Na noite desta sexta-feira, Ricky Rubio me fez o fan boy mais feliz do mundo. Finalizou uma partida de 12 assistências, 8 rebotes e nenhum turnover com um arremesso de 3 no último segundo contra o OKC Thunder, em Oklahoma City. Era tudo o que a gente tinha previsto quando Rubio foi draftado em 2009: um armador que já era um dos melhores passadores do mundo, que usou a experiência para cortar os seus erros e que tinha aprendido a arremessar.
Minha tentação de escrever sobre Ricky Rubio era constante por diversos motivos, o principal deles era o fato dele ser um dos meus jogadores favoritos. Mas também porque em um grupo de amigos leitores do blog, um dos hobbys da galera é falar mal do armador para desespero de seu único fã além de mim, um pirado torcedor do Wolves. Sempre entendi como a galera pegando no pé dele, mas com o tempo pareceu real o desprezo a Rubio. Mas depois de publicar o vídeo do lance acima citado na nossa página no Facebook, vi que tem muito mais gente torcendo o nariz para o armador espanhol. Será que todos desistiram dele?
Na semana passada o Zach Lowe, meu comentaristas favorito da ESPN, fez um texto grande sobre Rubio, mas parece que muita gente não concorda com os seus elogios a Rubio. Nem o Minnesota Timberwolves. O texto começa com a revelação de que o Wolves ofereceu Rubio para o Milwaukee Bucks, no mês passado, por Khris Middleton, que, como percebemos, negou. A ideia parece óbvia: ter um baita arremessador para colocar num time com dificuldades enormes na linha dos 3 pontos, para então, no ano que vem, buscar um armador novo nessa liga inundada de atletas dessa posição. Até lá, poderiam voltar ao experimento de Zach LaVine como armador principal pra descobrir se dá certo (spoiler: não dá). O Bucks já havia mostrado interesse em Rubio no passado, mas negou o negócio porque provavelmente porque passam por problemas parecidos, eles mesmos são um time com poucas opções de arremesso de longa distância e precisam de Middleton por lá para fazer com que o adversário tenha pelo menos uma razão para defender alguém mais longe da cesta.
Então o que eu, Zach Lowe, meu solitário amigo torcedor do Wolves vemos em Ricky Rubio para gostar tanto dele? Não que eu espere convencer muita gente hoje, mas vamos lá. Eu começo pelo outro lado, tentando explicar a razão para os críticos serem tão vocais sobre seus defeitos. Tudo começa com a expectativa: todo jogador que foi uma escolha de Draft alta ou um fenômeno juvenil vai precisar ser mais do que um bom jogador para não ser considerado um fracasso. Então muita gente vê Rubio como um cara que não virou o que deveria ter virado, e há uma dificuldade compreensível em simplesmente apagar isso e só levar em conta o que ele faz hoje em quadra. O espanhol virou profissional com 15 anos de idade, foi titular numa final olímpica (e jogou muito bem!) com 17 e cometeu o pecado passivo de ter sido escolhido antes de Steph Curry no Draft de 2009. Os anos de espera para que finalmente fosse para a NBA só alimentaram o mito. Enquanto o atual MVP evoluiu a passos largos ano após ano, Rubio nos cansou apresentando as mesmas qualidades e defeitos de sempre. A frustração de dizer “ah, se ele aprendesse a arremessar” há 7 anos é um bocado frustrante, especialmente ao ver caras como o próprio Curry superando com gosto suas metas de melhorar na defesa e na capacidade de se manter saudável.
Abaixo é possível ver como o arremesso de Rubio não mudou muito ao longo dos anos. Quanto mais escuro o azul, melhor a média.
