Manu Ginóbili, o singular

Quando Manu Ginobili contou, pelo Twitter, que havia decidido se aposentar, o mundo da NBA entrou em luto. Mais do que só os argentinos e os torcedores do San Antonio Spurs, fãs casuais, fanáticos por times rivais, repórteres e outros jogadores começaram a se rasgar em mensagens de saudosismo, agradecimento e muita, mas muita tristeza.

Não é incomum que a aposentadoria de um grande jogador cause comoção e homenagens. Só nos últimos anos vimos isso com Steve Nash, Kobe Bryant, Kevin Garnett e Tim Duncan, por exemplo. Mas devo dizer que em nenhum desses casos eu senti o nível de DEVOÇÃO que vi nas declarações destinadas ao ala argentino. O fato é que poucos jogadores na história da liga são capazes de agradar tamanha gama de torcedores. Não importa que medida você use para eleger seus jogadores favoritos, o argentino vai ter algo a oferecer.

Aos que valorizam só as vitórias, que consideram que uma carreira se conta pelos títulos, Ginobili responde com 4 anéis na NBA, uma medalha de ouro olímpica, um título da Euroliga, e todos como um dos personagens principais. Para quem dá mais valor aos jogadores “clutch“, aqueles que aparecem quando o jogo está nos minutos finais, Manu tem uma coleção de arremessos decisivos nos momentos mais tensos que um jogador de basquete pode enfrentar. Se você prefere dedicar seu amor aos mais criativos e inovadores, aqui estamos falando de um jogador com alguns dos lances mais criativos e imprevisíveis da história do basquete, sendo responsável direto por popularizar na NBA o euro step e por povoar a internet com vídeos onde faz seus rivais de bobo apenas com inteligência e pensamento rápido.

Existem ainda aqueles que se tornam fãs de jogadores pelos seus valores, pela maneira com que encaram o jogo. Aqui temos um cara ULTRA competitivo, raçudo, que não desiste jamais, que se joga no chão, que se sacrifica sem pensar duas vezes. O cara ainda teve a humildade e consciência coletiva de assumir o papel de reserva do San Antonio Spurs, sacrificando estatísticas e prêmios individuais, mesmo sendo um dos caras mais talentosos do PLANETA só porque o time funcionava melhor quando ele vinha do banco. Mesmo depois dos títulos nunca cedeu à tentação de ser o macho alfa num time mais ou menos por aí. Podemos incluir ainda o lado pessoal: Ginóbili não se envolve em polêmicas tolas, não fala bobagem na imprensa, é adorado pelos seus técnicos e companheiros de time e dá entrevistas inteligentes e bem articuladas.

Para os que se emocionam com superação, Ginóbili é a história improvável de um moleque crescido numa cidade pequena de um país que não tinha tradição de bons resultados no basquete. Precisou batalhar e mostrar serviço para virar profissional, para ir para a Europa e depois para a NBA, onde só foi selecionado na posição CINQUENTA E SETE do Draft. Uma mera carreira internacional já seria uma vitória, o que dizer de ganhar tantos títulos, de fazer um país se apaixonar pela seleção de basquete e virar um herói nacional no meio do caminho?

Não é só aí que Manu Ginóbili agrada a todos: quem valoriza mais o ápice de um jogador na hora de decidir onde ranqueá-lo na história pode se deliciar com as atuações fora de série que ele colecionou de 2003 a 2007. Mas ele também teve uma carreira longa (até os 41 anos), de 16 temporadas só na NBA e muitas conquistas antes de chegar lá se você prefere homenagear aqueles que conseguem o feito de serem relevantes por muito tempo. Enfim, escolha quase qualquer critério de avaliação e provavelmente lá estará Ginóbili em destaque.

O quase está na frase anterior por um motivo: números.

Realmente Ginóbili, por incrível que pareça, nunca teve média de pontos superior a 20 pontos, 5 assistências ou 5 rebotes por jogo numa temporada. Mas até aqui dá pra achar argumentos a seu favor: em um esporte tão guiado pelos números, em que até os jogadores mais altruístas se preocupam com suas estatísticas e onde contratos têm bônus milionários baseados em médias, é louvável que Ginóbili nunca tenha sequer TENTADO fazer esses números. Qualquer um que assistiu o argentino de perto vai dizer que não duvida que ele teria talento para inflar suas marcas, especialmente se atuasse em um time mais fraco e onde a bola ficasse o tempo inteiro na sua mão; ele simplesmente abriu mão disso. Oportunidades não faltaram: depois de ganhar títulos pelo Spurs ele poderia tranquilamente ter ido buscar outros ares para ser idolatrado, protagonista e até mais rico, já que ele aceitou cortes salariais para se manter ao lado de Tony Parker e Tim Duncan. Se os números não mostram a sua importância –até em minutos por jogo ele está bem abaixo dos grandes da história– é porque ele abraçou como nenhum outro a maneira coletiva de jogo que o Spurs tanto pregou nessas duas décadas de sucesso.

