O Minnesota Timberwolves visitou o Detroit Pistons na noite desta segunda-feira e saiu de quadra com mais uma vitória, a sexta em dez jogos na temporada. O time chegou a abrir 19 pontos de frente, mas deixou os rivais encostarem no placar e precisou de cestas importantes no final da partida. Quem foi ao resgate? Andrew Wiggins. O ala marcou 14 dos seus 33 pontos no último período, incluindo a bola de 3 pontos que matou a partida nos minutos finais.
Andrew Wiggins comes through in the clutch once again draining the 3 off of KAT’s behind the back pass pic.twitter.com/w6n0Sq0HlB
— GoatWorldSports (@GoatWorldSport1) November 12, 2019
Não foi a primeira vez que isso aconteceu. Wiggins também marcou 11 pontos seguidos nos minutos decisivos de um jogo disputado contra o Miami Heat e foi o responsável por resolver a partida contra o Golden State Warriors ao fazer a bandeja que levou o jogo à prorrogação e a bola de 3 que acabou com as chances do adversário no tempo extra. Até na derrota contra o Denver Nuggets o ala foi o responsável por botar a bola debaixo do braço e fazer cestas importantes que fizeram o jogo ser decidido só no arremesso final de Nikola Jokic.
Não temos nem um mês de temporada 2019-20 mas a boa fase já parece consistente o bastante para nos perguntarmos: será que Andrew Wiggins voltou do mundo dos mortos para salvar o Minnesota Timberwolves e sua carreira?
A fraqnuia de Minneapolis mergulhou numa nova fase antes desta temporada da NBA. O time contratou Gersson Rosas, antigo braço direito de Daryl Morey no Houston Rockets, como novo General Manager e confirmou o jovem Ryan Saunders como técnico. O objetivo da dupla é complicado: simplesmente transformar uma das franquias mais fracassadas das últimas décadas, que só foi aos Playoffs uma única vez desde 2004, em algo capaz de brigar por títulos antes que Karl-Anthony Towns ache que sua única chance de ter sucesso é indo embora.
Mas nas entrevistas sobre os novos rumos do time antes da temporada começar, Rosas e Saunders não tiveram que falar tanto assim sobre Towns. Ao invés disso eles eram sempre confrontados sobre outro jogador que deveria ser um pilar da equipe, Wiggins.
A trajetória de carreira do ala canadense é uma das mais estranhas da NBA na atualidade. Primeira escolha do Draft 2014, o ala não decepcionou e fez excelente primeira temporada, sendo eleito o melhor novato da liga. No ano seguinte melhorou seu aproveitamento de arremessos e alcançou a simbólica e difícil marca de 20 pontos por jogo. Um ano depois foi um passo além: 23 pontos por partida e finalmente aproveitamento de 35% nas bolas de longa distância, corrigindo um de seus defeitos ofensivos. Tudo encaminhado para virar um All-Star como a maioria dos jogadores escolhidos no topo do Draft, certo? Nem tanto.
Em 2016-17 o Timberwolves contratou Jimmy Butler, Wiggins perdeu espaço no ataque e de lá foi ladeira abaixo. O canadense sumiu dos jogos, parecia fora de lugar e o negócio entrou tanto na sua cabeça que ele não se destacava nem quando estava sozinho em quadra e poderia comandar o ataque. Também não decolou nem quando Butler foi trocado no começo da temporada passada, muito pelo contrário, fez uma campanha para esquecer. Some a isso o fato que sua defesa pareceu andar para trás e a fama de fominha só não foi maior do que a certeza geral de que não tinha mais solução. Nesta offseason a ESPN americana chegou a deixar ele de fora da lista dos 100 melhores jogadores da NBA na atualidade. CEM! Não ajuda sua postura sempre quieta e calma que faz o torcedor ou o analista a distância enxergar uma certa indiferença com a crise. Parecia que ele se juntaria a Tyreke Evans e Michael Carter-Williams na lista de jogadores que foram novatos espetaculares e se perderam depois.
O pior é que no meio do caminho Wiggins recebeu uma extensão enorme de contrato. A certeza do Wolves com ele era tanta que em outubro de 2017, na primeira chance que tiveram, deram 150 milhões de dólares por 5 anos de compromisso. A pressão por ser um dos jogadores mais bem pagos da liga chegou junto com seu pior momento. Nos últimos meses foi comum ver o nome dele em listas de piores contratos da NBA ao lado de jogadores como Chris Paul ou John Wall, com a diferença que Wiggins não está velho, próximo do fim da carreira e muito menos machucado.
