O sonho de consumo

Não foi exatamente como no dia em que o Golden State Warriors contratou Kevin Durant, mas a internet também reagiu no maior clima “xibom bombom” quando o Cleveland Cavaliers conseguiu firmar uma troca com o Atlanta Hawks para levar Kyle Korver em troca de Mike Dunleavy e uma escolha de 1ª rodada de Draft. Será que, de novo, os ricos ficaram mais ricos enquanto os pobres ficam mais pobres?

A solução do Cavs foi muito bem pensada e bem executada. O time é o melhor do Leste, disparado, deve se classificar em primeiro na conferência sem dificuldades e é absoluto favorito contra qualquer outro de time de sua conferência, mas isso não quer dizer que tudo lá é perfeito. Dos 15 jogadores do elenco, apenas 8 participam da rotação de confiança do técnico Tyronn Lue. Caras como DeAndre Liggins, Jordan McRae e o agora trocado Mike Dunleavy entram pouco, em jogos menores, com placar resolvido e atuações não muito confiáveis. É pouco para um time com muita ambição e que tem o hábito de oferecer descansos eventuais para seus jogadores ao longo da temporada. Nesta semana, em jogo contra o Chicago Bulls, Kyrie Irving e Kevin Love não puderam jogar e o time perdeu em casa para uma equipe que passa por um momento ruim. Há algumas semanas eles perderam, por lesão, JR Smith, um dos jogadores de apoio mais importantes do time. Ele só deve voltar nos Playoffs. Por fim, o time ainda tem uma vaga morta no elenco, ocupada por Mo Williams. O armador decidiu se aposentar, não informou o time e seu contrato está lá, válido, mesmo com ele nunca tendo ido se apresentar. Uma confusão patética.

O Cavs, portanto, precisava de um negócio em que trouxessem um jogador que pudesse ser integrado à rotação, mas sem perder alguém importante no processo e, se possível, que esse novo atleta pudesse fazer algumas das coisas que JR Smith fazia, seja para cobrir o buraco na temporada regular, seja como precaução para os Playoffs. Vai saber como o ele vai voltar depois de tanto tempo parado, né? Dadas as circunstâncias, não dá pra imaginar situação melhor. O Cavs, que conseguiu Dunleavy quase de graça do Bulls na última offseason, em um negócio que também parecia o rico ficando mais rico sem se esforçar, não estava satisfeito com o novo jogador. Já aos 36 anos, não conseguiu fazer a diferença na defesa, estava acertando medianos 35% da linha dos 3 pontos e não fazia sentido tirar minutos de LeBron James, JR Smith ou sequer Richard Jefferson para acomodá-lo na ala. Foi encostado, fazendo com que o time perdesse basicamente NADA de prático no negócio. Nada do seu presente, pelo menos.

Para o seu lugar chega Kyle Korver, simplesmente um dos melhores arremessadores de todos os tempos. Que, por acaso, irá jogar com LeBron James, um dos melhores passadores de todos os tempos, especialista em consagrar bons chutadores de longa distância. O Cavs, segundo o repórter Brian Windhorst da ESPN, tenta juntar Channing Frye e Korver ao redor de LeBron desde 2008! O sonho de consumo chegou.

O primeiro chegou no ano passado, quando estava meio encostado no Orlando Magic, e revolucionou o ataque do Cavs. O time, que dependia do brilhantismo de LeBron, Kyrie e Love para pontuar, às vezes na marra, conseguiu, com Frye na posição 5, o seu próprio “quinteto da morte”, uma formação mais baixa, ágil e com arremessadores em todas as posições. Sem Frye não veríamos a chuva de bolas de 3 pontos que o Cavs fez nos Playoffs do ano passado, quebrando marcas que nem o Golden State Warriors conseguiu alcançar. Aliás, é quando Frye joga que o Toronto Raptors perde o controle dos confrontos contra o Cavs. Eles não conseguem deixar LeBron fora do garrafão, ele infiltra e já era, são especialistas em 3 pontos espalhados em todos os cantos da quadra. A função de Korver será entrar nesse cenário, saber para onde ir e receber o passe. Mais fácil, impossível.

