No apagar das luzes do último dia de trocas desta temporada da NBA, o Toronto Raptors resolveu que era a hora de jogar ainda mais coisas para o alto e ir com tudo para a disputa do título desta temporada. O time mandou Delon Wright, Jonas Valanciunas, CJ Miles e uma escolha de segunda rodada no longínquo Draft de 2024 para conseguir Marc Gasol do Memphis Grizzlies.
O preço pago pelo pivô foi muito bom. O time só abriu mão de reservas (importantes, mas ainda reservas) e não precisou envolver nenhuma escolha de primeira rodada de Draft. Vale lembrar que agora mesmo o Dallas Mavericks precisou mandar duas escolhas para adquirir Kristaps Porzingis e o Philadelphia 76ers mais duas (além de um ótimo novato) para tirar Tobias Harris do Los Angeles Clippers. Era barato demais para um jogador talentoso demais, não dava para negar e mesmo assim deu uma sensação estranha ver o negócio ser finalizado.
A estranheza vem do fato de como o Toronto Raptors montou o seu time ao longo desta década. Nas últimas temporadas o time arriscou pouco e apostou alto em jogadores jovens que chegavam baratos e se desenvolviam lá dentro. Foi assim com Kyle Lowry, DeMar DeRozan, Jonas Valanciunas, Jakob Poetl, Fred VanVleet, Delon Wright, Pascal Siakam e muitos outros. Mas após tantas derrotas traumáticas nos Playoffs, onde sempre chegavam como favoritos e jogavam muito abaixo do esperado, o General Manager Masai Ujiri resolveu buscar nomes de peso. Começou em 2017, quando o time trocou o ainda bem jovem Terrence Ross por Serge Ibaka, que estava no fim de seu contrato com o Orlando Magic. Depois, claro, veio a troca bombástica de DeMar DeRozan e Jakob Poetl por Kawhi Leonard. Agora chega a cereja do bolo no pivô Marc Gasol.
O plano não é tão diferente assim da etapa final do famoso “Processo” do Philadelphia 76ers. Por lá, depois da fase de acumular ativos valiosos, chegou a hora de transformar eles em Jimmy Butler e Tobias Harris. No Raptors a coisa foi diferente porque não houve o anúncio do plano e nem o período exagerado de derrotas propositais para acumular esses ativos valiosos, tudo o que eles mandaram para conseguir agora os bons jogadores foi acumulado mesmo com escolhas tardias de Draft. Trabalho exemplar e difícil de ser alcançado.
Porém sempre tem um porém. Enquanto o Sixers está olhando para um futuro brilhante de disputas para o título, o tempo não é tão simpático com o Raptors. O armador Kyle Lowry já tem 32 anos e não está no mesmo nível avassalador dos últimos anos, sendo até bastante poupado fisicamente ao longo do ano. O recém-chegado Marc Gasol tem 34 anos e está claramente mais lento do que quando ganhou o prêmio de melhor defensor da NBA. Por fim, Kawhi Leonard, este no auge da forma, está no seu último ano de contrato. O cara é um mistério, ninguém na imprensa tem contato com ele ou com seus amigos próximos e vai saber se ele pensa ou não em ficar no frio de Toronto por mais cinco anos ou se quer dar o fora para sua Califórnia. Mas até pensando nisso a contratação de Gasol foi uma ótima sacada: o Raptors dá um boost imediato de talento para tentar ganhar nesta temporada onde eles sabem que terão Kawhi Leonard e também mostram para o jogador uma disposição e capacidade de colocar estrelas ao seu redor.
Se tudo der errado e Kawhi Leonard ir embora, o Raptors sai então do modo comprador e passa a vender. Na temporada que vem eles podem seduzir os Torontos do próximo ano, os apressados que fariam de tudo para ter alguns meses de um bom jogador, sem amarras para o futuro. A temporada 2019-20 será a última dos contratos de Marc Gasol, Kyle Lowry, Serge Ibaka e Fred Van Vleet, algum time certamente pagaria para ter eles e o Raptors poderia então ganhar alguns ativos de volta para começar uma reconstrução em volta do cada dia mais promissor Pascal Siakam.
