Experiência forçada

Em uma mesa de discussão da MIT Sloan Sports Conference, a maior reunião de estudiosos do esportes em todo o mundo, o CEO do Atlanta Hawks Steve Koonin jogou uma ideia: e se a temporada da NBA sempre começasse apenas no Natal e se estendesse até o começo de Agosto do ano seguinte? A liga, como sempre, disse que está aberta a discutir qualquer mudança na sua estrutura, mas tudo ficou por aí. Até agora.

A Sloan Sports Conference acontece sempre no final de Fevereiro ou começo de Março de cada ano. Ela é organizada por Daryl Morey, General Manager do Houston Rockets, e começou como um encontro onde nerds levavam seus estudos estatísticos sobre esportes para que outros nerds pudessem aprender, admirar e discutir. Com a explosão das “analytics” no mundo dos esportes, o evento se tornou gigantesco e passou a ser frequentado por grandes empresários, atletas, cartolas e jornalistas das mais diversas ligas esportivas além de membros de grandes universidades. A SSC de 2020 foi o último grande evento relacionado à NBA que conseguiu sobreviver antes da grande parada do novo coronavírus, mesmo que com relatos de muito constrangimento, culpa e cumprimentos distantes. A proposta de Steve Koonin, antes uma nota curiosa no meio de muitas conversas sobre como otimizar o calendário da NBA, ganhou, poucas semanas depois, um ar de profecia e curiosidade. Com a suspensão da NBA por tempo indeterminado, quando será que teremos a temporada 2019-20 de volta? Quando conseguiremos jogar os Playoffs? E como isso vai afetar a programação da próxima temporada?


Mavs

A SITUAÇÃO ATUAL

A informação que temos hoje é de que a paralisação da NBA por conta do novo coronavírus deve ser de ao menos 60 dias, já que essa foi a orientação do Centro de Prevenção a Doenças do governo dos EUA para qualquer evento que reúna mais de 50 pessoas no país. Pode acabar sendo mais, é claro, especialmente com a liga vendo que Rudy Gobert, Donovan Mitchell, Kevin Durant e mais três jogadores do Brooklyn Nets ainda não identificados para o público contraíram a COVID-19 no curto período pré paralisação. É tanto contato entre jogadores, um mundo tão pequeno e que envolve tantas viagens que é preciso ter muito cuidado. Mas mesmo com as dificuldades, os donos dos times e a associação dos jogadores já deixaram claro que farão de tudo para que essa temporada termine de um jeito ou de outro.

O pior cenário possível é aquele em que os casos não diminuam tão cedo e que não seja seguro voltar a ter eventos esportivos, com ou sem torcida, nos próximos quatro meses. Isso poderia fazer a NBA simplesmente CANCELAR de vez a temporada. No melhor cenário, tudo melhora nos próximos 60 dias e a temporada volta com tudo no final de maio ou comecinho de Junho. Nesse cenário a liga poderia escolher entre ir direto para os Playoffs ou jogar ainda algumas partidas da temporada regular para fazer dinheiro, dar ritmo de jogo aos atletas e igualar o número de partidas disputadas por todas as equipes antes da pós-temporada.

Entre os inúmeros desafios econômicos, está o dinheiro vindo das emissoras de TV. Cada time tem contrato com as emissoras locais que exigem um certo número mínimo de transmissões por ano, se ele não for cumprido a NBA deve devolver ou não receber parte do acordado. Enquanto alguns times, como o Atlanta Hawks por exemplo, está perto de bater esse número mínimo, outros, como o Los Angeles Lakers, estão mais distantes, já que muitas de suas partidas na temporada regular até o momento foram exclusivas das redes nacionais como ESPN, TNT ou ABC. E essas próprias redes maiores têm seus contratos com um número de datas que a NBA deve oferecer jogos. Não há solução fácil, todos estão perdendo dinheiro. E só os Playoffs, com jogos na TV, ingressos caros e muita publicidade podem ajudar a ao menos minimizar as perdas. E num aspecto menos prático mas ainda muito importante, há um simbolismo em superar a pandemia e oferecer bom entretenimento meses depois do pânico inicial.

Ainda existe muita coisa imediata a ser debatida antes da glória. A liga já aumentou sua linha de crédito para lidar com despesas e sua área jurídica deve começar desde já a tratar com a associação dos jogadores para discutir mudanças pontuais na CBA, o acordo que rege tudo no campeonato: o que fazer com os contratos que acabam em 30 de Junho? E o que fazer com os contratos de assistentes técnicos ou preparadores físicos, que não são representados pela associação dos jogadores ou qualquer outra entidade, e que também acabam nesta data? Como lidar com bônus de performance de jogadores que não foram alcançados só por causa da temporada mais curta ou suspensa? O que acontece com os jogadores que estavam em contratos não-garantidos ou de 10 dias? É o labirinto da burocracia sendo navegado por engravatados em home-office.


Koonin

O AMANHÃ

O mais frustrante da questão do novo coronavírus é que ele não é um assunto esportivo. Outra é que ele está dominando tanto o noticiário, as redes sociais, nossas conversas e nossa mente que não dá a menor vontade de vir aqui falar mais um pouco sobre o tema. Por isso que acho que o mais interessante agora é especular sobre outras mudanças futuras: se a NBA volta só em Junho e acaba em Agosto, faz sentido começar uma nova temporada já em Outubro? Jogadores precisam descansar, Free Agents precisam encontrar novos times e o Draft precisa acontecer, no mínimo. E nem estamos falando da Summer League que nem aconteceria no summer.

