia de ironias tolas e fica dando a entender que jogadores tão milionários deveriam escolher melhores lugares para sair na noite nova iorquinas. Depois ele relata o que aconteceu, fala sobre as investigações e lembra que Barnes deveria ser um veterano que ajudasse com a química e a liderança num elenco meio perdido. Foi só lá quase no último parágrafo ele lembra que este foi o segundo incidente de Cousins em um bar, o primeiro foi em Maio, quando ele e seu irmão, Jaleel Cousins, se envolveram numa confusão em Tampa. O caçula dos Cousins joga no Texas Legends, da D-League.
Essa mera menção a seu irmão que fez Cousins EXPLODIR contra Furillo, fez ele dizer “fale o que você quiser sobre mim, mas não coloque minha família no meio” do vídeo acima e se recusar a responder mais perguntas enquanto o colunista seguisse no vestiário. O caso ainda serviu para que outros membros da imprensa local falassem que esse não é um caso isolado, que outras vezes ele intimidou ou boicotou jornalistas que não escreveram o que ele queria ler. É um nível de maturidade que só Joel Embiid consegue entender:
Uma situação como essa, isolada, já seria problema em qualquer franquia, mas o caso aqui é extremo: é o jogador que mais toma faltas técnicas e se envolve em brigas na NBA, numa franquia que mudou de dono no passado recente, que tem brigas internas entre os sócios minoritários, que tem um manager iniciante na área e que contratou 9 técnicos diferentes nas últimas 10 temporadas. Um time que não vai para os Playoffs desde 2006! A mesma equipe que usou suas últimas escolhas de Top 10 no Draft, aquelas que deveriam reformar o time, em Willie Cauley-Stein, Nik Stauskas, Ben McLemore e Thomas Robinson. Qualquer problema vira um CAOS em Sacramento, e o cara que poderia significar a volta às vitórias passa mais tempo chamando a atenção por brigar.
Outro agravante é que Cousins já está em sua sétima temporada na NBA. Em geral eu nem dou muita bola para o comportamento dos jogadores, a maioria dos casos são de moleques de 20 anos sendo imaturos ou de milionários de 21 anos que tomam decisões na vida noturna. Quem nunca, né? Muitas vezes cobram liderança e exemplo de um garoto só porque ele é o melhor do time, mas por trás do talento está um pirralho sofrendo, como todos nós, para aprender a virar adulto. Em seus podcasts, o ala JJ Redick sempre fala sobre como era imaturo nos 4 anos que fez de faculdade (e hoje uma minoria dos atletas passa tanto tempo por lá), e de como demorou para se encontrar na NBA, desde saber como levar a rotina nos treinos, como lidar com os técnicos, com a nova realidade de ganhar milhões de dólares em um ano.
Também é comum ouvir jogadores falarem de seus mentores, atletas mais velhos que os ajudaram nessa época de adaptações. Kevin Durant e LeBron James falam de Kevin Ollie, Kobe Bryant teve Ron Harper. Nenê, que teve Juwan Howard, é respeitadíssimo na liga por se esforçar em ser esse cara para todos os pirralhos que passaram por ele em Denver e Washington. Existe até o caso de Steve Nash e Dirk Nowitzki, que não se desgrudavam em Dallas na época em que os dois tentavam se encontrar no confuso mundo da NBA. Sem um grande mentor, alguém que passa pelo mesmo problema também é de grande valor. Às vezes um técnico, se souber se comunicar com seus jovens jogadores, pode ser esse cara, como está sendo Brett Brown com Embiid.
