Entre o cansaço e a repetição

Em uma conversa com o Zach Lowe, da ESPN, num podcast recente, o técnico e comentarista Jeff Van Gundy relembrou de uma história de quando Tom Thibodeau era seu assistente no Houston Rockets. Ele conta que estavam vencendo um jogo por CINQUENETA E TRÊS pontos de vantagem, a partida estava em seus minutos finais e todos já estavam só pensando em acabar logo com aquilo e ir para casa. Foi quando o time fez uma bobagem na defesa, a vantagem caiu para míseros CINQUENTA E UM PONTOS e Thibs saltou do banco para dar seu já tradicional BERRO ROUCO na beira da quadra. Era uma bronca bem dada, para todos ouvirem, em um jogo já ganho. O que é certo, é certo.

“Escute, eu estou neste negócio há muito tempo. Há muitas maneiras diferentes de controlar o seu time. Muitos olham de fora essa questão dos minutos, mas não sabem o que acontece nos treinos. Eles não sabem quanto contato é permitido no treino, não sabem a sua filosofia de atividades nos dias sem jogo. Temos treinos depois de jogos em dias seguidos? E no primeiro dia de uma longa viagem? Temos treinos em mais de três dias seguidos? Não importa o que decidimos, pensamos muito no que fazemos”.

A declaração acima é do técnico Tom Thibodeau, do Minnesota Timberwolves, time que tem os seus cinco titulares entre os 35 jogadores com mais minutos disputados na NBA neste ano, e que tem três atletas —Jimmy Butler, Andrew Wiggins e Karl-Anthony Towns— entre os 13 que mais tempo ficam em quadra. O assunto sobre o desgaste dos jogadores ainda no segundo mês de temporada voltou à tona depois que se descobriu que o time registra A PIOR DEFESA da NBA em quartos períodos. Seria desgaste? Após jogar mais de 40 minutos em dois jogos seguidos no começo do mês, Butler fugiu da questão de “parecer cansado” fazendo piadinha com o técnico: “vou ter que falar com ele, está começando a pesar”

O detalhe é que a fala destacada lá em cima de Thibs não é de agora, mas de 2015 (!), quando ele precisava se desculpar pelas MESMAS COISAS ao relembrar sua passagem pelo Chicago Bulls! Era uma época em que o técnico era considerado culpado pelo desgaste físico e pelas lesões que encurtaram as carreiras de Luol Deng, Joakim Noah e Derrick Rose. Em um momento em que outros técnicos como Gregg Popovich e Steve Kerr brigam com a NBA por mais tempo de descanso e pelo direito de NÃO COLOCAR seus atletas em quadra determinados dias, por que Thibodeau é tão focado em deixar todo mundo em quadra? Ele continua:

“Se você olhar para a performance e se quer tirar o melhor do seu pessoal, vai ver que há um motivo para que times tenham sucesso a longo prazo. Você precisa ter valores. No que você acredita? Acredita em trabalho duro? Acredita em disciplina? Acredita em condicionamento físico? Porque essas são as coisas que eu sei que funcionam”.

É uma resposta interessante porque ele cita o sucesso de outros times. Enquanto a maioria pensa que se deve imitar as coisas específicas que o San Antonio Spurs faz para emular seu sucesso a longo prazo, Thibodeau vê diferente: para ele, o Spurs é um sucesso porque a franquia tem VALORES e não abre mão deles. O valor de Thibs é simplesmente diferente, como ele diz nessa mesma entrevista de 2015 ao USA Today:

“A maneira de executar as coisas nesta liga é via repetição, e isso vale para ataque e defesa. Você não vai descansar o seu caminho até o sucesso”.

O pensamento do treinador faz todo o sentido. A NBA é muito rápida e todas as decisões tomadas em quadra precisam ser feitas em milésimos de segundo. A melhor maneira de ter um time que erra pouco é ter um grupo que saiba jogar no automático. Repetição é, portanto, a chave para que as rotações defensivas não falhem, para que você saiba para onde passar a bola, para prever onde seu companheiro vai estar. O HÁBITO é, portanto, mais poderoso e confiável do que aquele sempre temível “virar a chavinha”. Ele voltou a bater na tecla do hábito em uma entrevista já recente, dizendo que não vai abrir mão dos longos minutos de suas jovens estrelas do Wolves:

“Quero que nossos caras se acostumem a fazer o que estrelas fazem. Nossos titulares vão jogar. Eles precisam jogar, precisam aprender e precisam crescer. É só ver o que James Harden e todos os outros grandes jogadores fazem. É isso que eu espero deles. Ainda estamos aprendendo e crescendo, e isso faz parte”.

