Muito mais que tática

Na noite desta terça-feira o Boston Celtics foi até Oakland e venceu categoricamente o Golden State Warriors por 128 a 95. Foi a maior derrota do atual bi-campeão desde que Steve Kerr assumiu o time na temporada 2014-15. O jogo teve o pacote completo dos sonhos do torcedor do Celtics: roubos de bola de Marcus Smart, ótimos pick-and-rolls entre Kyrie Irving e Al Horford, Jaylen Brown agressivo vindo do banco de reservas, cestas lindas da Jayson Tatum e um inspirado Gordon Hawyard marcando 30 pontos como nos bons tempos de Utah Jazz.

Só não saímos por aí dando o troféu para os verdinhos porque não queremos ser enganados pela milésima vez na temporada. Até agora cada vitória emblemática como essa tem sido seguida por outras tantas derrotas desanimadoras. Depois de ganhar mais uma vez do freguês Philadelphia 76ers há algumas semanas, por exemplo, o time viu derrotas seguidas para Toronto Raptors, Milwaukee Bucks, Portland Trail Blazers, Houston Rockets e até para o Chicago Bulls. É só um exemplo recente da montanha-russa que tem sido a temporada da equipe, sempre seguindo o roteiro de (1) vitória incrível, (2) derrotas inexplicáveis, (3) sequência animadora, (4) derrota traumática, (5) lavação de roupa suja e de volta ao item (1). O resultado é que a temporada está quase no fim e eles ainda estão no QUINTO lugar do Leste, atrás dos líderes dominantes Bucks e Raptors, do Sixers e suas duas trocas bombásticas e até do Indiana Pacers, que sobrevive firme e forte mesmo depois de perder Victor Oladipo. Não era o plano do Celtics.

Se há uma esperança de que as coisas possam ser diferentes agora, elas vêm da boca de Kyrie Irving. Monossilábico com os repórteres antes da partida, ele se abriu convenientemente após a grande vitória. Segundo o armador, a “longa viagem de avião ajudou”. Durante as muitas horas de voo para atravessar o país entre Boston e Oakland, Irving disse que teve boas conversas com o técnico Brad Stevens e com o presidente de operações Danny Ainge sobre a situação dele e da equipe.

Os jogadores também conversaram muito entre si e, segundo Irving, “cansaram de brigar entre eles e de lutar contra o mundo lá fora”. Não sei se uma única conversa resolve tudo, mas o mero reconhecimento de que o time estava se sabotando internamente é um grande começo. Até aqui na temporada já tivemos Kyrie Irving dizendo que quer ser líder e que iria renovar com o Celtics, depois dando para trás e dizendo que vai decidir o que faz ao fim da temporada. Ele também já criticou os jovens jogadores do elenco e teve que ouvir de Marcus Morris que o time não tinha identidade, que ninguém jogava em equipe (“só vejo um bando de indivíduos”) e que nem estava sendo divertido atuar lá nesta temporada. Tatum completou com um “talvez a gente tenha acreditado demais nas expectativas que colocaram sobre nós”.

O mais interessante dessa história toda é imaginar o pequenino Brad Stevens dentro de um jato particular conversando com o marrento Kyrie para tentar salvar a temporada. O cara tem uma das mentes táticas mais estudiosas e criativas da NBA, consegue enxergar qualidades em QUALQUER jogador e tirar até a última gota de talento do cara, cria, “rouba” e adapta as melhores jogadas ensaiadas de lateral e fundo-bola da liga, mas agora o trabalho dele depende do papo que ele vai levar com um jogador a não sei quantos mil pés de altura. Ele precisa ajudar Kyrie Irving a limpar sua cabeça da pressão pelos resultados, da pressão que ele mesmo assumiu quando disse que queria ser o líder do time e da pressão de ter que lidar com tudo isso enquanto o mundo da NBA só quer saber se ele vai jogar no New York Knicks no próximo ano. Haja lábia!


Muita gente tem perguntado o que a gente acha do trabalho do Luke Walton e se ele é tão ruim quanto os últimos meses no Los Angeles Lakers tem feito parecer. A minha resposta é que ele errou muito, mas não na parte que mais costumam apontar o dedo.

Não acho que Walton tenha feito absurdos táticos durante a temporada. Ele arriscou algumas coisas diferentes, é claro, como quintetos sem especialistas em arremesso, times baixos e sem reboteiros e até dois pivôs ao mesmo tempo, com Tyson Chandler e Ivica Zubac. Mas tudo isso era só ele tentando um pouco de tudo para salvar um time com o elenco mais bizarro de toda a NBA e cheio de lesões. Desde que as contratações rolaram em Julho do ano passado que a gente e todo mundo na Terra já batia na tecla que ninguém combinava com ninguém, que faltavam coisas óbvias e que o encaixe seria difícil. Dada às circunstâncias, acho que Walton fez o trabalho de testar tudo o que podia e tentar repetir o que mais funcionava.

