O Draft de 2019 aconteceu em JUNHO? Sim. Estamos em SETEMBRO? Sim também. Mas nossos assinantes organizaram um motim, picharam muros, sequestraram embaixadores e falaram que é obrigação moral do Bola Presa soltar a sua análise anual dos novatos selecionados no Draft da NBA. A violência funcionou e aqui estamos.
O Bola Presa começou em 2007 e nossa primeira atitude foi analisar o Draft daquele ano. Na ocasião demos NOTAS para o que os times fizeram. Nos anos seguintes inventamos de ser criativos e ao invés de números, criamos SELOS DE QUALIDADE para julgar o desempenho de cada franquia. Já tivemos selos baseados em redes sociais, memes de internet, manifestações políticas, a carreira de Michael Jackson, Game of Thrones e outras ideias que conseguiram ser ainda menos brilhantes. Nos Drafts de 2010, 2014 e 2018 fizemos selos inspirados na Copa do Mundo, sendo o do ano passado focado em MASCOTES.
A ideia dos selos é transformar em algo cômico uma coisa que é ao mesmo SÉRIA e IMPOSSÍVEL. O Draft da NBA define o futuro, a década, de muitas franquias. Como seria o mundo se o Minnesota Timberwolves tivesse selecionado Steph Curry a frente do Golden State Warriors em 2009? Mas não é como se essas decisões fossem claramente inteligentes ou péssimas na hora, nós sempre estamos fazendo um exercício de futurologia que nem os General Managers, olheiros e técnicos mais experientes conseguem resolver. Caras que pareciam excelentes antes não lidam bem com a NBA enquanto outros mais discretos estouram tardiamente ao chegar entre os profissionais.
Essa imprevisibilidade, somada ao fato de que no Bola Presa não dedicamos o máximo do nosso tempo ao basquete universitário me fez deixar a Análise do Draft de lado neste ano. Os pedidos dos nossos assinantes, porém, me fizeram ver um outro lado: a questão não é acertar previsões (não sou General Manager nem tenho o salário deles), mas apresentar ao nosso público esses novos personagens que farão parte do Bola Presa pelos próximos muitos anos. É hora de contar suas histórias, falar um pouco do seu estilo de jogo pré-NBA e descobrir a opinião de olheiros e especialistas sobre eles no momento do Draft. Nesta edição até podemos falar sobre o desempenho deles na Summer League, um lado bom do atraso.
Ao conversar com um amigo/assinante sobre esse tema, ele me mandou uma frase ANTI-COACH: “É só questão de tempo para tudo dar errado”. Isso vale para o Draft da NBA, todo time escolhe errado eventualmente e toda análise, no meio dos altos e baixos da carreira, vai parecer um desastre eventualmente. Por isso os SELOS DE QUALIDADE desta edição serão inspirados neste tema que tanto já tomou conta de nossos podcasts, os Kobe Bryants e Tites da vida, os palestrantes que sequestraram a palavra “coach” do léxico do nosso grande esporte para transformar em autoajuda quântica motivacional.
SELOS DE COACH PALESTRANTE
SELO BILIONÁRIO – Você já ganhou todo o dinheiro do mundo e as pessoas te escutam porque acham que sobrou alguma migalha para elas. Selo para os times que fracassaram muito e aprenderam a maior lição da vida: ganhar na loteria apaga todos os seus erros. Bem vindo, Zion Williamson.
SELO ESCADARIA – A NBA já nos ensinou que uma mera boa escolha de Draft não resolve todos seus problemas, John Wall e Bradley Beal estão aí para mostrar que até acertar duas vezes seguidas pode não salvar uma franquia. Mas que isso não apague a importância de agir bem ao selecionar um novato e dar um passo a mais na perigosa escadaria da construção de times. Selo para quem fez bem sua parte.
SELO INFINITA HIGHWAY – Selo para matar os que sofrem de ansiedade. A estrada nunca termina, a construção do time não tem fim, a busca por aquele time que finalmente vai tirar a franquia do meio do caminho é infinita. Selo para continuam perseguindo a cenoura.
SELO PÂNICO – Se estou perdido? Não, estou PIVOTANDO MINHA STARTUP. Mudar de planos antes do projeto original se concretizar pode ser sinal de confusão, de reconhecimento de erros ou de falta de comando. Selo para os times que estão trocando o lugar para onde querem ir e nos deixando confusos com suas decisões.
SELO MAMBA MENTALITY – A pessoa que mais tem chance de morrer atacado por um urso é aquela que acha que pode derrotar o urso. Selo para os times que, confiantes, estão pulando no abismo enquanto pensam mergulhar numa piscina de bolinhas.