Ricky Rubio Shot Chart 2011-12 (seu ano de novato na NBA)
Ricky Rubio Shot Chart 2015-16
Apesar das inúmeras lesões que o atrapalharam muito nesses anos, esta já é a quinta temporada de Rubio na NBA e ele continua arremessando com um aproveitamento acima da média em apenas um ponto da quadra, aquele cantinho da zona morta mais escuro que vocês veem acima, no lado direito da tela, esquerdo do ataque do Wolves. Dentro do garrafão ele está bem abaixo da média do resto da NBA, 49% para Rubio, 55% para a liga. E mesmo no ponto citado onde foi bem foram apenas 9 acertos em 19 tentativas nesta temporada, muito pouco. E temos que lembrar que todos os adversários sabem disso, praticamente qualquer chute de Rubio fora do garrafão não é contestado.
Outra coisa que atrapalha Rubio é que ele não é um armador que não sabe arremessar em 1996, mas em 2016. Todos os dias ele está sendo comparado com caras que marcam mais de 20 pontos como se estivessem só amarrando o tênis, a percepção de um armador hoje em dia é outra, é de um cara que precisa pontuar para criar. Não é à toa que o Bucks está tentando usar Giannis Antetokounpo na armação, que LeBron James assuma essa função e que o OKC Thunder tenha insistido tanto para que Russell Westbrook aprendesse a função. Em uma liga dominada por pick-and-rolls, parece essencial que seu armador seja capaz de punir, com a bola na mão, a defesa adversária. Qualquer resposta de defesa envolve abrir espaços para outros jogadores. Hoje, na NBA, os únicos armadores que realmente jogam sem pensar em pontuar, além de Rubio, são os veteranos-e-também-não-americanos Marcelinho Huertas e Pablo Prigioni, além, claro, de Rajon Rondo.
A estratégia do armador-pontuador não está nem um pouco errada, já escrevemos bastante aqui sobre como Westbrook é um pesadelo constante para os adversários, que não podem desgrudar o olho dele por um segundo sequer, com o medo da enterrada na cabeça. Poucos times têm o privilégio de ter um jogador que demanda tanta atenção e, claro, abre espaços só por existir em quadra. Mas não é sempre que Westbrook toma a decisão certa, como também já nos acostumamos a ver e até aceitar. Jogar a 300km/h não deve ser fácil, então muitas vezes ele deixa de ver um companheiro seu, às vezes até mesmo Kevin Durant, livre para o arremesso e ao invés disso ataca um garrafão povoado de gente. Existem mais assistências além daquelas de atrair o defensor e tocar para quem fica livre, e é nessas que Rubio é absurdamente fora de série.
Já que citei Huertas acima, o Lakers está finalmente aprendendo a aceitar as maravilhas de não jogar só com jogadores que querem atuar no mano-a-mano. A mera presença do brasileiro em quadra faz os outros jogadores se mexerem em quadra, sabendo que se a jogada for bem executada, receberão o passe certo.
O mais legal de ver Rubio em ação é que não são só as suas assistências que são bonitas, mas que praticamente toda decisão que ele toma é correta ou ao menos muito bem pensada. Em alguns momentos parece que ele está com a gente, vendo o jogo pela TV, com um ângulo que abraça a quadra inteira. Poucos armadores na NBA, só gente do nível de Chris Paul e afins, são tão bons quanto Rubio em controlar a velocidade de um contra-ataque, por exemplo. O comum é só correr o máximo possível, mas o espanhol sabe ler quem está correndo a sua volta e controlar a sua velocidade para poder criar os ângulos necessários para o máximo possível de opções de passe.
No vídeo abaixo estão quase todas as assistências do Rubio contra o OKC Thunder. Reparem como na primeira ele já recebe o passe do rebote sabendo que Gorgui Dieng está livre na frente e nem pensa antes de passar a bola ao longo de toda a quadra; no segundo ele diminui o ritmo do contra-ataque e corta para o centro da quadra para dar tempo e ângulo para Andrew Wiggins passar por trás da defesa do Thunder. No segundo tempo, ele brinca com a defesa do adversário ao manter seu drible sempre vivo até que apareça o ângulo certo para o passe para Dieng no garrafão ou Karl-Anthony Towns, sempre livre na cabeça do garrafão.