Há duas temporadas Kyle Korver teve uma das melhores temporadas da HISTÓRIA da NBA em termos de arremesso de longa distância. Ele acertou INSANOS 49% nos tiros de 3 pontos, e fez isso tentando muitos tiros por jogo e vários deles dificílimos. Saca só o aproveitamento dele nas duas zonas mortas, lá no cantinho:

Korver

Esse. Cara. Não. É. Normal. O problema é que nos Playoffs deste mesmo ano surreal, justamente em um jogo contra o Cleveland Cavaliers, Korver machucou o joelho e foi obrigado a sair da sua rotina PESADA e milimetricamente planejada de treinamentos. O cara, conhecido por CARREGAR ROCHAS DEBAIXO D’ÁGUA, teve que ficar um tempo parado e chegou a admitir, em um podcast do JJ Redick, que a lesão influenciou muito mais o seu arremesso do que ele jamais poderia imaginar. Na temporada passada ele acertou 39% dos seus arremessos de 3 pontos, 4 pontos percentuais a mais do que a média da NBA, mas muito mais comum do que foi um ano antes. Nesta temporada, já livre das lesões mais graves, apenas sofrendo com os 35 anos nas costas, acerta 41% dos seus chutes de longe, um número muito bom, mas apenas o 26º melhor da temporada.

Embora o Cavs não vá ter Korver no seu nível mais insano, isso não é um problema. Uma análise mais próxima e detalhada mostra exatamente onde o ala está pior ou até melhor do que em seu ano mágico. E como o Cavs poderá tirar proveito disso.

Em 2014-15, Korver acertou RIDÍCULOS 47% dos arremessos que tentou vindo de um bloqueio, o chamado off screen. Isso é quando um jogador está em movimento e usa um corta-luz do companheiro para se livrar da defesa, receber o passe e imediatamente arremessar. Mais ou menos assim:

Nesta temporada, porém, o seu aproveitamento despencou para 31% nesse tipo de lance, abaixo da média geral da NBA! Em compensação, o seu aproveitamento em spot-up shots, que foi de excelentes 47% na temporada dos sonhos, SUBIU para 58% (!!!!!!!!!!!!!!!) neste ano. E sim, é claro que ele é o melhor da NBA nesse tipo de lance na temporada. O segundo, para desespero dos adversários, é Channing Frye.

Um arremesso de spot-up é aquele onde o jogador recebe a assistências já em posição de arremesso, não dribla, apenas pega a redonda e manda para a cesta. Mais ou menos assim:

Essa diferença absurda entre seu aproveitamento de um tipo de arremesso para o outro é compreensível. O primeiro, onde ele piorou, exige muito mais velocidade, coordenação motora, explosão física e um belíssimo esquema tático para funcionar. Não só ele está mais velho, mais lento e com o corpo machucado do que há dois anos, como seu novo Hawks é bem pior em movimentar a bola para achá-lo em situações boas. O segundo tipo de arremesso, por outro lado, basta estar no lugar certo, torcer para o passe chegar e fazer o que ele já faz no automático.

Entre todos os tipos de jogadas possíveis de se fazer no basquete, esse arremesso de spot-up, especialidade de Korver, corresponde a 20% dos ataques do Cavaliers, é a maneira mais comum do time finalizar um lance. O que o Cavs fez, portanto, foi pegar O MELHOR jogador da NBA naquilo que eles mais fazem todo santo jogo. Não é pouca coisa. Taticamente ele só precisa ver uns vídeos do JR Smith e correr para o abraço:

Ao comentar a iminente troca Korver disse que “sei que, em termos de basquete, é a situação perfeita para mim”. Mas ele também falou que jogar da NBA, embora seja o melhor emprego do mundo, não é lá o paraíso da estabilidade. Ele é um homem de mais de 30, tem família e terá que se mudar da cidade onde ESCOLHEU viver. Chato, mas LeBron James vai compensar com os melhores passes que ele vai receber na vida.

