Como escolher um técnico na NBA

Na última offseason vimos 6 times apresentarem novos técnicos. Com pouco mais da metade da temporada 2015-16 para trás já podemos colocar mais 5 trocas de treinadores na conta. Some todas e temos, em poucos meses, mais de um terço da NBA com novos comandantes.

Talvez seja ainda muito cedo para afirmar que vivemos uma epidemia de demissões, mas é um número expressivo. E não dá pra não associar com a ascensão do papel do General Manager em detrimento dos Head Coaches nos últimos 20 anos. Se até os anos 90 a gente se acostumou a ver técnicos como manda-chuvas nas equipes, dando palpite em tudo e dirigindo o rumo dos times, hoje quem pensa a longo prazo são os cartolas, sejam os managers ou os presidentes de operações. A mente e identidade por trás do Miami Heat é a de Pat Riley, no NY Knicks o papel é de Phil Jackson, no Houston Rockets é de Daryl Morey. Não à toa, muitos técnicos com renome e moral agora buscam estabilidade agregando as duas funções. Doc Rivers no LA Clippers, Mike Budenholzer no Atlanta Hawks e Stan Van Gundy no Detroit Pistons são técnicos e managers dos seus times ao mesmo tempo. Até agora nenhum se mandou embora.

Epidemia ou não, está claro que esse é um assunto que sempre vai estar em voga para quem discute basquete. Mudam os personagens, mudam os times em fase de transição, mas sempre estaremos falando sobre o time X que pode mandar embora o treinador Y para talvez trazer o cara Z. Nesse ano o time X mudou várias vezes, mas o cara Z quase sempre foi Tom Thibodeau, o desempregado mais cotado para TODAS AS VAGAS do planeta. Estamos precisando de um estagiário aqui no Bola Presa, Thibs, interessa?

Me incomoda um pouco essa especulação porque o nosso glorioso e estressado Thibs não é um nome óbvio para vários dos empregos que jogam no colo dele. Alguns não tem nada a ver com ele, aliás. Mas pensando nisso achei que valia a discussão: o que faz um técnico ser o nome certo para um trabalho na NBA? Separei aqui três pontos que podem guiar essas especulações.

[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Amigo que é amigo garante um contrato de 5 anos antes de demitir”][/image]

A relação manager-comissão técnica

Como citei acima, os General Managers tem cada vez mais poder e nenhum técnico, por melhor que seja, estará seguro no cargo se não tiver uma ótima relação com o cara que tem o poder de mandá-lo embora. Claro que mesmo os managers precisam de aval para decisões como essa, precisam às vezes passar por um presidente de operações e o próprio dono do time, mas a maioria costuma ter carta branca para boa parte das movimentações.

Como falamos no podcast especial sobre como montar um time campeão, se tem uma coisa que todo time vencedor tem em comum é essa sintonia entre quem constrói o elenco e quem o treina. A relação manager-técnico não precisa ser de mestre e pupilo, de amigos ou confidentes, basta que estejam na mesma página. Não dá para trabalhar no Rockets se você não levar a sério as análises estatísticas pelas quais Daryl Morey investe horrores, assim como você não pode ser técnico do Philadelphia 76ers se não achar que perder por anos a fio com um elenco de adolescentes é uma estratégia válida.

Esses são os casos mais gritantes, mas as discordâncias podem aparecer a qualquer momento, de qualquer jeito. Mike Malone foi mandado embora do Sacramento Kings, em parte, porque ele não quis aceitar a sugestão de que o seu time deveria ser mais veloz e ofensivo. Tom Thibodeau brigou com a direção do Chicago Bulls por questões financeiras: o time não renovou com Omer Asik, Kyle Korver e trocou Luol Deng para economizar na folha salarial.