Agora pensem bem, quem Cousins teve para ajudá-lo ou guiá-lo no começo da carreira? O time muda de técnico e de jogadores o tempo inteiro, e os que ficam lá também não são nada conhecidos por ajudarem o grupo a crescer. Desde Tyreke Evans até Rudy Gay, o único que realmente parece ter se conectado com Cousins é Omri Casspi, mas até ele foi chutado do time e retornou só no ano passado. Não quero livrar a barra do jogador ao falar que o coitadinho ficou largado no mundo, a ideia, na verdade, é desenhar a tempestade perfeita: uma franquia disfuncional, ninguém para exercer um papel de liderança na franquia, muitas e muitas derrotas e, por fim, o mais óbvio, um jogador de personalidade forte, mimado, pavio curto e que tem certeza que é vítima de uma grande perseguição: dos árbitros, dos seus técnicos e da mídia. A cada frustração, e não são poucas, as coisas só pioram.
A NBA é um ambiente muito prático, onde o resultado define o futuro de todo mundo. Lembram do Royce White? Pois bem, ele teve uma ou duas chances de jogar e mostrar que era bom o bastante para compensar as dores de cabeça que trazia com ele. Não conseguiu, foi chutado e sumiu da liga. Enquanto Cousins carregar nas costas um time que hoje (valeu, Blazers!) estaria nos Playoffs, enquanto ele marcar 55 pontos em um jogo e for uma força imparável no garrafão, ele vai ter chances de se redimir, mas a cada ano a coisa fica mais preocupante. A cada ano que passa menos times aceitam o risco e menos oferecem por ele. Perdoar bobagens de D’Angelo Russell e seus 19 anos de idade é uma coisas, ver Cousins PERDER A CABEÇA por causa de Meyers Leonard num jogo de temporada regular é outra. Como esse cara lidaria com um Jogo 7? Eu imagino ele arrasando o jogo ou sendo expulso no primeiro quarto, 50/50.
Restam duas questões sobre DeMarcus Cousins no mundo do basquete: como minimizar o impacto do lado negativo que ele traz, e, se vale a pena o Sacramento Kings segurá-lo para tentar achar essa solução. Para o time parece que eles jamais vão conseguir um negócio onde recebam um talento tão grande em troca, mas ao mesmo tempo parece impossível reerguer a identidade do time tendo ele como líder. Trocar Cousins, se fizer parte de um bom plano maior, poderia significar uma reconstrução mais bem planejada, mas como confiar num time que não acerta Drafts, que não atrai Free Agents e que já tem uma torcida impaciente há 10 anos sem ir para os Playoffs? O Kings está estreando nesta temporada um novo ginásio, eles querem vender ingressos e trocar o melhor jogador não parece a melhor receita. Não há solução fácil.
Resta então minimizar o impacto de Cousins. Eles parecem ter começado bem com o técnico Dave Joerger, que até o momento não entrou em conflito com o jogador, tem usado ele bem taticamente e foi até “elogiado” por Cousins com um “ele me entende”. Mas a segunda parte, que era ter um esquema de jogo que sobrevivesse aos momentos em que Cousins está fora do jogo, seja fisicamente, no banco, com problemas de faltas (todo jogo!) ou mesmo perdido em seu mundo de perseguições, está mais difícil. O time depende dele para tudo, e o banco só tem tirado eles do buraco nos dias em que Ty Lawson joga bem. Até presenciei alguns desses momentos neste ano, mas tá aí outro jogador nada confiável.
Existe também uma terceira questão, mas essa é totalmente pessoal. DeMarcus Cousins percebe que ele perde o controle sobre si mesmo durante os jogos e (dizem) até nos treinos? Ele sabe o quanto isso prejudica não só a sua carreira, mas sua vida pessoal? Ron Artest precisou de ajuda profissional para superar seus problemas psicológicos e fez questão de falar disso logo após de ser campeão da NBA! Todos nós temos nossas questões, e não é vergonha (e nem raro) precisar de ajudar externa para dar um jeito nisso. A diferença com Cousins é que ele mostra as suas fraquezas para todo mundo ver, numa profissão pública, transmitida ao vivo para todos os países do mundo. Para a NBA seria ótimo –e assustador– ver um Cousins maduro, focado e no auge da forma. Mas seria ainda melhor para ele mesmo.