Por esse contrato dantesco, trocar Wiggins não era realmente uma opção realista para Gersson Rosas quando este assumiu o time. O caminho escolhido pelo manager foi o de colocar responsabilidade nas costas do jogador. Ele disse em entrevista que Wiggins “deveria ser um dos principais contribuidores do time” para que o Wolves tivesse qualquer tipo de sucesso na temporada. Ele também defendeu o jogador pelos altos e baixos na carreira, dizendo que a franquia ainda não havia sido capaz de oferecer continuidade e estabilidade em termos de elenco, técnicos, estilo de jogo e filosofia. Não podemos esquecer que a queda vertiginosa de Wiggins começou com a chegada do técnico Tom Thibodeau, que não tinha qualquer traço de paciência com a falta de intensidade do jogador dentro e fora de quadra.
Já o técnico Ryan Sauders disse que seu foco era fazer com que Wiggins melhorasse a escolha dos seus arremessos no ataque. Segundo o treinador, o problema dele não era necessariamente técnico, mas de tomadas de decisão. Nada era mais desesperador que ver Wiggins driblar a bola por dez segundos só para depois dar um arremesso forçado de meia distância. Ou de ficar na linha dos 3 pontos para espaçar a quadra mas não ter tanta confiança para chutar de lá quando recebia a bola. Revoltante que um dos caras mais atléticos da NBA, com um físico invejável, sequer tentasse atacar a cesta.
A tabela abaixo mostra de onde Wiggins deu seus arremessos ao longo da carreira. É interessante ver como ele entrou na NBA focado em bandejas ou enterradas e tiros de meia distância, mas aos poucos foi se afastando da cesta com a chegada de Thibodeau e Butler. O crescimento nos tiros de longa distância acompanharam a tendência da liga, mas custaram os arremessos próximos à cesta, não os de meia distância:
Mas Wiggins pelo menos colocava na cesta esses arremessos de meia distância? Nem isso. Ele nunca acertou mais que 38% de seus chutes dessa categoria, o que o coloca muito longe de sequer estar na média da liga. Entre a elite da NBA ele só esteve nas infiltrações e finalizações próximas à cesta, onde chegou a ter 67% de acerto, mas até isso despencou para 58% na trágica temporada passada.
Quando Saunders disse, portanto, que iria mudar a escolha de arremessos de Wiggins, basicamente estava dizendo que iria tentar criar um ataque que ajudasse o ala a voltar a atacar a cesta. Fazer bandejas não é só baixar a cabeça e encarar o que vier pela frente, é preciso receber a bola em condição para isso, ter espaço no garrafão para não trombar com ninguém, ter bom controle de bola e saber ler a reação da defesa para decidir como finalizar ou se a hora é de passar a bola.
Uma das jogadas mais utilizadas por Saunders para criar uma boa situação para Wiggins é um corta-luz duplo no canto da quadra. O ala sai da zona morta e usa os dois bloqueios para ganhar espaço e assim já receber a bola em movimento e em velocidade para atacar o garrafão. O passe vem de um armador ou até de um dos próprios jogadores que faz o bloqueio, geralmente Towns. Os outros dois jogadores em quadra ficam bem abertos do outro lado para que não haja congestionamento no garrafão:
No clipe acima ainda podemos ver variações que essa jogada oferece, como a chance de Wiggins não usar os bloqueios e cortar pela linha de fundo (mais ou menos como nessa jogada que mostramos na Prancheta Bola Presa há algum tempo) ou até ele usar os bloqueios para disparar um arremesso de 3 pontos.
Outra boa mudança de Ryan Saunders em relação ao ano passado foi o espaçamento da quadra. Mesmo ainda sem grande aproveitamento geral, o time não tem medo de arremessar de longa distância e os adversários respeitam os chutadores. É bem comum Wiggins receber a bola em um lado da quadra e ficar completamente livre para atacar, com seus companheiros na zona morta puxando a defesa e um dos pivôs, geralmente Towns, aparecendo para um corta-luz. Até vemos alguns jogadores muitos passos atrás da linha dos três na diagonal da cesta, no estilo que o Milwaukee Bucks consagrou para abrir espaço para Giannis Antetokounmpo:
O jogo em dupla com Karl-Anthony Towns ainda rende outro tipo de lance em que Wiggins toca para o companheiro e corta em direção à cesta para receber um passe no garrafão, que está sempre livre de companheiros que levam com eles a defesa rival para longe da cesta:
Duas coisas são importantes de notar nesses vídeos. Primeiro que Wiggins não cai de paraquedas nessas jogadas, ele sabe que elas são feitas para que ele ataque a cesta e assim o faz. Às vezes até se empolga com os arremessos de longa distância, mas o números mostram como ele está voltando a pisar no garrafão. A agressividade está fazendo ele voltar a bater quase 5 lances-livres por jogo, algo que não ocorreu nas últimas duas temporadas. Os 4,8 lances-livres por jogo de hoje ainda não alcançam os SETE do seu segundo ano, mas ele está chegando lá. Outra coisa importante de notar é a evolução de Wiggins no controle de bola, ele parece mais sob controle com seu drible e isso parece o deixar mais à vontade para dar algumas batidas a mais que o levam até perto do aro.