Então quando vamos especular um novo nome em algum time devemos nos perguntar: está todo mundo de acordo? Thibodeau foi cotado nos últimos dias para assumir o New York Knicks e o Minnesota Timberwolves. Em Nova York ele estaria sob a sombra de Phil Jackson, alguém que por razões óbvias gosta de palpitar no sistema tático, rotações, chamadas de jogadas no fim dos jogos e tudo mais. Mesmo que ele tenha dito que não vai obrigar um novo técnico a usar o seu sistema de triângulos, este vai precisar de muita lábia (e resultados) para convencer o Zen Master de que seu plano também é válido. Depois de anos de brigas no Bulls, será que Thibs vai querer se meter nessa? O mais óbvio parece ser repetir o nosso pizzaiolo Stan Van Gundy, que ficou traumatizado pela maneira que saiu do Orlando Magic. Ele preferiu passar um tempo longe do basquete e voltar apenas em uma situação onde teria controle sobre tudo. Passamos então para o Timberwolves, uma franquia cujo seu nome mais forte, Flip Saunders, morreu há alguns meses. Thibs não só poderia chegar lá para impôr a sua maneira de enxergar o basquete como ainda teria o apoio de Kevin Garnett, outro raro nome forte do Wolves, que foi seu parceiro de Boston Celtics no título de 2008.

Naquele título dos verdinhos Thibs era o coordenador defensivo do técnico Doc Rivers, e isso é importante para relembrar que os treinadores têm suas panelinhas. Alguns comentaristas dos EUA falam que a NBA é dividida em ‘camps‘, grupos de influência que se ajudam. Então existe o ‘Van Gundy Camp’, de caras que foram formados sob a tutela de Jeff Van Gundy, além do ‘Phil Jackson Camp’ e, claro, o ‘Spurs Camp’. Então um cara que fez carreira em um desses grupos tem muito mais chance de se dar bem se o empregador tiver uma relação com ele também. Obviamente não deu certo com Derek Fisher, mas misturar Thibs, do time Van Gundy, com Phil Jackson pode render algumas boas rusgas. Cada um enxerga basquete do seu jeito.

E para quem perdeu, vale reler o que falamos da relação entre LeBron James, seu grupo de empresários e Mark Jackson, que por pouco não ganhou a vaga no Cleveland Cavaliers.

[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”-Como assim ‘voltar para a defesa’?”][/image]

O que cada um sabe fazer

Muitas vezes a gente exagera ao tentar adivinhar as capacidades e características de cada técnico. Por exemplo, Rick Carlisle dirigia uma defesa feroz em um time que jogava cheio de pivôs e em câmera lenta no Indiana Pacers, depois comandou times que jogavam com dois armadores ao mesmo tempo e arremessando de longe sem parar no Dallas Mavericks. Tirando algumas jogadas específicas, como os pick-and-pops entre alas mais baixos, é difícil encontrar muitas relações no estilo de jogo do Celtics e do Clippers de Doc Rivers. Então não é porque o time de um cara fazia uma coisa que todos irão fazer. De qualquer forma, ainda assim dá pra saber algumas coisas que cada um gosta e como eles enxergam o basquete.

Técnicos bitolados em defesa como o próprio Thibodeau ou até Gregg Popovich tomam inúmeras decisões baseadas nas capacidades defensivas de seus jogadores. Se um cara não consegue executar o básico na defesa, vai para o banco. Os mais focados no ataque, como Alvin Gentry, perdoam eventuais erros desde que o cara esteja contribuindo para que o sistema ofensivo funcione. Colocar o primeiro tipo para treinar Kevin Love, incapaz de defender pick-and-rolls, ou o segundo para lidar com Tony Allen, o maior errador de bandejas do planeta,  pode ser receita para atritos.

Saber desses pontos inegociáveis de cada técnico é decisivo na hora de contratar alguém. No caso do New York Knicks, chamar um treinador que acha essencial impôr velocidade no ataque só é bom negócio se eles estiverem dispostos a trocar vários de seus jogadores, como Arron Afflalo e José Calderón, além de praticamente excluir a chance de Robin Lopez e Kristaps Porzingis jogarem ao mesmo tempo. As vagas do Wolves e do Phoenix Suns, por outro lado, precisam ter como base da negociação a relação dos técnicos com jogadores jovens. Até que ponto o técnico vai ter paciência para lidar com grupos que têm dúzias de pirralhos que cometem erros típicos de pirralhos? Sabemos que Thibodeau não era muito simpático aos novatos do Bulls, mas essa é uma característica pessoal ou ele só fazia isso porque estava em um time com ambições muito grandes e menor margem de erro? Saberemos quando ele tiver mais trabalhos no futuro.