Quase todas essas assistências parecem simples, que poderiam ser feitas por qualquer armador, mas elas são de um timing preciso demais. Parece frescura de quem é fã do jogador, mas o caminho é o inverso, eu virei fã porque dele porque aprendi a admirar esse aspecto da posição. Rubio me lembra muito Jason Kidd, que também era capaz de dominar jogos inteiros sem passes acrobáticos, sem arremessar bem e às vezes nem infiltrando muito para pontuar. Era dominante porque eram 48 minutos tomando as melhores decisões possíveis, às vezes era um pick-and-roll rotineiro, às vezes era nem sequer participar da jogada. Às vezes o fato dele e Kidd serem capazes de fazer tudo mesmo com todos sabendo que eles não são uma ameaça ofensiva só deixa o espetáculo ainda mais impressionante.
Uma coisa que Zach Lowe destaca no seu texto e que eu acho que é subvalorizado em Rubio é a sua capacidade de enxergar e procurar mismatches. Em segundos (literalmente) ele vê os duelos individuais em toda a quadra e sabe se algum dele deve ser aproveitado.
Uma vez um deles me impressionou demais. Rubio viu Wiggins sendo marcado por um cara muito mais baixo e fraco e, sabendo do gosto de Wiggins por jogar de costas para a cesta, viu que esse era o lance. Mas ao invés de só jogar a bola para o ala, que ainda estava longe da cesta, tomou o caminho mais longo: apontou para Wiggins ir para o garrafão, mas pediu um bloqueio do lado oposto ao que seu alvo estava, então atraiu a defesa com o lance e então imediatamente girou a bola para o outro lado da quadra para outro jogador, que então tinha o ângulo de passe perfeito para Wiggins, que estava, enfim, perto do garrafão e sem qualquer chance de receber marcação dupla. A assistência de Rubio, nesse caso, foi na chamada da jogada, não no passe.
É também com muito grito e liderança que Ricky Rubio faz o seu time melhorar defensivamente em quatro pontos a cada 100 posses quando está em quadra. Some isso aos 6 pontos que ele melhora no ataque e, em média, o Wolves é 10 pontos melhor com Rubio em quadra do que fora. Sinal também de que o banco é ruim? Sem dúvida, mas sempre gosto de lembrar que o quinteto titular do Wolves está entre os 10 melhores saldos de toda a NBA. Ricky Rubio não só é um dos líderes de toda a NBA em roubos de bola, como é um dos defensores mais inteligentes de toda a liga, conhecendo os adversários e sabendo quando arriscar. O Zach Lowe faz a associação que eu sempre quis fazer mas que me faltou a criatividade: ele é como Manu Ginóbili marcando, aquela mesma esperteza, quase malandragem, de induzir o adversário ao erro, de estar ligado em tudo e se aproveitar de cada vacilo. Mas também é algo que passa batido quando nossa imagem de bom defensor é a de um jogador com porte físico, rápido e que não toma dribles.
Desde a saída do técnico Rick Adelman, a quem Ricky Rubio, com razão, idolatrava, o armador tem sofrido na NBA. Depois de estrear com um ataque dinâmico, cheio de cortes no backdoor rolando sem parar, com velocidade e contra-ataque, Rubio passou os últimos anos em um time devagar, sem jogadores atléticos e basicamente apenas criando situações para que Kevin Love ou Nikola Pekovic recebessem a bola onde preferiam. Tiveram trocas de técnicos, elencos nunca saudáveis e, agora, viram Flip Saunders, General Manager que se auto-elegeu treinador, morrer em decorrência de um câncer logo no início da temporada. Não quero colocar os jogadores só como produtos do seu sistema, mas não acho que Steph Curry teria se tornado ESSE Steph Curry de hoje se tivesse sido selecionado um pouco antes e morasse na geleada Minneapolis.
