Todo ano a pré-temporada da NBA é atropelada por conversas, notícias e rumores sobre renovações de contrato. É que o dia anterior ao começo dos jogos é a data limite para que jogadores que estão prestes a entrar no último ano de seus primeiros contratos possam assinar extensões contratuais. No caso deste ano estamos falando dos jogadores do Draft de 2016, que já disputaram três temporadas na liga.
Se time e jogador não entram em acordo antes da temporada começar, o atleta se torna ao fim do ano um Free Agent Restrito, o que quer dizer que ele pode assinar com qualquer time mas sua franquia atual pode ir lá e igualar a oferta para segurá-lo. É uma situação que traz alguma insegurança para o jogador, para o time e até mesmo para o mercado, já que nem sempre é fácil saber se um time pretende ou não segurar seus Free Agents.
Dois jogadores receberam extensões de contrato bem cedo e até viraram tema de podcast nosso. Ben Simmons e Jamal Murray tiraram de seus times os maiores contratos possíveis para eles: 170 milhões por 5 anos tanto para o armador do Philadelphia 76ers quanto para o jovem arremessador do Denver Nuggets. O Sixers já tinha dado a entender que vê Simmons como parte fundamental do seu futuro e não quis arriscar ter um jogador insatisfeito ao longo de um ano em que visam o título da NBA. O caso de Murray é mais polêmico: o canadense ainda não se consolidou como estrela da NBA, tem altos e baixos típicos da idade e não seria estranho ver o Nuggets esperando mais uma temporada para saber o quanto exatamente ele vale no mercado. Este é o primeiro ano em que Murray chega com expectativas muito altas em um time que muitos veem como um dos favoritos ao Oeste.
Mas isso já são águas passadas na discussão veloz da NBA. O que pegou mesmo nas últimas semanas foram as discussões para renovar com Brandon Ingram, Jaylen Brown, Buddy Hield, Domantas Sabonis e Pascal Siakam. Vamos ver o que aconteceu em cada um dos casos.
BRANDON INGRAM (SEM EXTENSÃO)
De todos os citados, Ingram foi o único que não recebeu uma extensão. Para entender o motivo é preciso compreender a posição do jogador e do time na hora de sentar na mesa e discutir cifras. O New Orleans Pelicans está muito bem na fita para quem acabou de perder um dos melhores jogadores da década: Anthony Davis foi embora, mas eles já têm Zion Williamson para assumir o protagonismo, ainda contam com Jrue Holiday, tem uma coleção de outros bons jovens como Lonzo Ball, Josh Hart, Nickeil Alexander-Walker e Jaxon Hayes e ainda mais tantas outras escolhas de Draft recebidas no negócio com o Los Angeles Lakers. Ou seja, o New Orleans Pelicans até pode (e deve) querer manter Ingram no elenco, mas o mundo não acaba se ele for embora.
Além disso, Ingram vem de uma temporada onde ele não conseguiu render muito bem ao lado de LeBron James e onde não jogou nos últimos meses após descobrir coágulos no sangue, uma condição que poderia até acabar com sua carreira. Tudo parece resolvido com sua saúde, mas é compreensível um time pensar duas vezes em comprometer muito dinheiro a alguém que passou por isso há pouco tempo. Some isso ao fato de que embora todo mundo concorde que o menino seja talentoso, falta descobrir até onde ele pode chegar. Seu arremesso vai melhorar? Ele consegue render ao lado de outros jogadores ou precisa ter a bola na mão para seus lentos ataques à cesta? Difícil para Ingram se fazer de difícil e jogar duro numa negociação sendo que a NBA inteira ainda tem dúvidas em relação a seu jogo.
Para o New Orleans Pelicans o melhor cenário é usar a temporada 2019-20 para descobrir essas respostas, estipular um valor máximo pelo qual eles pagariam para manter Ingram e aí sim testar o mercado. Talvez ele tenha uma temporada dos sonhos e o time tenha que pagar mais do que dariam numa extensão hoje, mas o risco parece calculado.
JAYLEN BROWN (115 MILHÕES POR 4 ANOS)
Um dado curioso para um time que teve tantas escolhas de Draft e jovens jogadores nesses últimos anos: Jaylen Brown é o primeiro jogador desde Rajon Rondo em 2009 a ser draftado e receber uma extensão do seu contrato de novato no Boston Celtics. E não foi sem drama: o negócio só saiu no último dia possível e veio cheio de asteriscos. O valor pode variar de 104 a 115 milhões de dólares dependendo de bônus de incentivo por performance e resultados.