Desde LeBron James ninguém chega na NBA tão FAMOSO quanto Zion Williamson. Outros jogadores chegaram com altíssimas expectativas em relação a seu talento, como Greg Oden, Kevin Durant e Anthony Davis, mas nenhum deles se iguala à popularidade da nova estrela do New Orleans Pelicans. Ele ficou muito conhecido ainda estava no ensino médio, quando suas enterradas alucinantes e seu tamanho descomunal rendiam alguns dos vídeos de melhores momentos mais divertidos da internet. A questão, porém, era como ele iria jogar quando finalmente deixasse de enfrentar caras com a metade do seu tamanho e um terço do peso.
Quando a temporada universitária começou, muitos sites especializados em Draft colocavam RJ Barrett, parceiro de Zion em Duke, como provável primeira escolha do Draft 2019, mas bastou meia dúzia de jogos para o planeta inteiro mudar de opinião. O time recheado de estrelas liderados por Coach K não dominou como era esperado, mas Zion conseguiu mostrar uma evolução assustadora: ele continuava muito mais forte e atlético que todos a sua volta, mas também provou que conseguia arremessar de média e longa distância, driblou de maneira incomum para sua posição e até sua visão de jogo pegou o mundo de surpresa. A combinação de um físico único, com talento gigante e capacidade de crescer, aprender e se adaptar rapidamente é basicamente a receita de alguém que pode mudar o mundo da NBA.
É um jogador assim que você sempre procura quando está montando um time e foi sua presença que fez o Pelicans finalmente se sentir confortável em trocar Anthony Davis, o outro talento geracional que a franquia teve em mãos e não soube aproveitar. Franquias demoram décadas para ter caras assim na mão. O Pelicans terá dois em sequência e a obrigação de finalmente colher frutos. Muito mais carismático e com mais jogadas de efeito que o Monocelha, Zion Williamson talvez seja o cara que faça finalmente a cidade de New Orleans se importar com basquete.
Dentro de quadra muita gente ainda tem algumas dúvidas sobre como o técnico Alvin Gentry deveria usar Zion. Ele já chega na NBA como o segundo jogador mais PESADO da liga, atrás apenas do gigante Boban Marjanovic, algo bizarro já que atletas universitários geralmente chegam magrelos e precisando GANHAR ao menos massa muscular para jogar entre os profissionais. Com esse peso ele deveria jogar mais perto da cesta e tirar proveito do físico? E se atuar mais no perímetro, para atacar a cesta com suas passadas de mamute, como espaçar a quadra com um elenco tão fraco de arremessadores com Jrue Holiday, Lonzo Ball e Brandon Ingram? A chegada de JJ Redick ajuda, mas não resolve tudo. Ele consegue proteger o garrafão e o aro se acabar jogando como um pivô mais baixo? Seu talento é vasto, mas ainda diferente demais para cravar respostas. Daqui uns anos podemos ver ele como uma versão mais refinada ofensivamente de Draymond Green, ou um LeBron James mais pesado ou ainda um pivô-unicórnio à lá Karl-Anthony Towns. Provavelmente seu ano inicial será de testes, ele deve ser colocado em muitas caixinhas e irá destruí-las até descobrir sua função principal.
Não podemos esquecer também do lado físico que o Danilo sempre relembra no nosso podcast: a NBA nunca viu um cara como Zion Williamson. Poucos são tão pesados e os que são não costumam correr e saltar como ele. O que não falta na história da liga são aberrações físicas, como Bill Walton, Blake Griffin ou Yao Ming, que passam a vida lidando com diversos tipos de lesões. O New Orleans Pelicans precisa descobrir o que é preciso fazer para que sua explosão e força se mantenham como seu diferencial sem que ele se lesione com frequência. Só é preciso lembrar que as questões tática e física não são necessariamente um problema, são dúvidas que nascem do fato de Zion ser um jogador tão único. É driblar isso e ele pode se tornar um dos rostos do basquete no mundo na próxima década.
Novo General Manager do time, David Griffin (campeão com o Cleveland Cavaliers em 2016) não sossegou no dia do Draft. Pegou a quarta escolha na seleção de novatos, que veio do LA Lakers na troca de Anthony Davis, e mandou para o Atlanta Hawks em troca das escolhas 8, 17 e 35. No processo ainda conseguiu se livrar do pesado contrato de Solomon Hill, um dos maiores erros da gestão anterior.
