O incansável Miami Heat

Em determinado momento desta temporada, o Miami Heat flertava, ao lado do tenebroso Brooklyn Nets, com a pior campanha de toda a Conferência Leste. Na exata metade do campeonato, o time da Flórida tinha apenas 11 vitórias e TRINTA derrotas! A equipe alcançou esta marca ao finalizar a primeira parte do ano com 15 derrotas em 17 partidas, sendo as únicas vitórias sobre os igualmente péssimos Los Angeles Lakers e Sacramento Kings. Parecia o fracasso inevitável de um time que viu escapar pelos dedos o trio mais poderoso e estrelado que a NBA viu nesta década: LeBron James decidiu voltar para casa, Chris Bosh foi barrado pela própria saúde e Dwyane Wade, o Sr. Miami Heat por excelência, decidiu pular fora ao não receber a proposta salarial que achava adequada. Como um time se recupera de perder todas suas estrelas em tão pouco tempo?

A receita mais óbvia estava na própria campanha ruim. O próximo Draft é considerado por muitos um dos mais férteis em possíveis “franchise players” e o Heat deveria, portanto, ficar lá embaixo na tabela para agarrar um desses pirralhos bons de bola e acelerar a reconstrução. Como ensinou Daryl Morey, manager do Houston Rockets, o grande objetivo da formação de um time é achar, antes de mais nada, a estrela da equipe. O time deveria então apelar para o tanking? Eu achava que sim. Especialmente porque neste ano menos times estão tentando perder de propósito, então é mais fácil ficar atrás de dragas como o Orlando Magic, o Philadelphia 76ers e outros que, por mais ou menos tempo, se iludiram de que poderiam brigar por vaga nos Playoffs. Uma simples troca de Goran Dragic, até mirando os 200 armadores que estarão no Draft do próximo ano, poderia dar mais chances do Heat emplacar essa renovação. Como em quase tudo que envolve montagem de times da NBA, era tão óbvio que claro que não aconteceu.

No Jogo 42 do ano as coisas começaram a mudar. A segunda metade da temporada 2016-17 começou com uma vitória sobre o forte Houston Rockets de James Harden. Logo depois eles bateram o Dallas Mavericks. De repente venceram também o Milwaukee Bucks e veio então o grande jogo do ano quando eles superaram o Golden State Warriors com AQUELE arremesso do Dion Waiters nos últimos segundos:

Embalado, o Heat então virou outro time e seguiu vencendo: Nets, Bulls, Pistons, Nets, Hawks, Sixers, Bucks, Wolves e Nets de novo até finalmente perderem para o Sixers. O calendário até ajudou dando três jogos contra o Nets num período curto de tempo, mas mérito do o time do técnico Erik Spoelstra que soube abraçar a oportunidade para fazer dessas 13 vitórias a MAIOR SEQUÊNCIA de êxitos consecutivos da história da NBA por um time com mais derrotas que vitórias. Em outras palavras, nunca que um time tão ruim tinha sido tão bom! Até agora, a segunda parte do ano do Heat soma 23 vitórias e só 5 derrotas, o time entrou na zona de classificação para os Playoffs e tem números comparáveis a apenas outros times que estão voando como o San Antonio Spurs e o Washington Wizards.

A reviravolta da temporada do Heat, além de ser uma das grandes histórias da temporada, mostra muito de como a franquia se enxerga. É sabido que Pat Riley, presidente e grande “tomador de decisões” da equipe, não é lá muito fã do Draft da NBA. Conseguir uma boa escolha normalmente é caro (se for via troca) ou demorado e doloroso (se for via derrotas), além de geralmente exigir um bom tempo até que o pirralho vire aquilo que você quer que ele se torne. Sem contar, claro, as incertezas de trazer alguém que nunca foi profissional antes. Na última vez que o Heat fez pouco esforço para vencer, as derrotas viraram Michael Beasley. É compreensível o trauma. Para Riley, a melhor estratégia para montar um time sempre passou por contratar jogadores em baixa, fazê-los alcançar o seu auge e então buscar as estrelas via Free Agency, vendendo o time como um exemplo de profissionalismo, vitórias e desenvolvimento interno (além da vida noturna de Miami, o calor da região e os baixos impostos da Flórida, claro). É a tal da CULTURA do Heat que vemos em cada canto deste elenco.

SpoRiley

Em uma entrevista ao Palm Beach Post, o já veterano James Johnson conta como, no Miami Heat e aos 30 anos, está tendo a melhor temporada de sua vida. Ele diz que tudo mudou quando o Heat, único time realmente interessado nele na última offseason, o fez tirar uma foto sem camisa antes do período de treinamento para esta temporada. A ideia era montar um “antes-e-depois” do seu físico, que parecia aquém do esperado. O ala disse que no começo se sentiu desrespeitado e até humilhado pela cobrança, mas que então deu uma olhada no álbum do tablet usado para tirar a foto e achou imagens de trocentos jogadores da franquia e sua absurda melhora. Quem mais o chamou sua atenção foi outro veterano, Joe Johnson, que jogou apenas 3 meses no Heat na última temporada e mesmo assim foi capaz de apresentar um corpo bem mais em forma no fim do ano.