Não que a temporada tenha sido sem percalços. Especialmente nos primeiros jogos vimos muitas jogadas como essa abaixo onde o espaço está criado e Wiggins tem um confronto favorável para simplesmente ir pra cima da defesa e conseguir uma bandeja, mas ao invés disso ele decide driblar, driblar, driblar, dar uma pirueta e dançar sozinho antes de tentar um arremesso forçado (e que valia só dois pontos):
I just…sir, please… pic.twitter.com/XM8tx7squs
— Jasmine Thomas Fan Acct. (@NekiasNBA) October 25, 2019
Não é incomum que jogadores muito bons tentem volta e meia alguns arremessos forçados e nem tão inteligentes, mas o exemplo acima não é bem desse tipo. Não vemos James Harden ou Damian Lillard tentarem coisas que nunca acertam justamente quando estão na situação perfeita construída pelo ataque. É um erro de leitura que parece estar aparecendo menos e, melhor ainda, desaparecendo no fim das partidas. Nessas situações, pelo contrário, ele parece chamar o jogo e mostrar um “instinto assassino” que nunca havíamos visto na sua carreira.
Outro avanço de Wiggins, embora ainda não totalmente consolidado, está na sua capacidade de passe. Com míseras TRÊS assistências por jogo, o ala já tem a maior média da CARREIRA no quesito. Para vermos como o patamar já estava baixo! Ele também é o único jogador da NBA nesta temporada a ter um jogo de 20 arremessos tentados e NENHUMA assistência. Aconteceu duas vezes, aliás. Realmente Wiggins não tem grande visão de jogo ou criatividade para manipular a defesa e achar alguém livre para o passe, mas esse estilo de jogo tem sido tão favorável a ele que as infiltrações criam alguns passes bem simples. O vídeo abaixo é até um TÉDIO tamanha a simplicidade das assistências: mesmas jogadas mostradas acima, mas em algum momento a defesa se fecha e Wiggins toca para o lado. Simples assim.
A assistência mais bonita de Wiggins no ano veio na bola de empate de Karl-Anthony Towns nos segundos finais da partida contra o Denver Nuggets. A jogada, desenhada imediatamente antes em um pedido de tempo, colocava Wiggins para atacar a cesta em um pick-and-pop com Robert Covington. Towns, ao invés de fazer o corta-luz, ficou embaixo da cesta como se estivesse posicionado para receber uma ponte aérea à lá Clint Capela, mas assim que seu marcador o deixa de lado para marcar a infiltração de Wiggins, o pivô corre para a linha dos três pontos e se posiciona atrás de um corta-luz de Treveon Graham. Wiggins enxerga o pivô lá não por excelente improviso e visão de jogo, mas pelo fato da jogada ter sido construída para isso, com o espaço criado pela sua capacidade de infiltração:
Nas entrevistas em que cobrou Wiggins, Gersson Rosas não negou que o time foi atrás de D’Angelo Russell quando ficou claro que o Brooklyn Nets não ia renovar com o armador. Ele é amigo próximo de Towns e sonho de consumo do time, que não vê Jeff Teague como a solução da armação do time no longo prazo. Conseguir ele via troca agora com o Golden State Warriors é possível, mas tudo dependeria dos planos do time da Califórnia. Eles veem Russell funcionando ao lado de Steph Curry e Klay Thompson? Não sabemos. A ascensão de Wiggins coloca mais lenha nessa fogueira: seu salário seria fundamental para fazer uma troca com Russell funcionar e sua evolução pode fazer brilhar os olhos de Steve Kerr e Bob Myers, que veem com clareza que é justo na ala que o time está mais magro de elenco.
Caso a troca nunca ocorra, porém, Wiggins se torna então a peça fundamental justamente para que o Wolves não sinta falta de Russell. Ele é o cara agressivo de perímetro que um pivô como Towns precisa, mas com o bônus da sua personalidade discreta deixar o companheiro com a certeza de que é líder e dono do time. Ainda falta um bocado para Wiggins voltar a ser o que imaginávamos anos atrás, mas é um alívio voltar a ver evolução ao invés de passos para trás.