Na última sexta-feira, o novo técnico da seleção brasileira de basquete, o croata Aleksandar Petrovic, deu uma entrevista à Folha de S.Paulo cuja chamada cravava uma frase que provavelmente todos nós já dissemos ao menos uma vez nos últimos 18 anos: “Todos querem chutar de 3 no Brasil e assim não se ganha nada“. O suposto vício brasileiro pelo tiro de longe era tema de discussão quando Marcelinho Machado era o novo jovem a assumir o posto de principal atleta da seleção no começo desse século, e é tema agora quando o veterano está se despedindo do basquete. Não era a hora de termos uma resposta? A NBA, que passou por questionamentos importantes, pode ajudar.
Antes de mais opiniões é importante dar uma olhada nos números para ver se a seleção brasileira realmente está arremessando tanto assim de longa distância. Na última Copa do Mundo, em 2014, o time de Rubén Magnano tentou 16,9 arremessos de 3 pontos por jogo, apenas o VIGÉSIMO TERCEIRO colocado na categoria. Somente a Austrália tentou menos tiros de longe! Na Olimpíada de 2016 não ficamos muito para trás: o Brasil tentou 21,6 bolas de 3 por partida e só ficou na frente de China, Venezuela e França. Mesmo se formos mais longe, a tendência segue: na Copa do Mundo de 2010 o Brasil foi o 19º de 24 seleções em bolas tentadas de 3 por partida.
Os dados nem surpreendem tanto porque o próprio Magnano assumiu a seleção com um discurso semelhante, exigindo mais trabalho de bola, decisões inteligentes no ataque e mais uso dos pivôs. As convocações e o elenco que o argentino montou nas últimas grandes competições também não traziam muitos arremessadores especialistas. Será então que a crítica de Petrovic está baseada nos times locais do NBB?
Na atual temporada, a média de um time do NBB é de 24,4 arremessos de 3 por jogo. Para comparar, na ACB da Espanha a média é ligeiramente maior, 24,8. Na Euroliga, que junta diversas escolas europeias, a média cai um pouco para 22,7 tiros de longe por um time a cada partida. É quase o mesmo número da primeira divisão da Grécia, que chuta 22,4 vezes por partida. Até na NBA a coisa não está tão distante assim. Nos EUA se chuta 31,7 bolas de 3 por partida, mas em 48 minutos de jogo. Nos 40 da FIBA isso daria 26,6, só duas a mais do que por aqui. Os números não são mais precisos porque não temos as médias de posses de bola por jogo (o glorioso PACE) de cada liga, mas não imagino que isso faça a margem apertada mudar tanto assim. Parecemos estar bem na média.
Liga | Bolas de 3 por jogo |
NBA* | 26,4 |
Espanha | 24,8 |
NBB | 24,4 |
Euroliga | 22,7 |
Grécia | 22,4 |
*Ajustado para 40 minutos por jogo
A conversa da Folha com Petrovic era acompanhada de um box com as opiniões dos dois maiores nomes do basquete brasileiro, Wlamir Marques e Oscar Schmidt. Não é difícil saber quem deu cada um desses pitacos:
“O Brasil joga ao estilo da NBA, mas sem qualidade. É imitação. O chute de três é uma comodidade e demonstra falta de qualidade. Mais difícil é fazer jogadas para pontuar de dois”
“O Golden State [campeão da NBA] ganha com bola de três, e joga como a gente em 1987. Se uma equipe tem grandes arremessadores, tem que chutar. O que o Petrovic talvez tenha tentado dizer é que não temos grandes arremessadores”
A opinião de Wlamir Marques parece bater mais com a declaração de Petrovic, vendo um excesso de arremessos de longe que seria, na visão deles, um sinal de limitação. Já Oscar, até como justificativa retroativa do seu estilo de jogo, usa o Golden State Warriors para lembrar que a NBA vive o AUGE dos tiros de longe. O número de bolas de 3 pontos tentadas na liga americana sobe TODO SANTO ANO e não parece que as coisas vão mudar tão cedo. A grande lição da revolução estatística pela qual passou o basquete foi o ensinamento de que vale a pena, sim, chutar o máximo de 3 pontos que você puder. Isso, claro, se levarmos em consideração os aproveitamentos médios do basquete americano.
E é aí que começamos a aprofundar o assunto. O aproveitamento médio do tiro de 3 pontos na NBA é de pouco mais de 35%, por isso os arremessos são mais valiosos do que aqueles de média distância, que costumam ficar na casa dos 40% e valem um ponto a menos. Dentro da própria liga existem diferentes visões, mas a visão média da NBA em 2018 é o OPOSTO do de Petrovic: Por que chutar de 2 pontos se podemos ganhar com bolas de 3?