“Sinto que quanto mais peso eu perco, mais posso fazer coisas que não achava que era capaz de fazer. Sou mais capaz de ser ágil, posso me mexer melhor, passar por espaços menores e aumentar minha intensidade durante o jogo”

James Johnson perdeu QUATORZE quilos para essa temporada, e sua porcentagem de gordura corporal foi de 14% para 7,5%. E não foi só ele, o arremessador Wayne Ellington, outro que vive seu melhor ano no basquete, cortou a gordura de 12% para 6,5%. Já Dion Waiters perdeu 5kg em comparação ao ano passado! Como diz Johnson, muito disso passa pela vontade do jogador, mas que ele deve o impulso para o começo da melhora à equipe de preparação física do Heat.

É uma cobrança de Riley e do técnico Spoelstra que o time inteiro esteja sempre no auge da sua forma física. Como o técnico gosta de dizer, “aqui não é para qualquer um”. Criado no Heat desde quando chegou como coordenador de vídeo em 1995, Spoelstra dedica boa parte de seu tempo e de sua equipe de assistentes para desenvolver individualmente os jogadores do elenco. A dedicação tem dado frutos com diferentes tipos de jogadores: eles tiraram Tyler Johnson, Rodney McGruder e Willie Reed da D-League, Josh Richardson veio dos confins da segunda rodada do Draft, Hassan Whiteside rodou o mundo antes de ter uma chance de voltar à liga em Miami e Luke Babbitt e Dion Waiters foram para o Heat após não serem lembrados por ninguém quando eram Free Agents. TODOS eles, junto dos citados Johnson e Ellington, vivem os melhores anos de seus carreiras agora em 16-17. E alguns, como Whiteside e Tyler Johnson até já conseguiram transformar a melhora apresentada no Heat em ganho financeiro em seus últimos contratos.

Muitos times não investem tanto assim na melhora individual de seus jogadores. Alguns acham que é perda de tempo gastar recursos com caras que talvez nem continuem no time, outros acham que simplesmente é difícil e raro demais transformar um jogador já profissional em algo diferente do que já é aos 20 e tantos anos. Existe também muita gente que até acha que é responsabilidade do atleta tentar melhorar, e que o técnico deve se focar nos treinos táticos e coletivos. O Heat, por outro lado, chega a produzir vídeos individualizados para cada atleta. Depois de todo santo jogo, todo jogador recebe um iPad com vídeos de lances seus e indicações do que foi feito certo e errado, e isso é trabalhado nos treinos seguintes. Entre os detalhes, Dion Waiters aponta o seu hábito de cair um pouco para trás ao pular para arremessos, hoje ele tenta pular reto e cair no mesmo lugar, o que fez seu aproveitamento pular para 42% no geral (segunda melhor marca na carreira, a melhor desde 2013) e 40% nos chutes de 3 pontos (melhor marca da vida). O tempo e os assistentes usados para essas coisas, em outros times, poderiam estar fazendo scout do próximo adversário, analisando vídeos de algum “prospect” que joga em Israel ou analisando dados estatísticos. Na hora de selecionar seus finitos recursos, o Heat prioriza o desenvolvimento individual de seus jogadores.

Na última semana, Spoelstra resolveu dar uma moral para o novato Rodney McGruder ao falar para a imprensa que ele deveria entrar na briga pelo troféu de novato do ano. Em parte porque esse é um prêmio sem vencedor óbvio desde a lesão de Joel Embiid, em parte para mandar uma mensagem ao resto do grupo e a quem ainda vai chegar:

Rodney traz aquela tenacidade e identidade que temos. Como queremos jogar? Quais são nossos hábitos? Qual é a nossa identidade? Esse cara. Ele mostra como devemos ser. O que Udonis Haslem significa para o Miami Heat em termos de jogador e cultura, isso é o Rodney. Ele é um Haslem de 1,94m

Ser comparado a Udonis Haslem dentro do Miami Heat é uma das maiores glórias que um jogador pode alcançar por lá. Sua liderança e influência dentro do time é tamanha que LeBron James, Dwyane Wade e Chris Bosh cortaram seus salários para que o time pudesse mantê-lo por lá em 2011. Não à toa o time o mantém no elenco mesmo sem ele conseguir atuar em alto nível aos 36 anos. Ele é a personificação do que o Heat quer ser, e McGruder virou titular ao abraçar a ideia por completo.

A questão da tal “cultura” do Heat é tão valorizada por lá que até houve uma enorme discussão no último ano sobre se eles iriam mesmo renovar com o Hassan Whiteside. Apesar do pivô ter se dado bem individualmente do trabalho feito com ele, sua personalidade ainda não batia com o que o time queria. Ele era muito individualista, muito obcecado por suas estatísticas, meio mimado e com o ego inflado demais para quem havia sido chutado da NBA pouco tempo antes. O Heat arriscou e o resultado tem sido muito bom, embora ainda não perfeito. Tal como Dwight Howard, Whiteside ainda quer muito jogar de costas para a cesta. Segundo dados do SynergySports, ele ainda dá 27% de seus arremessos no post-up, com aproveitamento de 43% nos arremessos, abaixo da média geral da NBA.

