Kawhi Leonard sob controle

A aguardadíssima Free Agency de 2019 se resolveu em um punhado de horas. A partir das 18h do dia 30 de junho, uma avalanche de notícias já cravavam os futuros destinos de Kyrie Irving, Kevin Durant, Al Horford, Kemba Walker, Jimmy Butler e DÚZIAS E DÚZIAS de outros jogadores. Um outro nome, porém, resolveu esperar.

A decisão de Kawhi Leonard era uma das mais aguardadas e conseguia ser ao mesmo tempo misteriosa e previsível. Por um lado sabíamos que ele só cogitava ir para Los Angeles Lakers, Los Angeles Clippers ou ficar no campeão Toronto Raptors, mas por outro não havia qualquer vazamento de informação sobre quem era o favorito no trio, quais eram as exigências do jogador e como cada encontro tinha sido conduzido. A equipe do ala pediu sigilo absoluto e todos cumpriram. Nada vazou até o anúncio oficial.

Quando já se iam seis dias e Kawhi Leonard ainda não havia anunciado seu destino, a internet se dividiu em diferentes especulações para entender a demora. Alguns viam apenas como paciência: ele acabou de ser campeão da NBA, MVP da Final e pode simplesmente ter decidido seguir as regras oficiais da liga e negociar de verdade só a partir do começo do mês, de pouco em pouco, sem pressa. Uma segunda teoria era a da demonstração de força: para essa vertente Kawhi Leonard estava apenas brincando com o resto da liga e deixando eles perceberem que sua decisão iria definir o sucesso e o fracasso das outras franquias.

Havia também uma terceira possibilidade: Kawhi estava esperando alguma coisa. Quem apostou nessa acertou em cheio. No meio da madrugada chegou a bomba de que ele havia ido para o LA Clippers e que o time tinha também trocado por Paul George. O anúncio simultâneo já dedurava que uma coisa só aconteceu por causa da outra.

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Segundo a imprensa americana, Kawhi Leonard havia tido uma boa reunião com a turma do Clippers na casa do técnico Doc Rivers em Malibu. Além do host, estavam presentes o General Manager Michael Winger, o presidente de operações Lawrence Frank e o dono do time, o bilionário ex-Microsoft Steve Ballmer. De acordo com relato do The Athletic, o plano de Doc Rivers foi tratar o jogador da maneira com que eles imaginavam que ele queria ser tratado: nada de promessas de glamour, luxos, camisa aposentada ou a chance de acordos comerciais milionários na cidade. O objetivo era mostrar que o time era trabalhador, competente, organizado nos bastidores e pronto para se tornar um favorito assim que ele pisasse em quadra.

Ouvindo o jogador depois de sua apresentação podemos ver que a competência da franquia era parte importante, mas não tudo o que ele buscava em seu novo contrato . O ala queria a chance de seguir brigando por títulos, queria uma organização na qual ele pudesse confiar -algo que ganhou importância especial após o fracasso do seu fim de relacionamento com o San Antonio Spurs– e que de preferência ficasse na Califórnia, próximo da sua família.

O Los Angeles Lakers tinha o lugar certo, mas muitas incertezas. Desde a morte do antigo dono Jerry Buss e das trocas fracassadas (de maneiras diferentes) por Chris Paul e Dwight Howard, o Lakers vive uma sequência de desgraças dentro e fora das quadras. As chegadas de LeBron James e agora Anthony Davis indicam que o time pode finalmente sair do buraco, mas se isso acontecer será mais pela força maior do talento bruto dentro de quadra do que por qualquer planejamento ou estrutura interna. Possível, mas não o bastante para Kawhi Leonard.

O Toronto Raptors é conhecido por ser um time organizado e formado por ótimos profissionais em diferentes áreas da franquia. O elenco é bom, entrosado e eles ganharam o título da NBA há pouco mais de um mês. É o bastante? Não muito. Kyle Lowry ainda é ótimo, mas com menos capacidade de carregar o time nas costas do que quando era mais novo; Marc Gasol também não é mais a sua melhor versão, assim como Serge Ibaka. Todos ótimos, mas depois do auge. A exceção é Pascal Siakam, excelente e muito promissor mas que aqui peca pelo outro lado: é jovem demais. Mescla jogos incríveis com outros mais apagados como todo bom pirralho. Nem sabemos ainda ao certo até onde ele pode chegar nos próximos anos.

Mas o mais decisivo talvez seja mesmo o fato de que Toronto seja muito longe da Califórnia. Em entrevista ao repórter Chris Haynes, Kawhi falou que antes de tudo a mudança foi pela sua família:

“Nada contra Toronto, eu apenas queria jogar em casa. Queria isso antes de ser trocado para lá e depois, quando fui para o Canadá, óbvio que meu objetivo era fazer história e ganhar um título para eles. Sinto que fiz meu trabalho por lá e que agora deveria poder escolher onde jogar. Só queria jogar em casa. Estou na NBA já há oito anos. Oito anos passam voando e não conseguimos fazer nada com nossos familiares por oito ou nove meses do ano durante a temporada.”

