A ótima troca que ninguém queria

Pode existir uma ÓTIMA troca entre dois grandes times, envolvendo dois excelentes jogadores, onde TODOS saem com cara feia, um pé atrás e a sensação amarga de “vamos só ver onde isso vai dar”? Não só pode como acabou de acontecer: o San Antonio Spurs encerrou a novela mais esquisita em que já se meteu e enviou Kawhi Leonard e Danny Green para o Toronto Raptors em troca de DeMar DeRozan, Jakob Poetl e uma escolha de Draft de 1ª rodada de 2019. A escolha é protegida, irá para o Spurs apenas se acabar da posição 21 a 30, se ficar da posição 1 a 19, fica com o Raptors, que em compensação manda DUAS escolhas de 2ª rodada nos anos seguintes.

Nós ficamos sabendo que a troca estava próxima de ocorrer nos últimos dias, quando o papo de que o Raptors estava perto de adquirir Kawhi ganharam ganharam confirmação de pessoas próximas aos times. A certeza veio na manhã desta quarta-feira (18) quando DeMar DeRozan postou no seu Instagram que “não existe lealdade neste jogo” e que “em breve vocês vão entender”:

A essa altura do campeonato DeRozan já deveria saber todo o papo do “isso é um negócio” e não ficar surpreso com a troca, mas a gente sempre acha que com a gente é diferente, né? Ele foi cortejado pelo General Manager Masai Ujiri quando assinou sua cara e longa renovação de contrato e, segundo alguns jornalistas, até ouviu do próprio GM na semana passada de que não seria negociado. Irônico que isso aconteça justo com a primeira grande estrela formada em Toronto que não decidiu PULAR FORA da franquia na primeira oportunidade: Tracy McGrady foi buscar protagonismo no Orlando Magic, Vince Carter criou o caos dentro da franquia para forçar uma troca para o New Jersey Nets e Chris Bosh cansou de perder na primeira rodada e partiu com seus amigos para o Miami Heat. DeRozan, por outro lado, se juntou a Kyle Lowry para a primeira geração de jogadores americanos que abraçaram o time canadense e falaram para o mundo o quanto era bom jogar por lá.

A entrevista que DeRozan deu ao reassinar com o Raptors em 2016 soa constrangedora hoje:

Do outro lado a coisa não fica mais bonita. Depois de ficar PUTO com Gregg Popovich, Tony Parker e todo o San Antonio Spurs, Kawhi Leonard resolveu usar sua posição para forçar uma troca para o Los Angeles Lakers. Entrando agora em seu último ano de contrato, ele fez questão que seu agente falasse para todos os times que não trocassem por ele, porque ele iria embora para a Califórnia daqui um ano, ao fim do seu contrato. A ameaça até pode ter amedrontado alguns, mas não o Toronto Raptors. Kawhi não queria ir para lá, mas agora é OBRIGADO. Para evitar multas e sanções mais pesadas, só poderia se afastar se enviar para a NBA documentos e exames independentes que provem que ainda está machucado. Seria um desastre.

Na onda da insatisfação, chegamos aos times. O San Antonio Spurs está se mexendo por pura falta de opção, não por vontade. O Plano A era consertar a relação com Kawhi Leonard e ter de volta um dos melhores jogadores do planeta na próxima temporada. Qualquer outra coisa era uma versão piorada desse plano. E até o Toronto Raptors, único claro vencedor dessa negociação, nem pode celebrar muito sem pensar nos riscos: Kawhi Leonard está mesmo recuperado? O que a apaixonada torcida vai achar quando perceberem que o grande nome da HISTÓRIA do time foi negociado por um aluguel de um ano por um cara que nem quer ir pra lá?

Minha parte favorita dessa situação desconfortável toda é o Spurs usando letras miúdas (e menores que as de Danny Green) para mandar um “obrigado” para o MVP das Finais de 2014:

Só que é claro que os times não se meteram nessa à toa, né? Existem lados bons que fizeram a troca sair do papel e alcançar a realidade. Então bora entender o que cada franquia pretende com o negócio:

O San Antonio Spurs simplesmente admitiu o que todo mundo já suspeitava: as idas e vindas sobre a lesão de Kawhi criaram uma situação insustentável. Não existia mais confiança nem clima com o resto do grupo para um retorno, então o negócio era trocar mesmo. O que a decisão de pegar DeRozan indica é que o time, ao contrário do que todos nós pensávamos, não está afim de uma renovação, mas de seguir entre os melhores do Oeste.