Marc Gasol is not exactly familiar with the Raptors' pregame routine. 😂
(via @TSN_Sports)pic.twitter.com/JKnXqRYNQr
— NBA on TNT (@NBAonTNT) February 12, 2019
Vamos deixar os planos de Masai Ujiri para trás e pensar um pouco nos de Nick Nurse. Como o técnico novato do Toronto Raptors pode usar seu novo brinquedo para melhorar o time nesta parte final da temporada? Depois de três jogos do espanhol já começamos a ter algumas respostas. Sem querer mexer no time titular que tem dado tão certo ao longo do ano, Nurse apostou por usar Marc Gasol na maior parte do tempo até aqui ao lado dos reservas. Nos míseros 60 minutinhos que Gasol passou em quadra até aqui, o time viu melhora na defesa, piora no ataque e uma maior frequência nas bolas de 3 arremessadas, segundo dados do Cleaning the Glass. Só não devemos nos apegar muito aos números porque não só foram poucos jogos, como foram partidas apressadas, sem período de treinamento e Nurse já avisou que vai fazer muitos testes até os Playoffs para descobrir como e ao lado de quem Gasol rende mais.
Em entrevista após a vitória sobre o Brooklyn Nets, Gasol tentou simplificar a questão defensiva. Disse que o mais importante é se comunicar, estar no lugar certo e acreditar que seu companheiro vai também fazer a coisa certa. É fácil observar ele gritando na defesa e, experiente como é, não deve demorar para aprender como o Raptors gosta de defender cada tipo de jogada do adversário. Mas sua lentidão tira um pouco daquela coisa legal da combinação do time titular que, com Danny Green, Kawhi Leonard, Pascal Siakam e Serge Ibaka, tem alas atléticos e de braços longos capazes de marcar diversas posições. Gasol não pode ser isolado contra caras muito rápidos e baixinhos, ele precisa ser o homem da cobertura e isso exige adaptações.
No lance abaixo vemos como Danny Green briga para não ficar parado no corta-luz de Ed Davis e assim evitar que Marc Gasol precise marcar Caris LeVert. A briga, porém, deixa Green para trás e LeVert consegue atacar a cesta e Gasol, que ainda precisa se preocupar com o passe para Davis. O espanhol não se afoba, pressiona LeVert, fecha a linha de passe e força o desperdício do rival:
Não só a inteligência de Gasol na defesa pode fazer a diferença, como ele pode ter trabalho individual para fazer nos Playoffs em possíveis duelos contra Indiana Pacers (da forte dupla Myles Turner/Domantas Sabonis) e especialmente ao enfrentar Joel Embiid, do Philadelphia 76ers, ou Al Horford, do Boston Celtics. No lance abaixo vemos um pouco de tudo: primeiro Gasol se posiciona bem no garrafão para intimidar a infiltração de Joe Harris, depois ele já lê o passe para o pivô Jarrett Allen, cola o corpo no rival e impede que ele faça uma cesta fácil sob o aro.
Mas é no ataque que Gasol pode fazer ainda mais diferença para esse time. O Raptors é um time que há anos tenta ser mais coletivo e passador, mas sofre porque não tem as peças para isso. Na temporada passada surpreendeu por fazer DeMar DeRozan compartilhar mais a bola, mas nesse ano voltou ao que era já que Kawhi Leonard, por mais espetacular arma ofensiva que seja, não é lá muito fã de tocar a redonda quando acha que pode pontuar. O time também não tem muitos outros jogadores capazes de infiltrar além de Kyle Lowry e Kawhi e nem um jogador capaz de receber a bola de costas para a cesta ou na cabeça do garrafão e fazer o ataque rodar. Quer dizer, não tinha até agora.
Com Marc Gasol no time, o Raptors pode não só passar mais a bola, como passar de um jeito diferente. Uma coisa é ter vários jogadores no perímetro e tocar a bola entre eles, outra é colocar a bola na mão de alguém no meio do garrafão e deixar o cara operar de lá. São outros ângulos possíveis de ataque e de passe que o Raptors já está começando a descobrir. Meu lance favorito de Gasol até aqui é esse abaixo:
Ele recebe a bola no garrafão sendo marcado por Allen Crabbe, um duelo que ele já pode atacar pela diferença de tamanho. Mas assim que ele recebe a bola, Patrick McCaw corre por trás de D’Angelo Russell e se posiciona para receber um passe de Gasol e ir para a bandeja. Com uma simples finta de corpo, Gasol dá a entender que vai dar esse passe para McCaw e isso leva Jarrett Allen a virar as costas para Pascal Siakam, pensando que deve fazer a cobertura no aro. O pivô do Raptors então vira para o outro lado e solta a bola para Siakam, que faz a cesta sozinho.
Um grande passador só existe se os jogadores que atuam ao lado dele sabem tirar proveito disso. No lance acima McCaw foi ótimo atraindo a marcação e Siakam mais fantástico ainda ao ver o corredor se abrindo com a finta da Gasol.