Na imprensa americana muitos comparam Jaylen Brown a Jimmy Butler. Um jogador com boa defesa e ótimos atributos físicos mas sem um repertório de ataque muito refinado nos primeiros anos da carreira. Anos atrás Jimmy Butler esteve nessa mesma situação com o Chicago Bulls e famosamente recusou uma oferta de extensão de 44 milhões por 4 temporadas e disse aos repórteres que iria “apostar em si mesmo”. Ao longo daquele ano ele foi All-Star pela primeira vez, venceu o prêmio de Jogador que Mais Evoluiu, virou o principal nome do time no pós-Derrick Rose e ao fim da temporada abocanhou uma nova oferta de 96 milhões de dólares por 5 temporadas. Uma bela aposta que um pouco de azar ou um joelho estourado poderiam arruinar.
Surpreende que Danny Ainge, General Manager do Boston Celtics, tenha cedido tanto nessa negociação ao invés de dar menos e forçar Brown a também apostar em si mesmo. O ideal para um time quando assina com qualquer jogador é manter a sua flexibilidade. O atleta deve jogar bem para fazer valer aquela grana toda ou ao menos ser negociável o bastante caso o time decida traçar outra rota. Nesse caso não sei se será fácil negociar Jaylen Brown caso ele não deslanche como Butler.
O mais interessante dessas extensões de contrato é que elas envolvem jogadores que ainda estão em formação. Simplesmente não temos informações o bastante sobre Jaylen Brown, Brandon Ingram ou qualquer um dos outros citados para cravar que eles vão valer tanta grana pelas próximas quatro temporadas, mas ao mesmo tempo os times que draftaram, treinaram, desenvolveram e prepararam esses pirralhos querem tê-los agora que vão finalmente entrar no auge.
No caso de Jaylen Brown, o que falta descobrir é se o auge dele será como um grande defensor ou alguém capaz também de receber a bola na mão e transformar NADA em QUALQUER COISA. A capacidade dele de criar seu próprio arremesso contra um bom defensor ou de transformar infiltrações em bons arremessos para companheiros é o que fará ele pular de coadjuvante caro a estrela. E em um time com Kemba Walker, Jayson Tatum e Gordon Hayward ele não terá tantas chances de melhorar nesse aspecto pela mera repetição.
BUDDY HIELD (94 MILHÕES POR 4 ANOS)
Esse aqui vocês devem ter acompanhado pelo Twitter tamanha a novela. Buddy Hield não só negou uma oferta inicial de 90 milhões de dólares como fez DRAMA com o assunto, dizendo que se sentiu desrespeitado e que já iria começar a pensar em que outro time iria jogar no ano seguinte. Como essa é uma situação em que o jogador tem pouco poder, já que vira apenas Free Agent Restrito, ele pode usar o argumento do “não tem mais clima” para tentar forçar uma situação diferente. Foi o que ele fez, mesmo que tudo indicasse que internamente as coisas estavam bem encaminhadas. No fim das contas o aumento pós-charminho foi relativamente pequeno.
Há duas coisas interessantes no caso de Hield que o diferem do de Jaylen Brown: time e idade. Ao contrário do Boston Celtics, que está mais perto de um elenco que ambiciona o topo de sua conferência, o Sacramento Kings não vai aos Playoffs há mais de década. Uma coisa é o Celtics pagar caro para ficar como está, outra é um dos piores times da liga fazer o mesmo. Há também a diferença de idade: embora tenham sido parte do mesmo Draft, Brown tem 23 anos, enquanto Hield completa 27 daqui dois meses!
Nós só Buddy Hield fez os quatro anos de basquete universitário antes de ir para a NBA como só fomos descobrir em dezembro do último ano que o mundo inteiro não sabia ao certo quantos anos ele tinha. Em entrevista antes de uma partida contra o Minnesota Timberwolves ele disse que estava completando 26 anos naquele dia, causando espanto geral. Ele diz que nunca mentiu, apenas não corrigiu “os sites que estavam errados”. Golpe ou não, é diferente para um time dar um contrato para alguém de 27 ou 23 anos, as perspectivas de evolução individual são completamente diferentes.
Com Harrison Barnes e Buddy Hield comprometidos e com as futuras renovações de De’Aaron Fox e Marvin Bagley bem óbvias e previsíveis, o Sacramento Kings basicamente se amarrou a esse quarteto. Para muitos, o contrato dado a Hield praticamente sacramentou (com o perdão do trocadilho) a saída de Bogdan Bogdanovic ao fim da temporada. O tempo dirá se a escolha foi a correta. E cá entre nós, vamos perdoar Hield e condenar na verdade a renovação com Barnes no começo da offseason.
DOMANTAS SABONIS (77 MILHÕES POR 4 ANOS)
O drama do Indiana Pacers é conhecido e há muito discutido: Myles Turner é muito bom, Domantas Sabonis é muito bom, mas os dois juntos não são tão bons assim. Cada um deles joga melhor quando é o solitário homem de garrafão e o time perde eficiência quando eles compartilham as funções. Vale insistir até funcionar? Se não, quem deve ser negociado?