Mas se todo mundo chuta mais de 3 pontos, como isso pode FUNCIONAR para todos? Bom, não funciona. Arremessar mais ou menos, como ensina a própria NBA, não é sinônimo de sucesso. O Houston Rockets lidera a NBA em bolas de 3 pontos: absurdos QUARENTA E CINCO PORCENTO dos seus arremessos em um jogo são de longa distância. Em seguida aparece o Cleveland Cavaliers (36%), o Brooklyn Nets (36%), o Miami Heat (35%), o Dallas Mavericks (35%) e o Boston Celtics (34%). É legal ter esses dados em porcentagem do total de chutes tentados para nivelar os times que correm e arremessam mais que outros ao longo de um jogo.
Destes seis times mais seduzidos pela “comodidade” dos arremessos longos, três deles estão no topo da NBA: Rockets, Cavs e Celtics são favoritos ao título. Já Nets e Mavericks lutam para não acabar a temporada nas lanternas de suas conferências. Por fim, o Heat está beirando os 50% de aproveitamento na temporada. Ou seja, não parece haver correlação entre arremessar muito e ter resultado. O mesmo, por incrível que pareça, vale também para o ACERTO de bolas de longe. Entre os times com melhor aproveitamento temos os ótimos Golden State Warriors e Cleveland Cavaliers, mas também os péssimos Sacramento Kings e Atlanta Hawks, e tudo ao lado dos meio-de-tabela New Orleans Pelicans e Indiana Pacers.
A conclusão a se tomar disso tudo é até meio óbvia, mas as discussões intermináveis indicam que é preciso sempre relembrar: não existe só um jeito de jogar basquete e não existe fórmula infalível para vencer. Hoje é difícil ganhar sem arremessos de longe, mas estão aí Minnesota Timberwolves e San Antonio Spurs indo muito bem na atual temporada arremessando bem menos que a média. Ou até a Austrália e a Sérvia com sucesso no basquete internacional sem depender disso. Simplesmente abdicar desse tipo de arremesso é loucura, mas também não é preciso ser obcecado. E o pior? Não parece que somos! A seleção brasileira e os times do NBB tem inúmeros problemas, mas a quantidade de tiros de longe não é um deles.
Apesar da chamada da entrevista ser pelos arremessos de longe, lá no meio do papo tem uma outra crítica de Petrovic ao basquete nacional que parece ser muito mais relevante:
“O Brasil é unidimensional. Todo mundo quer jogar de frente para a tabela, ter a bola em suas mãos e chutar de três. Dessa maneira não se ganha nada. A verdade é que ninguém mete 20 bolas de três todos os jogos. Quero trabalhar isso, mas é muito importante falar todos os dias.”
Tem um pedaço aí onde o croata acerta em cheio: o jogo brasileiro parece mesmo unidimensional e é impressionante como a maioria dos jogadores, de todas as posições, só consegue produzir com a bola na mão e se estiver de frente para a cesta. Faltam mais bons passadores, mais especialistas em se mexer sem a bola, caras que fazem corta-luzes precisos e até caras capazes de criar (sejam passes ou cestas) atuando de costas para a cesta– e nem precisam ser pivôs para isso.
Na NBA vemos um dilema parecido com o Houston Rockets. Quando eles perdem, especialmente nos Playoffs, sempre aparece alguém para dizer que não dá para só confiar nas bolas de 3 pontos e esperar vencer. Mas a real é que o problema está mais embaixo: nos seus piores momentos o Rockets peca por pouca movimentação de bola, jogadores estagnados e lentidão na saída para o ataque. Tudo isso resulta em PIORES arremessos, mas o problema está na criação, nem tanto na distância dos chutes. E confiar APENAS nos arremessos não é a melhor ideia, mas também não é boa ideia confiar só no seu pivô ou só nas infiltrações. Os melhores times do mundo têm um arsenal ofensivo variado.
Vejo bastante no NBB algumas boas jogadas desenhadas pelos técnicos quebrarem no meio porque algum jogador segura demais a bola na mão, porque metade do time se mexe em câmera lenta quando está sem a bola ou porque algum corta-luz que deveria deixar um jogador livre não funciona. Petrovic até alerta que o jogo aqui “é físico e intenso, mas não conforme as regras.” Acertou em cheio. Muitas vezes compensa-se falta de técnica e precisão com vontade afobada. A crítica só me deixa uma pulga atrás da orelha quando ele diz “por que insistir nas bolas de três se é possível vencer com arremessos de dois?”. Chutar de dois pontos não vai melhorar qualquer item da lista de defeitos citada aqui.
O basquete brasileiro não precisa sempre olhar para a NBA, mas é bom não ignorar. O basquete americano passou por toda essa discussão nos últimos anos e percebeu que se as bolas de 3 pontos são mesmo o futuro e todos vão chutá-las, é preciso investir em especialistas do setor e na criatividade para criar as melhores e mais livres oportunidades de arremesso possíveis. Será que não é a hora de mais “shooting coaches” aparecerem por aqui? Poucos times tem armadores ou alas que sabem atacar o garrafão, quebrar a defesa e achar bons passes daí. E quando teremos melhores passadores –em precisão e também em criatividade– que não são sejam só os armadores clássicos de sempre? Não só esses são problemas mais urgentes, estes são os problemas reais.