[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”O elenco do Nets não aprovava o gosto musical de Lionel Hollins”][/image]

Pergunte a sua super estrela

O caso de David Blatt com LeBron James pode ter sido um dos mais dramáticos, mas está longe de ser único. É bem comum que as super estrelas não se deem bem com um técnico e isso acaba contaminando todo o elenco. O Los Angeles Lakers dos últimos anos começou a morrer no segundo em que Kobe Bryant, Pau Gasol e Dwight Howard não enxergaram solução alguma nas estratégias de Mike D’Antoni, e a relação de DeMarcus Cousins com TODOS os técnicos do Kings também são importantes na hora de analisar o fracasso da franquia.

Mais do que outros campeonatos, a NBA é uma liga quase sempre decidida mais pelo talento do que pela tática. Não me entendam errado, a história já provou que só juntar grandes talentos aleatórios não é sinônimo de título, mas NÃO ter essas estrelas é, isso sim, sinônimo de derrota. A parte tática acaba sendo decisiva porque mais de um time consegue reunir talento, aí nas séries finais de Playoff, quando todo mundo está cheio de grandes jogadores, você precisa de um time muito bem montado para se sobressair.

Essa linha de pensamento faz os times colocarem as estrelas acima de tudo na lista de prioridades. Entre trocar Blatt ou LeBron, Tyrone Corbin ou Cousins, é fácil ver onde a corda arrebenta. Mas também não é saudável ter um jogador mimado que acha que manda no time, então qual a solução? Se fosse fácil não teria tanta briguinha tola na NBA, mas uma leve consulta antes de uma contratação pode resolver problemas. Chegar em Carmelo Anthony, caso ele vá mesmo ficar no time, e perguntá-lo sobre nomes no mercado que ele respeita e acredita é uma atitude simples que Phil Jackson poderia tomar. E as palavras usadas devem ser essas mesmo, o ideal é contratar alguém que seu jogador RESPEITE, se chamar alguém só que ele “gosta” pode acabar sendo só uma desculpa para uma marionete.

O exemplo máximo de sucesso nesse aspecto é a relação entre Gregg Popovich e Tim Duncan. De um lado temos Pop tratando Duncan como um jogador qualquer, mostrando para o grupo que lá a coisa é séria e que não existem regalias e que até o cara mais consagrado precisa correr no treino e receber bronca em caso de erro; do outro temos o jogador ACEITANDO tudo isso sem birra, bico ou indiretas na imprensa. O próprio Pop já disse que ele só consegue treinar o time desse jeito porque Duncan se deixa ser treinado assim. Acreditar que a personalidade forte e o profissionalismo de Pop funcionariam com qualquer estrela da NBA é quase ingênuo, Allen Iverson mandaria um “Practice?!” pra ele no primeiro dia.


Por tudo isso dito aqui que eu insisto que ser uma grande mente tática do basquete é algo quase que secundário na hora de comandar um time da NBA. Você precisa saber o bastante para pertencer ao meio e não ser visto como fraude, mas nem de longe precisa ser um gênio. Hoje em dia as franquias gastam demais com assistentes técnicos, um treinador pode investir pesado nas mentes mais criativas do ataque, as mais estudadas para a defesa e uma trupe gigante de treinadores individuais, scouts, analistas de vídeo e etc. O trabalho do técnico, nesse caso, passa a ser o de gerenciar essa comissão e saber o que pedir para cada um deles correr atrás. Também é trabalho do técnico falar as coisas certas na imprensa (alô, Byron Scott) e especialmente fazer a relação entre essa comissão e os jogadores. Ele precisa fazer cada atleta abraçar a sua função, precisa saber motivá-los e ao mesmo tempo controlar o ego da galera e manter um ambiente saudável dentro do vestiário. Não é pouca coisa e nem um pouco fácil, mas vai muito além do que só saber o que rabiscar numa prancheta.

Seja em relação a quem está abaixo ou acima do técnico na hierarquia, o segredo dessa carreira é fazer com que as pessoas gostem de você. Bem legal, né? Mas pelo menos eles ganham uns bons milhões.

Bônus: descubra que técnico demitido você é. Eu sou o Derek Fisher!

Torcedor do Lakers e defensor de 87,4% das estatísticas.

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