E se a temporada não vai começar em Outubro, que tal experimentar a ideia de Steve Koonin e começar a temporada só no fim de dezembro, usando a simbólica rodada de Natal como também rodada INAUGURAL de 2020-21? Não seria a primeira vez: em 2011-12, após o locaute causado pelas negociações sem sucesso de um novo acordo trabalhista entre os jogadores e a NBA, a temporada começou apenas no Natal de 2011. A diferença é que o calendário não mudou muito depois disso, com os Playoffs começando em Abril e a final rolando em Junho, tudo graças a uma temporada regular que teve 66 jogos ao invés de 82. A proposta de Koonin não tem diminuição de partidas: a ideia é jogar as 82 partidas e manter uma temporada de 8 meses como hoje, apenas começando e terminando em outra data. Seu argumento? DINHEIRO.

“Relevância é igual a receita. Temos que criar relevância, aí a receita se arruma sozinha”, afirmou Koonin. Segundo ele, a NBA não tem muita relevância para o público americano durante os seus primeiros meses porque ela está competindo com o futebol americano, seja o universitário ou a NFL. Não são só os jogos, que normalmente ocupam apenas o fim de semana, mas também o tempo dedicado nos programas esportivos, as páginas de jornal, os espaços nos sites, o número de repórteres que cobrem as modalidades, a atenção de quem começa e desenvolve discussões nas redes sociais e por aí vai. Em resumo, os EUA estão preocupados com futebol americano até o fim de Janeiro. Logo depois há o Superbowl e só então o basquete se torna personagem principal.

Nesse formato, a NBA não iria competir com o futebol americano universitário, GIGANTESCO por lá e que acaba no meio de Dezembro, e nem com a temporada regular da NFL, que também acaba logo depois do Natal. Nos Playoffs do futebol americano profissional há o bônus de menos partidas e nenhuma delas disputadas nas segundas ou quintas, este último dia que deveria ser todinho da NBA com as grandes partidas transmitidas pela TNT. Ter predomínio numa noite da semana é, para Koonin, criar relevância. “Se o King Kong está na sua porta, você foge pela porta dos fundos ao invés de ir lá e brigar de frente com o King Kong. Muitas vezes, no começo da temporada da NBA, estamos competindo com o melhor jogo do Thursday Night Football com nosso jogo da TNT. Somos esmagados e depois falamos que não sabemos o motivo”, afirmou.

Há uma discussão sobre como seria a audiência da NBA em Julho ou Agosto, verão nos EUA, já que normalmente o número de espectadores cai nesta época do ano. Mas como aponta Evan Wasch, responsável pelo calendário da NBA, em entrevista à ESPN, normalmente não há grandes eventos esportivos nessa época do ano, então só na prática poderíamos descobrir se grandes séries de Playoff em Julho renderiam atenção do público da TV no verão local. Embora o papo deles seja mais pensando no esporte local, onde só a interminável temporada regular do beisebol está em andamento nessa época do ano, o bônus se estende para outras partes do mundo: o meio do ano é quando já acabou o futebol europeu. Tirando os anos de Copa do Mundo, pode ser a chance da NBA ser absoluta no cenário esportivo global.

É uma estratégia ousada e que mexe numa tradição do basquete americano, mas que faz sentido. Ao mesmo tempo que todos sabem que uma temporada regular de 82 jogos é grande demais para que a gente ache todos os jogos relevantes e mereçam nossa atenção, ninguém quer diminuir o número de partidas com medo de ganhar menos dinheiro. A ideia de Koonin é valorizar a temporada regular não fazendo ela valer mais, mas simplesmente eliminando a competição de outros esportes pela atenção do público. Mas será que é assim que funciona? Muitos acreditam que o esporte hoje é só mais uma ferramenta de entretenimento e que por mais que tenha seu público fiel e alguma demografia específica, compete igualmente por nosso tempo e atenção com séries, filmes ou reality shows transmitidos em qualquer plataforma. Entretenimento versus entretenimento, não esporte versus esporte. Mas só descobriríamos na prática.


TESTES FORÇADOS?

Em um podcast recente, o Zach Lowe disse que a NBA está com tantas preocupações imediatas que a próxima temporada não está em pauta e que funcionários da liga riram quando perguntados sobre se a proposta de Koonin poderia ser adotada agora que a temporada que vem pode ser atrasada como consequência da paralisação atual. Entendo que ainda não é hora de decidir nada, mas será que é tão absurdo assim? Convencer jogadores, donos dos 30 times, Adam Silver, patrocinadores e todas as emissoras de TV que estão com contrato assinado até 2024 não será tarefa fácil, mas um ano isolado de teste motivado por uma situação especial que está mudando todo o planeta parece ao menos plausível.

Medir a perda de dinheiro da NBA nesta temporada, que já começou com prejuízos por causa de toda a briga diplomática com a China, vai ser útil para medir também a ousadia e a inventividade da liga nos próximos anos. Lembram que Adam Silver queria implementar nos próximos anos uma Copa de meio de temporada? Eram poucos otimistas e muitos olhares céticos há alguns meses, mas agora há um incentivo extra: e se render mais dinheiro? Um formato criativo, talvez usando regras parecidas com as do All-Star Game e com vários jogos sendo disputados numa mesma semana em Las Vegas com prêmios e muito entretenimento extra-quadra possam motivar os mais conservadores. O mesmo vale para o Play-In, o mini torneio que a NBA cogita para que sétimos, oitavos, nonos e décimos colocados de cada conferência se matem pelas últimas vagas nos Playoffs. Em meio a crise, quem se recusaria a algumas partidas VALE TUDO na televisão?

Há não muito tempo atrás se discutia o quanto a NBA iria continuar inovando no meio de uma maré boa sorte de popularidade e ganhos financeiros. Bom, a hora chegou: crise global, calendário confuso, incerteza e perdas financeiras. A hora dos criativos se engraçarem é agora.

Torcedor do Lakers e defensor de 87,4% das estatísticas.

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