O porém da história é que os deuses do basquete resolveram jogar no Hard e testar Walton de tudo quanto era jeito. Quando o time parecia finalmente ter uma identidade e estava bem colocado, LeBron James se machucou e perdeu praticamente um quarto da temporada. Quando a molecada parecia finalmente estar se adaptando à vida sem seu Rei, Lonzo Ball se machucou. E ainda tem a lesão no pescoço de Tyson Chandler, o único bom pivô defensivo do time, que limita seus minutos por jogo. Como se não bastassem os dramas físicos, ainda teve o tsunami psicológico que foi a saga da troca não realizada por Anthony Davis. O pedido de troca foi público e as ofertas que o Lakers supostamente fez, que envolvia basicamente TODO MUNDO EM LOS ANGELES, foram divulgadas por toda a parte. Ninguém ficou surpreso quando, por algumas semanas, o time pareceu disperso, desinteressado e fraco. Ninguém gosta de saber que vai ser chutado por coisa melhor a qualquer momento, né?

A dona do time, Jeannie Buss, e o presidente de operações Magic Johnson acusam o New Orleans Pelicans de agir com má-fé contra o Lakers. Eles dizem que o Pelicans vazou para a imprensa ofertas falsas para causar um turbilhão negativo dentro da franquia e que nunca sequer tinham a intenção de negociar com o Lakers, já que culpavam o time por tramar o pedido de troca do Monocelha. Na Sloan Sports Conference no último fim de semana, Buss invocou o argumento de que o time é vítima de “fake news”. Talvez haja exageros aí, mas não é de hoje que existem relatos de que o resto da NBA detesta o jeito que o Lakers trata a si mesmo como maior que o resto.

E aqui voltamos para Luke Walton: o que DIABOS ele poderia fazer nesse circo? É sabido que Magic Johnson gostaria de ter um técnico indicado por ele, não por seu antecessor. É sabido que LeBron James não tem qualquer admiração especial por Walton e que gostaria de alguém mais próximo no comando. É um ambiente feito para ele falhar e, não podemos negar, ele está falhando gloriosamente.

As críticas táticas que ele recebe, de decisões em quadra e de padrões de substituição podem até ter alguma validade em casos específicos, mas não vejo aí os problemas com o treinador. Em um time sem arremessadores, ele criou a equipe que mais pontua dentro do garrafão na NBA. Todo mundo sabe que o Lakers só tem isso e mesmo assim eles marcam pontos. O time também tinha a OITAVA MELHOR defesa da liga até a metade de Janeiro, quando a ausência de LeBron começou a pesar e os rumores de Anthony Davis ficaram altos demais.

Ou seja, Walton até que se virou decentemente na parte das quatro linhas. Faltou tato para lidar com Magic, lábia para ganhar LeBron, discursos inspirados para não perder os jovens jogadores no meio do turbilhão da Trade Deadline. Quando LeBron não se mexe na defesa, não é porque ele não sabe defender, é porque está frustrado. Lembra muito o Cavs pré-troca-todo-mundo da temporada passada, não?

E é também papel do técnico fazer esse trabalho de sempre tirar o melhor dos seus jogadores, desde os mais limitados até aqueles que brigam para ser o melhor da história do jogo. Não é fácil entrar na cabeça de LeBron e fazer ele acreditar que algo vai dar certo a essa altura do campeonato, mas era a única opção de Luke Walton. Não conseguiu.

A crítica vale também para o primeiro exemplo, o do Boston Celtics. Mesmo durante os Playoffs mágicos da temporada passada a gente já especulava como seria o processo de integrar a juventude que brilhou naquela ocasião com os veteranos que voltariam de lesão com gana de protagonismo. Como Jaylen Brown, Terry Rozier e Jayson Tatum iriam lidar com menos tempo de quadra, menos arremessos e menos atenção? Eles lidaram mal, claro, e Brad Stevens não conseguiu nem prevenir nem remediar.

São dois exemplos, em dois dos times com mais holofotes, que mostram como ser técnico da NBA é um negócios complexo. É preciso lidar com seus superiores, com seus comandados, delegar funções dentro da própria equipe de assistentes, tomar decisões em tempo real durante a partida e ainda saber lidar com as diferentes personalidades e egos de 15 diferentes jogadores. Tudo ao mesmo tempo e numa liga complexa onde problemas externos vão caindo no seu colo a todo momento. Então se eu acho que Luke Walton é ruim? Não acho, mas acabou numa situação onde também não mostrou que era bom o bastante para sobreviver.  Sua queda já é dada como certa.

A situação de Brad Stevens não é tão extrema ainda, ele tem muito apoio interno e mais resultados no bolso, mas seu lado psicólogo/conciliador está sendo duramente testado. Além da prancheta e das grandes sacadas, ele vai precisar de muito papo de avião para arrumar os problemas do seu Boston Celtics.

Torcedor do Lakers e defensor de 87,4% das estatísticas.

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