Mas pelo menos o Heat tem sabido, especialmente nessa segunda metade do campeonato, saber quando alimentar Whiteside, quando só usá-lo no esquema DeAndre Jordiano de pick-and-rolls, ponte aéreas e rebotes ofensivos e, mais importante, quando nem deixá-lo em quadra! Às vezes jogam sem pivô, às vezes com Willie Reed e, acreditem, o time tem números defensivos melhores sem seu pivôzão dando os seus tocos. Isso acontece porque Whiteside nem sempre é disciplinado na defesa, querendo fugir do que deveria fazer para caçar tocos. E também porque o grande diferencial defensivo do time está no perímetro, onde a citada excelência atlética do time faz toda a diferença. Vejam McGruder não deixando Kemba Walker nem receber a bola quando quer e ainda contestando seu arremesso de 3 pontos:

Essa potência física para ir contestar arremessos de 3 pontos faz com que o Heat seja o time que menos permite tiros de longa distância por jogo, e o time é também o que menos permite arremessos considerados “sem marcação”, que é quando nenhum jogador está próximo do atleta que tenta o chute. Não é fácil marcar nesse time que é, hoje, a 5ª melhor defesa da liga. 

Spoelstra também utiliza a boa forma física da equipe no plano tático ofensivo. O Heat é a equipe que mais faz infiltrações por jogo na NBA, são 35 vezes por partida! Mas, curiosamente, é o time com menor porcentagem de finalizações vindas de infiltrações. Isso acontece porque o time não entra no garrafão para necessariamente ir para a bandeja, mas é o jeito deles para fazer a defesa se mexer. Uma infiltração rende um passe para fora do garrafão, que então se torna um arremesso ou mais uma infiltração, dessa vez com a defesa toda aberta.

O esquema tático funciona porque o time está entrosado, treinado e porque juntaram vários jogadores versáteis. Embora Dragic seja o comandante do ataque, Tyler Johnson, Dion Waiters e até James Johnson são capazes de atacar a cesta e costumam fazer parte de todas as infiltrações que o time faz por jogo. O ala, aliás, conta como não tinha a confiança da comissão técnica do Raptors na temporada passada e agradece ao Heat por deixá-lo atuar como um point-forward em diversos momentos das partidas.  De novo, é o Heat explorando até a última gota do que seus jogadores podem dar.

Enquanto o LA Lakers vê seus pirralhos evoluírem devagar-quase-parando, enquanto o Philadephia 76ers busca o topo do Draft e o Orlando Magic parece decidir tudo em uma grande roleta aleatória, o Heat encontra jogadores em QUALQUER lugar e os transforma na melhor versão deles mesmos. É louvável e acho que trabalho comparável só pode ser achado em Dallas e em San Antonio, mas é o bastante? O Mavs peca em não dar continuidade ao trabalho e recomeçar tudo do zero a cada ano nas últimas cinco temporadas. O Spurs é o exemplo máximo de sucesso que junta esses caras desenvolvidos em casa com Free Agents que querem ir pra lá lutar por títulos. Onde o Heat entra nessa brincadeira para voltar a brigar por um título?

A ascensão do time nesta temporada o tirou a renovação via Draft do caminho, então para eles continuarem crescendo devem pensar em seguir esperando que o atual time melhore mais ainda ou devem mirar algum Free Agent ou troca de impacto. No atual elenco imagino que Tyler Johnson e Josh Richardson ainda podem jogar melhor, são jovens e em alguns dias são capazes de fazer grande diferença. Também apostaria que Justise Winslow, que está fora dessa temporada por lesão, pode virar alguém grande na NBA se conseguir sacar como pender mais para Kawhi Leonard do que para Michael Kidd-Gilchrist em seu espectro de possibilidades.

Trocar é sempre possível quando esses jovens jogadores têm contratos bons e muito potencial a ser vendido, mas o mercado por super estrelas é imprevisível e hoje em dia é preciso ter propostas melhores que Denver Nuggets e Boston Celtics para tentar roubar os Jimmy Butlers e Paul Georges que volta e meia são especulados em negociações. Mirando Free Agents, é possível abrir ao menos uns 15 milhões de espaço caso Chris Bosh se aposente, mas isso não é o bastante para brigar por Kevin Durant ou Blake Griffin no próximo ano. Não só o Heat precisaria de malabarismos para ter mais espaço como teria que rezar para esses jogadores não renovarem com seus times. Por fim, como essas estrelas veem o Heat? Eles escutam Wade reclamar que o time é mal agradecido ou se encantam com as histórias de sucesso dessa temporada?

Na dúvida, Erik Spoelstra e sua equipe seguem trabalhando.

Torcedor do Lakers e defensor de 87,4% das estatísticas.

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