Ele não disse essa frase do nada. O técnico está sendo questionado constantemente, já desde a temporada passada, sobre a quantidade de tempo que deixa seus principais jogadores em quadra. Há medo de que não só o desempenho dentro dos jogos caia durante os jogos, mas que ao longo da temporada e até da sua carreira os jogadores sejam prejudicados. O último caso aconteceu quando ele não quis tirar Jimmy Butler de quadra contra o Phoenix Suns mesmo com o atleta sentindo fortes dores nas costas:

Dá pra ver ele “correndo” e arrastando a perna nos minutos finais do jogo:

O curioso é que não vai ser Butler que vai reclamar ou pedir para sair. Na temporada passada, ainda no Chicago Bulls, Butler chegou a reclamar do técnico Fred Hoiberg por ele não EXIGIR e COBRAR tanto do time. Já nesta temporada, ao ser questionado sobre se a fatiga estaria atrapalhando o Wolves, Butler disse que “se o time está cansado, precisamos entrar em forma” e “correr um pouco mais depois do treino”. É um Thibs Junior:

No mesmo podcast citado no começo, Van Gundy também diz que “algumas pessoas lidam melhor do que outras com a intensidade”. Aí está um caso de casamento perfeito. Um cara quer tirar até a última gota de seus atletas, o outro reclama se não está sendo exigido ao máximo. A questão é: isso é saudável para eles e para o time?

É importante lembrar que Thibodeau, embora o mais extremo, não é o único a fazer isso. O Houston Rockets, melhor time desta temporada, raramente usa mais do que oito jogadores numa partida, nunca descansa James Harden e o deixa apanhar da defesa por quase 40 minutos por partida mesmo com dores no joelho. O técnico Mike D’Antoni, aliás, fazia a mesma coisa já desde o seu famoso Phoenix Suns. O ótimo Stan Van Gundy também não é dos caras que se sentem obrigados a uma rotação grande no Detroit Pistons, é bem comum ele usar poucos jogadores ou dar minutos limitadíssimos aos reservas.

Lembro ainda de quando Rubén Magnano rotacionava bastante os atletas da seleção brasileira e alguns comentaristas e torcedores iam a loucura pedindo mais continuidade. Muita gente concorda com Thibs de que é preciso deixar o mesmo time em quadra durante muito tempo para que eles entrosem e deslanchem. Nesta temporada o quinteto que mais passou tempo junto na NBA foi o titular do Wolves: Teague, Butler, Wiggins, Gibson e Towns. Foram 626 minutos juntos! O segundo colocado é o time titular o Pistons (Jackson, Bradley, Johnson, Harris e Drummond) que jogou, pasmem, 396 minutos. A diferença é BRUTAL. Se Thibodeau acredita que repetição é o caminho do sucesso, é exatamente o que ele está fazendo.

Lineup

Uma parte das minhas  críticas a esse modelo não pode ser feitas em público. É tudo, afinal, na base do ACHISMO e em assuntos do qual não entendo NADA. Eu ACHO que o corpo dos atletas precisa ser preservado, especialmente no começo da temporada. Eu ACHO que os seus antigos jogadores do Bulls sofreram muitas lesões muito cedo porque tiveram pouco tempo de descanso. Eu ACHO que poupar os jogadores por alguns minutos todo jogo faz diferença numa liga em que se está o tempo todo jogando ou viajando para jogar. Mas eu ACHO tudo isso sem estudar o assunto, sem ter acesso ao boletim médico dos jogadores e sem nem sequer saber a rotina de treino e de recuperação dos jogadores após as partidas. Quando o técnico responde que suas ações são pensadas, somos obrigados a abaixar a cabeça e aceitar, mesmo lá no fundo achando loucura.

Mas é possível fazer críticas para o lado basquetebolístico da estratégia, não só o físico. E aí podemos falar com mais segurança. Uma das consequências do plano de Tom Thibodeau é alienar o seu banco de reservas. Caras claramente limitados como Shabazz Muhammad, Aaron Brooks e Nemanja Bjelica entram em quadra sabendo que tem só um par de minutos para fazer serviço, várias vezes não dividem a quadra com titulares que poderiam aliviar alguma pressão e nem estão em um sistema preocupado em tirar o melhor deles. Para Thibodeau não existe isso de trabalhar os jovens ou se esforçar para disfarçar defeitos, ou o cara merece os minutos em quadra ou não merecem. E é assim que Cole Aldrich nunca pisou em quadra sob seu comando.

A obsessão de Tom Thibodeau pelos 40 minutos em quadra de Jimmy Butler e companhia, portanto, é um misto de valores inegociáveis do técnico e de perigos físicos que temos dificuldade em medir. Ele parece, mas não é louco. Não faz isso só por fazer, mas claramente assume riscos grandes e aliena o seu banco de reservas por pura desconfiança e falta de paciência –algo que fica pior quando lembramos que ele é também o presidente do time e fez todas as contratações. Assim como a seleção de arremessos de Andrew Wiggins e a defesa de Karl-Anthony Towns (pesquisem “Karl-Anthony Kanter” no Twitter), o técnico também pode e deve melhorar. Veremos se a repetição será a solução para tudo.

Torcedor do Lakers e defensor de 87,4% das estatísticas.

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