Todos, até Ginóbili, deixam claro que esse sucesso não aconteceria sem Tim Duncan. Era essencial para o Spurs ser comandado por um jogador que era ao mesmo tempo um dos melhores da história e um cara comum, que tomava e aceitava broncas e tratava todos em pé de igualdade. Também não aconteceria sem o técnico Gregg Popovich, que sabia delegar tarefas e ao mesmo tempo exaltar seus jogadores e deixá-los com os pés no chão. Mas se os dois foram os arquitetos, Ginóbili se tornou o produto final perfeito: o cara pensava primeiro no time, depois no time, depois no time e por último, talvez, um pouquinho, no time de novo.

Hoje em dia, toda vez que um jogador de mais renome aceita uma função menor num time, logo citam Ginóbili como inspiração. Mas nenhum jogador faz com tanta convicção, todos vendem a ideia de que estão “se sacrificando pelo grupo”. Manu nunca quis tapinha nas costas.

Foi um conveniente acaso da natureza que Ginobili tenha nascido canhoto. Se fizesse tudo com a mão direita, seria ainda genial, multicampeão, criativo e habilidoso, mas fazer tudo isso “ao contrário” foi o jeito do universo deixar claro o seu maior talento: fazer tudo de um jeito único.

De todos os talentos e qualidades que eu citei acima, a que me pega de jeito é a sua capacidade criativa de fazer jogadas básicas do basquete parecerem obras autorais e inimitáveis. É como se mesmo que a gente visse um jogo com uma tela borrada fôssemos capazes de apontar que aquele vulto ali é Manu Ginóbili, afinal ninguém mais faria uma infiltração daquele jeito, naquele ângulo e com aquela canhotinha. Os passes então, meu deus, aqui eu perco as palavras e me entrego ao vídeo:

O mais apaixonante desses passes de Ginóbili é que eles são criativos, mas não quebram o esquema tático onde estão inseridos. Boa parte dos grandes passadores da NBA hoje, como LeBron James e James Harden, ou até do passado recente, como Steve Nash, eram O SISTEMA INTEIRO do ataque. Eles davam grandes passes depois de passar boa parte da posse com a bola na mão, mantendo tudo sob seu controle. Impressiona como Ginóbili consegue colocar seu toque especial mesmo sendo só mais uma parte da engrenagem de múltiplos passes e jogadas ensaiadas do San Antonio Spurs. Ele segue o que é prescrito, mas não hesita quando vê um espaço para algo diferente.

No começo isso enlouqueceu o técnico Gregg Popovich, que dizia que ainda teria um ataque cardíaco com Ginóbili em quadra. A cabeça aberta dos dois, porém, fez com que a combinação deixasse o time melhor ao invés de criar um racha. Ginóbili aprendeu a se controlar de vez em quando e Popovich percebeu que em alguns momentos a melhor coisa era deixar o gênio trabalhar sua loucura.

Víamos a mesma coisa também na seleção da Argentina, um time muito disciplinado, com sistema tático bem definido e que contava com Ginóbili para ser o toque de inovação e talento para elevar o time de “arrumadinho” para destruidor. Na seleção ele ia além dos passes e se focava bastante em marcar pontos, mas a ideia era a mesma, a do tempero extra sem abrir mão da proposta coletiva.

Quando estivemos em San Antonio neste ano para acompanhar jogos da NBA, tivemos uma experiência que eu costumo chamar de “turismo de comprovação”. Sabe aquelas coisas que você já cansou de ver e saber mas que quer ir lá conferir ao vivo? Não importa o quanto a paisagem natural do Rio de Janeiro seja explorada diariamente em vídeos e fotos, você quer ir lá e ver com os próprios olhos. Com a gente isso aconteceu na hora em que vimos as CARAVANAS de argentinos que voam para uma cidade no interior do Texas para ver Ginóbili jogar antes dele se aposentar. Sim, sabíamos que isso acontecia, mas ver aquela multidão gritando foi a comprovação por sensação daquilo que sabia por informação: o cara é IDOLATRADO de um jeito que poucos esportistas são por seus compatriotas em todo o planeta.

Sempre defendo que a NBA nunca fica órfã. Nossos jogadores favoritos, daqueles que temos mais apego, podem ir embora e sempre ainda sobram DÚZIAS de outros que são geniais, empolgantes e que estão vivendo seu auge no basquete. Mas o estilo único de Ginóbili dá a essa aposentadoria uma sensação diferente, é difícil pensar no argentino e não dizer que ele é singular e insubstituível.

Torcedor do Lakers e defensor de 87,4% das estatísticas.

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