Até aqui as principais especulações de troca envolviam sempre jovens jogadores: era o Boston Celtics mandando Jaylen Brown, o Philadelphia 76ers com Dario Saric e Markelle Fultz ou o LA Lakers com um pacote centrado em Brandon Ingram. Nenhum falava de pegar um jogador com os 28 anos e três anos de contrato caro como DeRozan. A decisão faz sentido se a gente pensar que o Spurs tem muitos veteranos sem qualquer paciência em uma reconstrução lenta em torno de um pirralho. Comecemos com o próprio técnico Gregg Popovich, o mais velho da NBA e que, dizem, planeja se aposentar daqui duas temporadas; também temos no elenco LaMarcus Aldridge e seus 32 anos, Patty Mills batendo nos 30 e, claro, os veteraníssimos Pau Gasol (38 anos) e Manu Ginóbili (terá 41 na próxima temporada), que provavelmente iriam preferir ir pra casa pescar do que ficar num time sem ambição imediata.

Se a ideia é dar a esse grupo mais uns dois anos de Playoffs, nada melhor do que pegar um jogador no seu auge que acaba de vir da melhor temporada da sua vida e que pode jogar na mesma posição do cara que está saindo. Não podemos esquecer que apesar do final de temporada sofrido, o Spurs era o TERCEIRO MELHOR time do Oeste na temporada passada até perder LaMarcus Aldridge por lesão, mesmo sem Kawhi Leonard pisar em quadra. Esse é, portanto, um time forte que não perdeu ninguém (do último ano, que fique claro) e que adicionou um dos melhores jogadores do Leste. Não pode ser ruim, né?

A coisa mais curiosa do Novo Spurs é como eles ficam ainda mais distantes do time que encantou a NBA no título de 2014. A equipe dos passes velozes e das inúmeras bolas de 3 pontos não poderia ser mais diferente do elenco atual, que vai totalmente na contramão das tendências atuais. Um quinteto possível com Dejounte Murray, DeMar DeRozan, Rudy Gay, LaMarcus Aldridge e Pau Gasol não tem NENHUM especialista em 3 pontos ao mesmo tempo em que tem os dois mais prolíficos e eficientes arremessadores de MEIA DISTÂNCIA, DeRozan e Aldridge, em toda a liga. Claro que o time ainda tem Patty Mills, Bryn Forbes e trouxeram Marco Belinelli de volta, mas esses que manjam das bolas de longe não devem ser os que mais jogam no time. Também impressiona como o elenco tem bem menos bons passadores e criadores de jogadas do que a versão de quatro anos atrás.

O Spurs é uma franquia que investe pesado e há muito tempo na análise estatística e nas inovações táticas. O time foi um dos primeiros a perceber o valor das bolas de 3 pontos da zona morta (valem os mesmos três pontos e tem aproveitamento médio maior do que de tiros de outras posições) e de como espaçar a quadra para evitar a defesa do lado da bola que embolava infiltrações. O Spurs, não sem muito bater a cabeça, também foi o time que decidiu que dava pra ter um jogador atacando de costas para a cesta em pleno 2018: LaMarcus Aldridge foi o único cara da liga no ano passado a ser bom de verdade com um ataque baseado em post-ups. Visto esse histórico, não acho estranho que Gregg Popovich e sua equipe enxerguem que muitos times estão abrindo mão da defesa da meia distância e que isso faça valer a pena ter dois dos melhores da liga nessa função.

Com DeRozan eles também ganham algo que perderam quando Tony Parker deixou de ser AQUELE Tony Parker: alguém capaz de botar a bola debaixo do braço, entrar no garrafão adversário e tirar pontos DO NADA. Também ganham algo do antigo Manu Ginóbili, a habilidade de passar um jogo inteiro cavando faltas e conseguindo pontos fáceis na linha do lance-livre. Também é bom para o Spurs receber o jogador um ano depois dele ter sua melhor temporada em termos de passes e jogo coletivo. O que faz falta mesmo é a defesa, já que não só o Spurs perdeu Kawhi, mas também o ótimo Danny Green. Por mais que Dejounte Murray já seja um dos grandes defensores da NBA na atualidade, ele não tem tamanho para marcar caras mais altos como os antigos dois jogadores faziam, e DeRozan não resolve essa questão.

A chegada do pivô Jakob Poetl é o único toque de juventude na negociação. O austríaco é inteligente, bom defensor e acho que pode ser um bom parceiro para LaMarcus Aldridge no garrafão. Provavelmente estaríamos mais empolgados se o nome jovem envolvido fosse OG Anunoby ou Pascal Siakam, mas Poetl é melhor do que seus números indicam.

Para o Toronto Raptors, conseguir Kawhi Leonard é um grande TUDO-OU-NADA em nome de uma vaga na final da NBA. Ano passado foi o melhor da história da franquia, eles acabaram em primeiro lugar no Leste na temporada regular e daria pra argumentar que valeria a pena tentar de novo agora que LeBron James mudou de lado. Daria, mas a VARRIDA nos Playoffs parece ter pegado o time de jeito. A demissão do técnico Dwane Casey mostrou que eles queriam mudar alguma coisa e os jornalistas de lá dizem que o GM Masai Ujiri não acreditava que esse elenco poderia fazer mais do (muito) que já fez.