O Cavs, claro, perde um pouco na defesa. Se Korver sobrevive por mais de 10 anos na liga não é por sua defesa, o máximo que ele faz é se esforçar, saber ler o jogo e tentar não errar. Não sei se soa assim, mas é bastante coisa, só não é o bastante para marcar individualmente os grandes nomes da liga. O JR Smith, para surpresa de todos, se tornou um bom defensor nos últimos anos e salvou a pele do Cavs em alguns jogos, esse trabalho terá que ficar com LeBron ou Iman Shumpert. Marcar armadores, coisa que JR às vezes fazia, terá que ser tarefa de Kyrie Irving, que às vezes defende ferozmente, rouba bolas e dá show e às vezes passa um jogo inteiro dando migué e só esperando o time tomar ponto para ele ter a bola de novo e começar a driblar. Por sorte, porém, o Cavs pode PASSEAR na temporada mesmo com uma defesa mediana se o seu ataque e seu arsenal de longa distância continuar pegando fogo.

Vale a pena comentar também sobre a escolha de Draft que o Cavaliers mandou para o Hawks. Essa parte da troca não é tão decisiva hoje, mas é bem curiosa e pode ter seus desdobramentos futuros: o Hawks, malandro que é, não quis uma escolha de agora do Cavs. Eles sabem que o time é um dos melhores da NBA e que isso só os daria uma seleção no fim da primeira rodada. Eles pediram, portanto, a escolha de 2019! Como Kyrie é jovem e LeBron James não envelhece e nem se machuca, é possível que o Cavs ainda seja o grande time da liga por lá, mas pode não ser também. No basquete as coisas mudam rápido e o Hawks, que não tem pressa por ainda ter um bom time, vai apostar que isso vai dar frutos futuros.

O porém é que existe uma regra na NBA que impede que uma equipe troque suas escolhas de Draft em anos consecutivos. O Brooklyn Nets, por exemplo, quando foi ASSALTADO pelo Boston Celtics na troca de Kevin Garnett e Paul Pierce, cedeu as escolhas de 2014, 2016 e 2018 por causa dessa regra. O jeitinho que eles acharam para dar ainda mais foi o oferecer o que se chamam de “swap rights“, que é o direito que um dos times tem de inverter a posição com outra equipe. Então não é que a escolha de Draft de 2017 do Nets é do Celtics, ela ainda está em Brooklyn, mas quando chegar a hora da escolha o time de Boston pode pedir pra trocar de lugar. Dadas as circunstâncias atuais, sabemos que é bem mais vantajoso para os verdinhos fazer essa inversão.

O Cavs, portanto, para poder fechar o negócio, teve que fazer uma segunda troca. Foram até o Portland Trail Blazers e deram a escolha do time no próximo Draft em troca da seleção de 2018 do Cavs que já estava por lá há um ano, resultado da negociação que tirou Anderson Varejão de Cleveland.

Isso mostra como o Cleveland Cavaliers não está pensando muito na frente. Ano passado o Cavs mandou uma escolha de Draft e Varejão por Frye, agora manda mais uma escolha e Dunleavy por Korver, outro veterano. O novo jogador, aliás, está em seu último ano de contrato e o Cavs, com a maior folha salarial da NBA, poderá ter problemas em renovar com ele. É o clássico “vamos ganhar agora e depois a gente vê”. Pode ser perigoso eventualmente, mas é uma estratégia não só válida como correta. Ganhar um título é difícil demais, a cidade de Cleveland sabe disso mais que qualquer outra, então a ideia é aproveitar os anos de LeBron James por lá e maximizar a chance de conquistas. Se depois vier um período de vacas magras, sem escolhas e ativos para trocas, paciência. Muitos times passam por essa reconstrução sem ter uns anéis de campeão para consolar.


[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”All-Star Game ou Atlanta Hawks? Foi um ano estranho”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2015/10/Hawks.jpg[/image]

Mas o grande movimento ainda está por vir e ele se chama Paul Millsap. O Hawks pretende manter o seu melhor jogador na temporada? Vai gastar uma grana PESADA para renovar com o jogador que já tem 32 anos nas costas? Ou os boatos finalmente são verdadeiros e uma troca esta próxima? O que, afinal, o time de Mike Budenholzer está pedindo para os outros em troca do ala? Meu palpite é que eles buscam algum jogador para compor imediatamente o papel de Millsap, de preferência mais jovem e com o tal do “potencial” e, claro, ao menos uma escolha de Draft. Quem vai abrir o cofre para ter o jogador apenas pelos próximos meses? Acho que falaremos muito mais do Atlanta Hawks nas próximas semanas.

Torcedor do Lakers e defensor de 87,4% das estatísticas.

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