A princípio, o Toronto Raptors parece ser um dos times menos interessantes para serem vistos e analisados neste começo de temporada. Depois de uma offseason com tantas mudanças, por que a pressa em olhar para um time que se esforçou justamente para não mudar demais?
As maiores alterações no elenco nos últimos meses se deram apenas por questões salariais e visando a manutenção das peças mais importantes. Para bancar os renovados contratos de Kyle Lowry e Serge Ibaka, tiveram que negociar Cory Joseph e DeMarre Carroll e não renovaram Patrick Patterson. Do atual elenco, só o novato OG Anuoby e o ala CJ Miles, que veio do Indiana Pacers na negociação por Joseph, não estavam no time em 2016-17.
Como um time tão igual, cuja base está junta há tantos anos, pode mudar? Pois bem, é o que parece. Em março deste ano, ainda na temporada passada, o técnico Dwane Casey já dizia que queria que seu time arremessasse mais vezes da linha de 3 pontos. Na época eles arremessavam 24 vezes de longe por jogo, apenas 8 dos 30 times da liga tentavam menos vezes, e o treinador comentava que gostava de jogar com dois armadores —Lowry e Joseph— ao mesmo tempo porque assim eles conseguiam gerar mais arremessos de longe mesmo sem mudar o seu livro de jogadas. A mera presença de um arremessador de longe no grupo gerava os espaços necessários.
Pulamos para este ano e vemos que o Toronto Raptors saltou de 24 para 31,7 bolas de 3 pontos tentadas por partida, marca que coloca o time na 5ª posição da liga em tentativas por jogo e em 8º em frequência (33,5% dos arremessos do Raptors são de 3 pontos). Olhem a diferença da distribuição dos arremessos do Toronto Raptors em 2016-17…
…para 2017-18
Sumiram os tiros de meia distância! Até DeMar DeRozan resolveu (ainda de maneira bem tímida) assumir que vive em 2017 e colocar o arremesso de longe em seu arsenal. Pulou de 1.7 para 2.6 tiros de 3 por jogo. E olha que no All-Star Game do ano passado ele tinha dito que não era de fazer isso não:
Mas afinal, essa mudança toda vale a pena? Vamos fazer contas:
No ano passado o Toronto Raptors acertou 41% dos seus “long-2s”, aqueles chutes de 2 pontos que não são próximos da cesta. A cada 10 arremessos desses, portanto, eles conseguiam, em média, 8,2 pontos. Na atual temporada, o Raptors tem acertado 31% dos seus arremessos de 3 pontos, o que quer dizer que a cada 10 arremessos eles faturam 9,3 pontos.
Não resta dúvidas de que a bola de 3 pontos rende mais pontos mesmo com a diferença de aproveitamento. E ainda precisamos colocar os agravantes: estes 41% de acerto de “long-2s” do ano passado equivaliam a 11ª melhor marca da NBA, enquanto os 31% das bolas de 3 desse ano significam que o Raptors é TERCEIRO PIOR time da liga em aproveitamento. Se você se pergunta a razão pela qual o Houston Rockets quer ABOLIR os arremessos de meia distância do seu jogo, aí está o Raptors dando o exemplo: estar colado no Top 10 de chutes de meia distância rende menos pontos do que estar na zona de rebaixamento dos 3 pontos.
Essa mudança, porém, não vem sozinha. Podemos ver outros números mudando também: o total de assistências, que era o menor da liga, subiu bastante. A frequência de rebotes de ataque, com menos gente no garrafão, despencou. No fim das contas, o time que teve o 5º melhor ataque da NBA na última temporada tem, hoje, o 6º melhor. Muita mudança para ficar na mesma coisa? Muita mudança só pra entrar na modinha?
Eu acho que não. Manter o mesmo nível ofensivo mesmo com um aproveitamento péssimo de longa distância mostra que há espaço para ser ainda melhor quando os chutes começarem a cair e se o elenco estiver engajado em melhorar nisso. Também é um jeito de deixar o ataque mais difícil de ser defendido nos Playoffs, onde eles realmente sofreram nos últimos anos. Os arremessos de 3 pontos criam mais espaço na quadra e tiram a chance de embolar as defesas em cima de Lowry e DeRozan. Nesses lances contra o LA Lakers dá pra ver como o time até cria bolas de DOIS PONTOS com menos marcação porque há espaço de sobra para agir quando todos os jogadores estão na linha dos 3:
Mas, claro, o prêmio maior são as bolas de 3 pontos. Nessa infiltração de Kyle Lowry contra o Denver Nuggets ele atrai defensores extras e ganha 3 opções para passar no perímetro: DeRozan, Ibaka e Powell. O marcador de DeRozan não se mexe, o de Powell corre para marcar Ibaka e então o ala sobre livre para arremessar. Se um deles não fosse uma ameaça de arremesso ou se estivesse mal posicionado, nada disso aconteceria:
Havia uma dúvida grande sobre o que fazer com esse Raptors. O time era bom demais –o melhor da história da franquia– para ser simplesmente descartado e remontado, mas também não parece talentoso o bastante para fazer mais do que nos últimos dois anos. Mudar a identidade ofensiva foi a solução de Dwane Casey para manter o que estava dando certo e criar ao menos uma chance de dar um passo além. O elenco pode não ser perfeito para isso, mas se DeMar DeRozan (32%), Norman Powell (30%) e Kyle Lowry (33%) subirem um pouco o nível de acerto nas bolas de longe, vai dar pra fazer barulho no Leste por mais tempo.