A decisão de não mudar o elenco era mais por falta de opção do que qualquer outra coisa. Simplesmente trocar Kyle Lowry por qualquer coisa iria quebrar a química do time, não aliviar totalmente a pesada folha salarial e dificilmente receberiam em troca alguém de muito mais renome. Aí, DE REPENTE, surge a chance de conseguir um dos melhores jogadores desta geração, um dos melhores defensores DE TODOS OS TEMPOS e que quase foi MVP há duas temporadas. Por que não?

O lado ruim é Kawhi Leonard ir embora para o Los Angeles Lakers daqui um ano, é verdade, mas talvez o próprio Raptors não acreditasse que daqui um ano eles teriam chance de brigar por muita coisa em 2020 com o elenco antigo. Se por um acaso eles convencem Kawhi a ficar, no maior estilo Paul George no OKC Thunder, o time tem um dos melhores jogadores do mundo. Se ele decidir sair, some isso ao fim do contrato de Danny Green e eles limpam TRINTA E UM MILHÕES de salário para começar a sua nova fase. Aí em 2020 acabam os contratos de Kyle Lowry, Serge Ibaka e Jonas Valanciunas e o time parte para onde achar melhor.

O que o Raptors fez, na prática, foi tentar ser um time ESPETACULAR neste ano ao invés de continuar sendo muito bom pelos próximos dois. Não dá pra dizer que não faz sentido. Só não é sem riscos, claro: não sabemos da saúde de Kawhi Leonard e nem o quanto sua vontade de não estar lá vai pesar sobre o seu jogo. Em geral eu não questionaria isso, mas esse é o cara que conseguiu criar confusão no SAN ANTONIO SPURS! E como será que vai ser o clima dentro do próprio vestiário, com um cara que não quer ir para lá tomando o lugar do melhor amigo da galera e dizendo que pretende ir embora dali uns meses. É pra ver se o profissionalismo fala mais alto que a torta de climão.

O bom para o Raptors é que tudo se resolve com boas atuações. Falei isso sobre Kyrie Irving tomando o lugar de Isaiah Thomas no Boston Celtics e falo isso sobre LeBron James ganhando os torcedores de Kobe Bryant no LA Lakers: basta um jogo de 40 PONTOS no primeiro mês de temporada e a galera já deixa o passado para trás, esporte é assim. Se Kawhi abraçar o presente e começar a temporada defendendo como um touro e fazendo seus quase 30 pontos por jogo, os companheiros veem a chance de ganhar o Leste, a torcida se dá conta de que tem um dos melhores da NBA nas mãos e tudo se acerta. É só ele querer e seu corpo aguentar, claro.

O que impressiona nesse Raptors é que na temporada passada eles acabaram como uma das cinco melhores defesas da temporada! É fácil esquecer isso depois que eles DERRETERAM na série contra o Cleveland Cavaliers, mas é um time muito bom em marcar e que acaba de adicionar Kawhi Leonard e Danny Green ao grupo. É pra assustar qualquer adversário no Leste! A perda de Poetl será sentida, mas nada que Siakam e Valanciunas, que fez seu melhor ano na NBA em 2017-18, não possam suprir. E será que agora eles decidem renovar com o Lucas Bebê? Tem espaço e sairia provavelmente pelo salário mínimo da liga.

O Toronto Raptors ainda conseguiu, de brinde, minimizar a chance da dar tudo errado. Com a proteção da escolha de Draft enviada no negócio, eles não correm o risco de perder a chance de selecionar um jovem jogador no ano que vem caso o plano desmorone. Se Kawhi Leonard se machuca e eles acabam, sei lá, em OITAVO, aí mantém a escolha e segue o jogo com menos prejuízos.

No fim das contas, essa troca foi uma boa saída para todos mesmo que eles não quisessem saída nenhuma. O San Antonio Spurs ganha um excelente jogador em seu auge para tentar tirar o melhor dos últimos bons anos de Gregg Popovich, LaMarcus Aldridge e para aposentar Manu Ginóbili com orgulho. Para DeRozan, se é pra ser tirado a força do time em que queria jogar, que seja para ir a um time forte e para ser treinado por um dos grandes técnicos de todos os tempos.

O Toronto Raptors ganha a chance de ser ÓTIMO e assume um risco calculado e até pequeno se a gente pensar que a formação antiga do time não iria muito mais longe do que já foi. Por fim, Kawhi Leonard ganha o frio de Toronto depois de pedir pelo sol da Califórnia, mas terá a chance de jogar em um time bom e organizado na conferência mais fraca da liga. Se ele quer um ano para mostrar serviço antes de ir ganhar fortuna em outro lugar (o que já era seu plano inicial de qualquer forma), está aí uma excelente oportunidade.

Torcedor do Lakers e defensor de 87,4% das estatísticas.

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