O valor do coadjuvante

No fim de Janeiro o Dallas Mavericks perdeu o pivô Dwight Powell por uma grave lesão no tendão de aquiles. Um final triste para a temporada boa de um jogador que, aos 28 anos, finalmente havia conquistado a vaga de titular após tantos anos como reserva. Tirando o baque de perder um companheiro por uma contusão tão séria, será que o time iria sentir tanto assim a falta de Powell? Apesar de titular, ele é apenas o sexto cestinha do time, com 9,4 pontos por jogo, praticamente empatado com Maxi Kleber, JJ Barea e Jalen Brunson, logo atrás com 9 pontos por partida.

Só que um jogo de basquete não é só pontuação, ele pode ajudar de outras formas, não? Mesmo sendo o pivô do time, Powell tinha média de apenas 0,6 toco por partida, marca igual à do ala Dorian Finney-Smith e menores que a de Kristaps Porzingis e Maxi Kleber. Rebotes então? Apenas 5,7 por partida, apesar dos quase 2,10m de altura. Temos que cavar além das estatísticas mais tradicionais.

O Mavs reconhece sua importância: não só ele era titular absoluto, como assim que ele se machucou o time tratou de arranjar uma troca por alguém com exatamente as mesmas características. Uma escolha de segunda rodada virou Willie Caulley-Stein, que estava sofrendo na esquecível temporada do Golden State Warriors, mas que ao longo da carreira mostrou saber fazer o que Powell fazia: corta-luzes, cortes rápidos após bloqueios e enterradas. É simples e por isso mesmo ele não é considerado uma estrela da NBA, mas é incrível como Powell ajudou Doncic a mostrar tudo o que é capaz de fazer em quadra. Entender Powell é, curiosamente, um jeito de entender O MELHOR ATAQUE da NBA nesta temporada.

Comecemos com o que chama mais a atenção, as enterradas. Abaixo temos três cravadas de Powell, todas com assistência de Luka Doncic, que mostram como a função do pivô pode parecer fácil, mas é essencial para que o esloveno possa brilhar. Na primeira jogada Doncic ataca a cesta e chama a atenção de TRÊS DEFENSORES. O primeiro é Mario Hezonja, que fica para trás rápido, o segundo é Kent Bazemore, que escolhe ficar na cobertura mesmo deixando Tim Hardaway Jr. livre no processo. Mas mesmo com o companheiro lá, Hassan Whiteside sente que é preciso ir lá dar um toco e é nesse momento que Powell, que era marcado pelo pivô, ataca o espaço vazio e dá a opção de passe para Doncic.

Na segunda jogada, contra o LA Lakers, Powell vence o lance ao fazer um bom corta-luz em Kentavious Caldwell-Pope. Ele não só libera espaço para Doncic atacar como consegue se virar e seguir na frente do ala do Lakers. A situação então é de um dois contra um: Doncic e Powell contra JaValle McGee. Aí basta Luka esperar o pivô rival morder a isca e lançar a ponte aérea. Jared Dudley até lê a jogada, mas chega tarde e não consegue evitar o salto rápido de Powell. O terceiro lance, enfim, é bem parecido: bloqueio, dois contra um e ponte aérea. A diferença é que ele é gerado em um handoff, ou seja, Powell tem a bola na mão e faz o corta-luz enquanto entrega a bola para Doncic. Opção importante para quando o esloveno tem trabalho de iniciar uma jogada por causa de uma marcação apertada.

Duas coisas chamam a atenção nos lances. A primeira é como os bloqueios de Dwight Powell são eficientes, como eles não são aquela coisa preguiçosa que muita gente faz na NBA, mas realmente paredes de carne e osso que impedem os defensores de seguirem acompanhando Doncic. A outra são os arremessadores que ficam LIVRES em todos os lances. Cliquem no play lá de novo e reparem como Hardaway Jr e Jalen Brunson ficam sozinhos quando a defesa percebe que a chance da enterrada de Powell existe e alguém corre para ajudar. Nesses casos a opção foi o pivô, mas os lances abaixo mostram como às vezes a ameaça do pivô ajuda Doncic a criar algumas das 15 bolas de 3 pontos que o Dallas Mavericks acerta, em média, a cada partida:

O legal dessas duas jogadas é que em uma a defesa parecia atenta, na outra parecia dormindo, e o resultado foi o mesmo. Reparem que na primeira jogada, contra o LA Clippers, Doncic usa o corta-luz de Powell e Paul George, que estava marcando Tim Hardaway Jr, imediatamente dá um passo em direção ao garrafão para interceptar ou atrapalhar o passe. É nesse exato momento que Luka percebe a escolha do adversário e já mira Hardaway Jr para o arremesso de longa distância. Na outra jogada, contra o Phoenix Suns, Devin Booker não parece lá muito atento como Paul George (ele mal mexe as pernas ao longo do lance inteiro), mas o garrafão estava cheio e então o passe para Hardaway Jr na zona morta parece o mais indicado. Tudo gerado após bloqueios bem feitos e a ameaça da ponte aérea.