Se Saboninho não recebesse um novo contrato a mensagem enviada seria clara de que ele era o mais provável a deixar o time. E aí certamente os burburinhos seriam altos sobre uma possível troca ainda ao longo dessa temporada, para evitar perder o jogador de graça depois. Manter Sabonis então foi uma maneira de garantir um pouco de paz interna. Seu contrato é um pouquinho mais caro que o de Myles Turner (talvez uma exigência de seu empresário para fechar o negócio), mas são muito parecidos no geral. Ambos ganham bem, mas não tanto a ponto que seja difícil negociá-los com outro time.
O negócio, portanto, responde todos os anseios do Pacers. Eles ganham uma temporada sem drama para tentar fazer a dupla funcionar e uma peça de troca caso os dois sejam mesmo água e óleo no fim das contas.
PASCAL SIAKAM (130 MILHÕES POR 4 TEMPORADAS)
Pelo jeito ser campeão da NBA é um ótimo negócio. Quem, anos atrás, diria que Pascal Siakam seria o terceiro jogador do Draft de 2016 a receber um CONTRATO MÁXIMO?! A única diferença do seu negócio com os de Ben Simmons e Jamal Murray é a duração, de uma temporada a menos.
É curioso e um pouco assustador ver que um jogador que nunca chegou sequer a DEZESSETE pontos por jogo na carreira receba tanto dinheiro, mas é só ver Siakam jogando para perceber o motivo. Ele começou a jogar basquete muito tarde e de repente já estava ganhando bolsa para atuar nos Estados Unidos. No basquete universitário ficou conhecido justamente pelo saltos de qualidade que deu no seu segundo ano em New Mexico State antes de ir para a NBA. Entre os profissionais, só melhora rápida e avassaladora. Seu aproveitamento nos arremessos de 3 pontos, por exemplo, foi de 14% no primeiro ano para 22% no segundo e 36% na temporada passada. Neste começo de 2019-20 já alcançou 42% de acerto! E isso vale para seu controle de bola, defesa, tomadas de decisão e tudo mais. É um caso nível Kawhi Leonard de jogador que simplesmente não para de melhorar e melhorar como se fosse personagem de videogame.
E justamente por perder Kawhi que o Toronto Raptors estava em posição de pensar e investir nessa sua nova fase. Em um elenco com tantos veteranos em fim de contrato, por que não apostar com tudo no jovem tão promissor que eles já viram que é capaz de crescer até em Final da NBA? Renovar com Siakam é um prêmio pelo título, um voto de confiança por sua constante melhora e uma maneira de encaminhar uma futura reconstrução. O valor alto é também um jeito de mostrar para o resto da NBA que quem vence por lá é premiado, algo que tinha sido questionado ano passado após a troca de DeMar DeRozan. Sempre acho que se é pra dar o máximo, não há perda real em esperar um ano, mas às vezes o time quer passar um recado.
Certamente há em muitos o receio de que Siakam não consega alcançar aquele nível de ser a primeira opção ofensiva de um time que briga por título, mas é difícil achar alguém que aposte contra ele neste momento.
QUEM VENCEU E QUEM PERDEU?
Hoje é possível cravar Toronto Raptors e Indiana Pacers como os mais óbvios vencedores. Pascal Siakam, que já ganhou o prêmio de Jogador que Mais Evoluiu na temporada passada, aumentou sua média 16,9 para 26 pontos neste começo de temporada e não seria absurdo pensar que o prêmio pode ter seu primeiro bicampeão na história! Ele está fazendo um pouco de tudo e não parece nem um pouco incomodado com a responsabilidade maior no atual campeão. E considerando os rumores de times interessados em Domantas Sabonis, o Indiana Pacers fez um bom negócio em segurá-lo a um preço aceitável. Se precisar trocar não vai faltar gente correndo atrás, se não precisar é sinal que o time embalou.
O começo de temporada não está sendo muito bom com o Sacramento Kings de Buddy Hield, por outro lado. O time que tanto empolgou no último ano ainda não se achou sob o comando de Luke Walton e o ala, que tanto se beneficiava da correria imposta do Dave Joerger, não está em boa forma. E se a ideia do New Orleans Pelicans com Brandon Ingram era economizar, pode esquecer, o menino está voando nessas primeiras duas semanas de temporada. De qualquer forma, acho que o Pelicans prefere pagar caro tendo a certeza de que o ala vai jogar bem arriscar qualquer coisa. E ainda falta o desafio maior de ver se Ingram e Zion se encaixam dentro de quadra.
Por fim, derrotada também sai a offseason de 2020. Já não era um ano com tantos nomes interessantes assim no mercado de Free Agents e a lista ficou ainda menor após tantas extensões. Há um rumor, por exemplo, de que o Atlanta Hawks iria usar todo seu vasto espaço na folha salarial para ir atrás de Jaylen Brown e Domantas Sabonis. Não vai mais.