O que ajuda Gasol nos seus passes é que a defesa deve ficar atenta também à sua capacidade individual de pontuar. Nos três lances abaixo vemos variações do mesmo tema: o Nets não consegue marcação dupla porque não pode deixar alguém livre, ou manda e Gasol se livra do marcador mesmo assim porque já está numa posição favorável para pontuar.
Os números, como citei acima, dizem que o Raptors teve um ataque pior que sua média com Gasol em quadra. Mas bom observar que o time arremessou bem mais de 3 pontos quando ele estava em quadra também. Muitos arremessos vão nascer dessas tentativas de dobra de marcação sobre ele e se o time acertar a pontaria, tudo deve dar certo. Aliás, o próprio Marc Gasol é um bom arremessador de 3 pontos: ele acerta 35% dos seus chutes e pode ser importante demais nos Playoffs. Sabe como Al Horford enfurece Joel Embiid ao ficar longe do garrafão criando jogadas e arremessando de longe? Agora o Raptors tem a sua versão também:
A capacidade de Marc Gasol centralizar o jogo nele tem sido usada, ao menos nesses primeiros jogos, especialmente ao lado dos reservas do Raptors. O famoso “bench mob” da temporada passada, o grupo de reservas que vinha do banco para DESTRUIR rivais, morreu aos poucos: primeiro Jakob Poetl foi para o Spurs, agora Delon Wright e Jonas Valanciunas (“rebaixado” ao banco nesta temporada) foram para o Grizzlies. Some a isso a lesão de Fred Van Vleet, que deve perder até 6 semanas, e o Raptors deve fechar a temporada sem uma parte importante da sua identidade.
Pausa aqui para falar das outras duas contratações do Raptors. Com espaço no elenco, eles trouxeram Patrick McCaw, campeão com o Golden State Warriors e que estava sem time, e Jeremy Lin, que foi dispensado pelo Atlanta Hawks. Os dois são bons-porém-limitados jogadores, mas ambos são conhecidos por ter ótima leitura de jogo e pela inteligência em quadra. São características fundamentais para uma adaptação rápida com a temporada em andamento e especialmente para tirar proveito dos talentos de Gasol como passador.
A contratação de ambos também combina com a ideia do Raptors de usar dois armadores ao mesmo tempo durante boa parte do jogo. Já vimos McCaw e Lin atuando juntos e ambos passando alguns minutos ao lado de Kyle Lowry. Embora McCaw ainda não esteja no seu melhor nível depois de tantos e tantos meses parado, ele é um bom defensor, tem braços gigantes e pode ser importante nos Playoffs. Já Lin, mesmo com todos os defeitos que o traumatizado Danilo não cansa de lembrar, é bom pontuador, sabe invadir o garrafão e especialmente executar um pick-and-roll. Dá pra Marc Gasol matar um tiquinho da saudade de Mike Conley:
Mas o que me anima mais é ver Jeremy Lin atuando ao lado de Kyle Lowry e dos outros alas atléticos do Raptors como OG Anunoby e Normal Powell. O armador é ótimo para jogar em velocidade, puxar contra-ataques e se movimenta muito bem sem a bola. Por isso que sua melhor temporada foi jogando ao lado de Kemba Walker no Charlotte Hornets e por isso que já se entendeu tão bem com Lowry logo em sua estreia contra o Washington Wizards. Lin sabe armar, mas esconde muito melhor seus defeitos quando tem outro armador do lado para compartilhar o fardo.
No lance abaixo vemos como Lin percebe que seu lance não vai dar em nada, solta a bola para Kyle Lowry e então vê que seu marcador, Bradley Beal, deu as costas para ele. Ele então e se aproveita disso para conseguir uma cesta muito fácil. Ótima leitura de jogo ao invés de só ficar paradinho na linha dos 3 pontos:
Existe uma diferença fundamental entre a chegada de Jeremy Lin e a de Marc Gasol. Enquanto o armador chega para ajudar e dar uns bons minutos vindo do banco de reservas, o pivô chega com status de jogador que vai mudar a cara do time no momento mais importante da temporada. Os três primeiros jogos de Marc Gasol com o novo time foram ótimos, mas ainda falta para o técnico Nick Nurse fazer a parte mais difícil, que é fazer ele funcionar ao lado do time titular, tudo isso sem tirar minutos demais dos bons Siakam e Ibaka e sem quebrar a química de um time que está vencendo mais jogos do que nunca antes em sua história.
Ah, e tudo isso precisando de resultados JÁ! Kawhi Leonard pode ir embora no fim do ano e esse elenco dos sonhos pode ter duração limitadíssima. Sem pressão, coach.