Essa primeira parte responde um pouco daquela especulação que tínhamos durante os Playoffs sobre como o resultado do Raptors iria influenciar a decisão do jogador. A teoria certa, no fim das contas, era a de que um título ia dar a Kawhi a sensação de missão cumprida e a tranquilidade de seguir em frente mesmo depois de ter sido mais que bem tratado no Canadá. Ele prossegue:

“Aí chega o verão e você tem três meses para ver sua família, treinar e fazer suas outras obrigações contratuais. Não há tempo de verdade para ficar com os familiares. E eu amo minha família. Nos últimos cinco ou seis anos, eu volto para casa para ver minhas sobrinhas e sobrinhos e eles estão falando, jogando, arremessando e eu fico ‘pô, eu sinto falta disso. Vocês já aprenderam a falar? Já está fazendo isso? Onde eu estive esse tempo todo?’. Parece que eu fiquei numa matrix”.

E para um momento onde falamos tanto sobre jogadores preocupados com o tal do LEGADO de suas carreiras, Kawhi disse que essa foi uma “decisão familiar mais que uma decisão de basquete” e que “o esporte vai continuar depois que eu parar. Enquanto estamos aqui temos só que ter certeza que compartilhamos isso com quem a gente ama e essa é uma das principais razões pelas quais a que eu vim para o Clippers”.

É legal que essas palavras venham da boca de um jogador que tão raramente dá entrevistas e que nem sempre se abre quando decide falar. Justamente o jogador mais “robô” que conhecemos é o cara que toma uma das decisões mais importantes da carreira pensando nos sobrinhos fofos. Volta e meia precisamos lembrar que esses caras não são personagens da TV, mas pessoas normais com desejos comuns a qualquer outro. Quantas pessoas não saíram da sua cidade ou até país natal para trabalhar e depois de alguns anos decidiram voltar para ficar perto da família? Até imagino que muitos atletas passem por isso, mas aqui há uma diferença entre Kawhi Leonard e o resto da NBA: poder.

Companheiro de Kawhi Leonard no título do Toronto Raptors, Jeremy Lin chorou ao falar sobre sua carreira nas últimas semanas. “A NBA desistiu de mim” ele disse: sem contrato, com algumas lesões sérias no passado e depois de uma temporada discreta, pode ser o fim da sua trajetória na liga. Não importa se ele quer ficar perto da família, morar numa cidade grande ou se odeia lugares frios. Se alguém oferecer um contrato em qualquer time, ele tem que ir. É o oposto de Kawhi Leonard, que pode ter o luxo de tomar uma decisão de prioridade familiar justamente porque está no auge da carreira no basquete. Mas, esperto, ele faz com que o lado basquetebolístico da decisão se adaptasse à prioridade familiar.

Por mais que Kawhi Leonard visse o LA Clippers como a melhor opção, ele não aceitou ir para lá de cara. Ele fez jogo duro, demorou para anunciar a escolha e indicou que era importante brigar por títulos e que para isso ele via como essencial ter um outro parceiro All-Star. Segundo a ESPN, ele até ligou para Kevin Durant e perguntou para ele sobre a chance de uma parceria no Clippers. O The Athletic conta que o Clippers entendeu o recado e que foi NBA afora tentar descobrir que grande estrela poderia estar disponível via troca. Alguns contam que eles chegaram a Paul George antes de Kawhi Leonard, outros que o ala sondou o futuro parceiro e que logo depois George pediu uma troca ao Oklahoma City Thunder.

Essa foi a jogada de mestre de Leonard: ele percebeu o seu poder, entendeu que diversos times iriam esperar por ele e assim orquestrou todos os fatores. Ele queria vencer, queria fazer parte de uma franquia que pudesse confiar e queria ficar perto da família. Quem poderia oferecer tudo isso era o LA Clippers e ele só anunciou que iria para lá quando teve certeza que teria tudo na mão. E o mais legal é que mesmo tendo tudo o que queria, Kawhi não aceitou o contrato mais longo que poderia. Ao invés de quatro anos de Clippers, ele fez o chamado contrato de 2+1 anos. São dois anos garantidos e uma opção dele de ficar ou não para uma terceira e última temporada dependendo do seu desejo.

A ideia do jogador é ter mais controle sobre a própria carreira. Ele pode pular fora do barco em apenas dois anos caso sinta que as coisas não aconteceram como planejado e ainda fica com seu contrato na mesma duração do de Paul George, não sendo obrigado a sobrar sozinho caso o parceiro não renove. Essa é a terceira vez consecutiva que Kawhi Leonard abre mão de muito dinheiro para ter mais controle sobre a própria vida. Ele recusou o contrato “Super Máximo” que o San Antonio Spurs lhe ofereceu na há um ano, antes da troca, depois ele abriu mão do contrato de cinco anos de duração que poderia receber do Toronto Raptors em uma renovação e agora aceitou um contrato mais curto com o Clippers.

A imagem vendida ao longo dos anos pode ter sido a de um “por mim tanto faz”, mas Kawhi Leonard se tornou um dos grandes exemplos de como os jogadores da NBA, ou pelo menos a elite da liga, está com total controle de suas carreiras.

Torcedor do Lakers e defensor de 87,4% das estatísticas.

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