O primeiro escolhido foi o pivô Jaxon Hayes, grandalhão que o Pelicans diz achar que a princípio é o parceiro ideal para Zion no garrafão. A ideia é deixar Hayes mais perto da cesta distribuindo tocos enquanto Zion pode atuar mais como homem da ajuda, patrulhando diversos pontos da quadra. Ambos são rápidos e atléticos, dá pra imaginar que no mundo ideal eles podem funcionar naquele esquema pressão total que o OKC Thunder fez durante tanto tempo na época de Serge Ibaka e Kevin Durant. No ataque é preciso ver como ele não entope o garrafão que precisa de espaço para as infiltrações de Ingram, Zion e Jrue, porém.
Filho de um ex-jogador da NFL, Hayes é mais uma daquelas histórias raras e esquisitas de jogadores que não eram ninguém até os últimos momentos da carreira escolar e que de repente tem um ano mágico na universidade e quando vão ver se tornam escolha Top 10 no Draft da NBA. Seu físico é ideal para os pivôs atuais no modelo Clint Capela-DeAndre Jordan-Jarrett Allen de jogar, mas vai precisar maneirar nas faltas e acertar o timing dos tocos para se estabelecer.
O Pelicans também selecionou o ala-armador Nickeil Alexander-Walker, um importante arremessador para esse elenco. Em Virginia Tech ele recebeu elogios por saber pontuar também atacando a cesta, mas no Pelicans provavelmente ele vai ser mais exigido na área de chutes de longe. Com Lonzo Ball, Jrue Holiday, JJ Redick e Josh Hart no elenco é possível que demore até que ele ganhe tempo de quadra. Foi um bom sinal, porém, ver que ele entrou no quinteto ideal da Summer League de Las Vegas em Julho.
Por fim, o Pelicans surpreendeu e agradou nós brasileiros ao selecionar Didi, que disputou o último NBB por Franca. O brasileiro é outro que joga na posição 2, tem bom (não ótimo) arremesso de longa distância, muita velocidade e sabe colocar a bola no chão, embora ainda peque um bocado na hora de terminar as difíceis bandejas que cria. Em um elenco pesado na sua posição, dificilmente teria chance de jogar, então Pelicans então mandou o brasileiro para o Sydney Kings, da liga AUSTRALIANA, onde ele já começou a jogar imediatamente depois de uma boa (mas não ótima, de novo) Copa do Mundo pelo Brasil:
The rook can play. @didi
Didi finished with 29 pts, 8/11 3pt, 4 reb, 3 ast on 10/16 FG.
Check out all of the best bits from today's 32 point win over the Wildcats. @PelicansNBA #NBLBlitz pic.twitter.com/OgTO05EgVV
— Sydney Kings (@SydneyKings) September 22, 2019
Não há nenhum problema grande no jogo de Didi, mas ele precisa se destacar em ao menos alguma coisa nos próximos anos para ganhar espaço na NBA. Se sua excelente velocidade lateral se transformar em defesa acima da média ou se o arremesso ganhar mais consistência ele chamará a atenção. O New Orleans Pelicans gosta dele, mas há muita concorrência no elenco de hoje e muitas escolhas de Draft futuras que podem virar sombras para o brasileiro.
Depois de trocar Marc Gasol e Mike Conley, o Memphis Grizzlies está oficialmente recomeçando lá de baixo. Mas nada melhor do que dar esse primeiro passo com um jogador que parece confortável na posição. Ja Morant não é só um armador que adora ter a bola em mãos, mas é daqueles caras que parecem jogar sem medo, com confiança, sempre sabendo o que faz em quadra mesmo quando na verdade nem sabe tanto assim. Muita gente o comparar a De’Aaron Fox por causa da velocidade, mas na verdade os dois parecem ter em comum a liderança. Começar a carreira em um time tão jovem pode ajudar Morant a já exercitar esse seu lado.
Como o citado Jaxon Hayes acima, Ja Morant é um caso de desenvolvimento tardio e veloz. Ele não entrou em nenhum ranking de melhores jogadores de ensino médio e acabou conseguindo bolsa somente na nem tão conhecida Murray State University, mas em dois anos brilhantes por lá conseguiu pular de desconhecido dos olheiros a segundo nome mais cotado do Draft. E por falar em nome, o que diabos é JA? É o apelido de Temetrius Jamel Morant. Tá valendo! No dia do Draft chamou a atenção o choro na hora da entrevista de Ja ao lado do pai, Tee Morant. O paizão atuou ao lado de Ray Allen na escola, jogou basquete universitário e acabou tendo uma carreira curta no exterior, mas eventualmente voltou aos EUA onde se tornou barbeiro. Apaixonado por basquete, ele foi o responsável por treinar o filho em drills longos e pesados de dribles, arremessos, CARREGAR PNEUS e afins.