Há algumas semanas compartilhei no Filtro Bola Presa, uma seção exclusiva só para nossos assinantes, um texto em que o autor defendia que as screen assists fossem mais respeitadas e valorizadas entre os fãs e comentaristas da NBA. Para quem não conhece, uma screen assist é uma “assistência de corta-luz”, é quando um arremesso é gerado graças a um corta-luz bem feito por alguém. Assim como o passe vira uma assistência e valoriza quem achou o pontuador, criaram algo que dá valor mensurável a quem fez o trabalho sujo que deixou o arremessador sem marcação. O líder da NBA é Rudy Gobert, que soma 7,4 screen assists por jogo. Logo atrás dele está Domantas Sabonis, Bam Adebayo e mais abaixo, na sétima posição de toda a liga, vemos o nome de Dwight Powell.  Vejam só como os adversários não passam de jeito nenhum por seus corta-luzes, que criam espaço de sobra para Doncic fazer sua mágica:

E para critério de comparação, vejam como Willie Caulley-Stein não consegue sempre gerar o mesmo efeito. O timing e o entrosamento ainda não estão lá, e o pivô muda o lado do bloqueio de última hora, sem intensidade, criando pouca separação. Dá certo porque a defesa é fraca (de novo o Suns!), mas ainda falta um bocado para chegar no nível de Powell:

O Mavericks fez um ótimo trabalho nos últimos anos ao transformar jogadores secundários, que o resto da NBA não queria, em boas peças complementares. Elas sozinhas não eram grande coisa, mas ao lado de Doncic viraram pontos de destaque. Dwight Powell foi uma delas, que chegou na liga como um arremessador de meia distância pouco eficiente e se ao longo dos anos se tornou essa ameaça constante de enterradas que gera espaços para seu armador e para tiros de três pontos. Por mais coadjuvante que ele seja, é um talento específico que não vai ser fácil de ser substituído.

É claro que o Mavs tem inúmeras armas em seu arsenal e que o time sabe pontuar sem Powell. Maxi Kleber é capaz de fazer alguns bons pick-and-rolls, Boban Marjanovic faz estragos com seus corta-luzes e Willie Caulley-Stein vai melhorar quando Luka voltar de lesão no tornozelo e eles conseguirem jogar mais juntos. Há também a ótima fase de Kristaps Porzingis, que vem melhorando bastante ao longo da temporada. Mas mesmo assim Powell é uma boa lembrança de como jogadores secundários, os tais role players, podem ser importantes para um time deslanchar e como suas saídas podem forçar ajustes táticos.

Para se ter uma ideia da importância de Powell, dos cinco quintetos que mais passaram tempo em quadra pelo Mavs nesta temporada, QUATRO envolvem o pivô e todos estão entre aqueles com melhor saldo de pontos do time ao longo do ano. O único que não tem o pivô é composto apenas por reservas, então nem Luka está nele. O entrosamento da dupla era muito explorado pelo técnico Rick Carlisle e os resultados, como vimos nos vídeo acima, eram bons demais. Os números são do Cleaning the Glass:

Captura de Tela 2020-02-12 às 5.08.25 AM

Mas talvez a melhor comparação seja entre dois quintetos quase idênticos. O melhor grupo do Mavs na temporada é o de Luka Doncic, Tim Hardaway Jr, Dorian Finney-Smith, Maxi Kleber e Dwight Powell, que jogou 195 posses de bola e tem saldo INSANO de +35,8 pontos a cada 100 posses de bola. Ou seja, a cada 100 posses que eles jogam com esse grupo, fazem 36 pontos a mais que sofrem. Já uma combinação quase idêntica, mas com Porzingis no lugar de Powell, tem saldo NEGATIVO de 7,1 pontos em 129 posses de bola disputadas. E a culpa nem é necessariamente do letão, já que ele está presente em diversos outros grupos com saldos ótimos, a questão é que ele não faz a função específica de Powell.

E sem querer ser muito dramático com números, já que a amostragem é minúscula, mas não parece coincidência que Doncic, em 38 jogos ao lado de Powell, só deu menos de cinco assistências TRÊS vezes nesta temporada. E agora, em apenas cinco jogos sem seu parceiro, já foram mais dois jogos com menos de cinco passes decisivos. Na época da lesão, Powell era o jogador que mais tinha recebido assistências das mãos de Luka na temporada, 61 conexões. É claro que a queda de produção do time nas últimas 10 partidas, com apenas cinco vitórias e cinco derrotas, tem muito da lesão recente no tornozelo de Doncic, mas mesmo antes disso a coisa não estava bonita como no começo da temporada. Jogadores secundários não fazem times ruins serem bons, mas ajudam muito times bons a serem ótimos.

Torcedor do Lakers e defensor de 87,4% das estatísticas.

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