O resumo da carreira de Ricky Rubio é que ele ficou ainda melhor no que já era bom e que não melhorou onde tinha que melhorar. A percepção de quem vê de fora é decepcionante porque exaltar seus passes e leitura de jogo hoje já é lugar-comum, e a gente queria ver um arremesso mais confiável. E a melhora nos passes e na leitura de jogo são mais difíceis de medir, então soa como uma estagnação. Não é assim, ele evoluiu como armador, o problema é não ter mexido nos defeitos. Como sabemos, a NBA é mestre em pegar a parte ruim do jogo de alguém e a expôr até que o cara não aguente mais. De repente, como já aconteceu com Roy Hibbert ou David Lee, você passa de All-Star a dispensável por 30 equipes sem nem perceber. Isso não aconteceu com Rubio, o que mostra como suas qualidades ainda fazem diferença, mas ele PRECISA melhorar no que ainda não aprendeu.
[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Não é porque ele é meu xodó, mas tem mais gente aí que nunca aprendeu a arremessar…”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/03/Ricky-Rubio-John-Wall.jpg[/image]
Na próxima temporada o Minnesota Timberwolves precisa tomar uma decisão essencial para o seu futuro, deve escolher um novo técnico para empurrar um dos mais promissores jovens elencos da NBA. Sem merecer muito, com vários golpes de sorte, juntaram Karl-Anthony Towns, Andrew Wiggins, Zach LaVine e Ricky Rubio. É muito talento jovem no mesmo lugar, até porque, apesar de estarmos enjoados de saber do espanhol, ele ainda tem só 25 anos. O problema é que o Wolves, desde que foi fundado nos anos 90, é especialista em conseguir juntar bons jogadores e não acertar com eles. Desde Stephon Marbury, Chauncey Billups e Kevin Garnett até Al Jefferson e Kevin Love, nunca faltou à franquia uma grande peça para se montar o time em volta, mas eles sempre conseguem estragar tudo antes de ver o cara brilhar em outro uniforme. Também está na conta deles a responsabilidade de fazer todos esses jovens, incluindo Rubio, melhorem. Os dois melhores times da NBA hoje, Golden State Warriors e San Antonio Spurs, têm sido os melhores também em transformar e evoluir seus jogadores. Não é coincidência.
Normalmente aqui eu voltaria para o exemplo de Jason Kidd, com quem eu já o comparei, dizendo que o atual técnico do Bucks melhorou seu arremesso ao longo da carreira. Porém, é possível encontrar um exemplo diferente: Shaun Livingston. Assim como Rubio, Livingston é um dos grandes cérebros da NBA, mas incapaz de arremessar de longa distância mesmo que a vida da mãe dependesse disso. Para ser relevante ofensivamente, portanto, ele aprendeu a jogar de costas para a cesta e desenvolveu um turnaround jumper quase indefensável. Pode ser um floater, um arremesso de média distância, um gancho plantando bananeira com a mão esquerda,mas ele simplesmente ser capaz de pontuar o faria subir alguns níveis como jogador da NBA.
Um time bem montado, treinado e com um banco de reservas razoável pode fazer até mais por Ricky Rubio, tanto por seu jogo quanto por sua imagem, do que os 5 pontos percentuais que ele precisa subir no seu arremesso de 3 pontos para alcançar a média aceitável da NBA. Mas, de novo, seria bom se ele fizesse a sua parte também. A dele é melhorar no que todos já viram que precisa, a nossa é entender que mesmo sem isso ele faz muita diferença em uma quadra de basquete. Quantos textos a mais sobre o Warriors a gente precisa fazer para ressaltar que tudo aquilo está acontecendo não APENAS pelos arremessos, mas mais ainda pelos PASSES? Valorizem os passes, valorizem Ricky Rubio.