Em quadra ele se distancia um pouco de Fox pelo tamanho. Quando ele infiltra é para buscar faltas ou a enterrada da noite, é o tipo de armador que segue a escola Russell Westbrook de atacar primeiro e achar os espaços depois. É bom sinal que ele já chegue para jogar ao lado de Jaren Jackson Jr., ala-pivô que fez ótima temporada de calouro e que se destaca justamente por ser um jogador de garrafão que pode espaçar a quadra com arremessos (feios, é verdade) de média ou longa distância. Até ele se machucar e Trae Young pegar fogo, JJJ era considerado o segundo melhor novato do último ano atrás apenas de Luka Doncic. Se Ja Morant fizer jus à posição em que foi escolhido o Grizzlies pode dar um pontapé veloz nessa reconstrução ao lado dele. A expectativa é alta e a confiança também: Conley foi trocado porque Morant era a resposta imediata para substituir o cara que foi a cara da franquia nos últimos dez anos.
Ainda na primeira rodada do Memphis Grizzlies fez uma troca para subir algumas posições e fisgar Brandon Clarke. Sabe aquele cara que todo comentarista e olheiro gosta mas os times deixam passar? Neste Draft foi Brandon Clarke. Ele foi passando, passando e Zach Kleiman, novo (MESMO, só tem 30 anos de idade) responsável pelas decisões do Grizzlies resolveu chamar o menino. Clarke jogou ao lado de Rui Hachimura, selecionado na nona posição pelo Washington Wizards, em Gonzaga e às vezes brilhou até mais que o colega famoso. Podendo jogar tanto na posição 4 como 5, pode ser o parceiro ideal para Jaren Jackson Jr. no longo prazo. Já foi um ótimo começo ver que Clarke foi eleito o MVP da Summer League de Las Vegas deste ano com médias de 14,6 pontos, 8,6 rebotes e 1,6 toco em apenas 24 minutos de quadra. Ele deve ser reserva do ainda relativamente jovem Jonas Valanciunas na rotação do Grizzlies, mas deve ter chance de jogar bastante desde já.
Parece perseguição quando ficamos batendo no NY Knicks, mas a verdade é que não sou o maior fã de RJ Barrett. Até acho que o time está num caminho honesto e que não assinar Kyrie Irving e Kevin Durant não foi uma derrota tão pesada assim, já que o time tem bons jovens e algumas apostas empolgantes, mas não sei se é Barrett que vai fazer a franquia finalmente dar o salto que precisa para frente.
Durante seu ano em Duke, RJ Barrett foi muito criticado por não jogar bem ao lado de Zion Williamson e por exagerar nas jogadas individuais mesmo com um elenco estelar ao lado. Curiosamente seus melhores jogos foi quando Zion estava machucado, quando o ala canadense teve média de 26 pontos e 5 assistências. O time que viveu a glória e a desgraça de Carmelo Anthony deveria saber das dificuldades de montar um time em volta desses caras que são pontuadores natos mas que exigem muito a bola, nem sempre são eficientes e tem dificuldade de jogar ao lado de outros protagonistas. Há um outro lado, porém: às vezes jogadores parecem menos eficientes no basquete universitário e aí deslancham na NBA quando veem um jogo mais veloz, mais aberto a infiltrações e com muitas opções de passe para arremessadores de longa distância. Veremos.
Na segunda rodada o NY Knicks achou Ignas Brazdeikas, filho de lituanos mas que também tem cidadania canadense. A coisa mais legal de Brazdeikas é que ele é destro para tudo na vida, menos para arremessar bolas de basquete. Bom chutador, ele chegou a ter um jogo de mais de 30 pontos na Summer League de Las Vegas, mas na Universidade de Michigan chamava mais a atenção pelo jogo físico, pelas trombadas no garrafão e as infiltrações que achava na marra mesmo não sendo o cara mais atlético do mundo. Era um prato cheio para comparações com seu pai, Sigitas Brazdeikis, que era LUTADOR DE MMA na Lituânia. Parece um bom achado para um time que precisa de bons achados para acelerar a saída do buraco.
NA SEGUNDA PARTE DA ANÁLISE DO DRAFT: Atlanta Hawks, Cleveland Cavaliers, Phoenix Suns, Chicago Bulls e Washington Wizards.