🔒Quem quer ser o vilão?

Após uma vitória sobre o Portland Trail Blazers em 2011, LeBron James, então em seu primeiro ano no Miami Heat, foi perguntado sobre as suas interações frequentes com as torcidas adversárias naquele ano. Da onde vinham as provocações, encaradas e exibição de músculos? “Eu meio que aceitei o papel de vilão que me deram”, ele disse, “estou bem com isso”. Alguns meses antes, como resposta a avalanche de críticas que LeBron recebeu pela maneira que saiu do Cleveland Cavaliers, a Nike preparou um comercial onde a grande estrela da marca se perguntava, de maneira irônica, exatamente sobre esse tema. “Deveria me tornar um vilão? Deveria ser o que vocês querem que eu seja?”

Os vilões da vez são os jogadores do Golden State Warriors. O cenário era de certa forma previsto, mas mesmo assim foi estranho quando aconteceu. O time era encantador quando era só um bando de pirralhos ousados que faziam arremessos de 3 pontos na cara de todo mundo, levando a eficiência dos tiros de longa distância do papel para a realidade e jogando um basquete veloz que todos gostam de assistir. Mas bastaram alguns recordes para cutucar gente graúda, que começou a questionar a grandiosidade do time. E a avalanche de matérias na imprensa sobre como eles eram sensacionais fez parte do público se cansar e passar a torcer contra. Alguns chutes no saco depois e todos estavam detonando o time amarelão que perdeu a final. Quando, um mês depois, eles contrataram Kevin Durant, se tornaram o inimigos número 1 do mundo do basquete. O motivo? Difícil saber, mas pelo jeito montar o melhor time que você conseguir não é justo com os seus incompetentes rivais.

Nesta última semana, alguns jogadores do Golden State Warriors se reuniram para brincar com drones (!!!) e, vejam só, publicar nas redes sociais imagens do elenco, unido sob balões que formavam a frase “Super Vilões”: Draymond Green, o mais ativo da turma na internet, mostrou o resultado:

Vilões

Embora pareça uma grande brincadeira, uma tiração de sarro com o criticismo recebido nos últimos meses, fiquei surpreso com todo o trabalho que eles tiveram para fazer essa foto. Há menos de um mês o mesmo Draymond Green havia dito que eles não davam bola para o que diziam sobre eles: “Ninguém nesse time está chamando um ao outro de vilão por aqui, não nos importamos com isso”. Organizar uma grande foto com balões formando uma frase não é a melhor maneira de dizer “não tô nem aí”, porém.

Ficou parecendo mais essa reunião aqui:

O sucesso do Golden State Warriors neste não se dará por serem vistos por eles e pelos outros como Super-Homem ou Lex Luthor. Mais importante que isso são os ajustes defensivos que precisam acontecer, o desenvolvimento do banco de reservas e a evolução do entrosamento entre as novas peças. Mas não consigo ignorar o quanto a leveza fez parte da construção deste Warriors que alcançou duas finais consecutivas. Começou quando eles demitiram ranzinza Mark Jackson, envolto em brigas internas e picuinhas, e trouxeram o tranquilo Steve Kerr para ser técnico; e foi levado pra frente com diversas personalidades leves e que valorizam a amizade dentro do grupo: Steph Curry, Leandrinho, Andre Iguodala e até Klay Thompson e sua fama de desligadão que não tá nem aí pra nada. Até Luke Walton, como estamos vendo agora com o LA Lakers, era um grande surfista que fazia a ponte entre a comissão técnica e os atletas. Andrew Bogut, ao retornar para Oakland para enfrentar seu ex-time, disse que o que mais sentia falta no Warriors era em como tudo era no automático. Todos sabiam seus papéis, não havia pressão ou trabalho desnecessário. Os jantares do grupo inteiro nas viagens ao longo da temporada não ficaram famosas à toa, era um dos times mais unidos da NBA.

De um jeito estranho, a personalidade de fora da quadra casava bem com o que faziam lá dentro: pareciam calmos quando estavam atrás no placar, se deixavam arremessar de longe em qualquer situação e todos os jogadores compartilhavam passes como se fossem mesmo um bando de amigos na pelada. Tinha tática, tinha força e tinha defesa, mas tinha a identidade da equipe por cima de tudo isso. Eles vão conseguir manter essa aura de caras descolados da Costa Oeste sem o mesmo elenco? Vão repetir a tranquilidade enquanto todos os ginásios adversários, ao invés de se entupirem para celebrar Stephen Curry, se juntarem para vaiar Kevin Durant? Até quando a mentalidade Lillardiana de “calar os críticos” todos os dias funciona para a personalidade desse grupo?

Rose

A identidade de um time não é tão importante quanto tática ou o talento, mas é para onde os times correm quando alguma coisa não está funcionando. Neste começo de temporada 2016-17, Derrick Rose sentiu na pele isso ao trocar o Chicago Bulls pelo New York Knicks. O armador disse que jogou em vários times em Chicago e que eles não tinham qualquer identidade, mas que depois que Tom Thibodeau chegou, uma nova cultura foi instalada e eles eram guiados por isso. Fizesse chuva ou sol, não importando o adversário ou a situação do jogo, o Bulls tinha a sua defesa para guiá-los. Todos sabiam o que fazer, a dedicação que deveriam ter e a certeza de que, mesmo que às vezes parecesse ilusão, enquanto defendessem bem tudo iria dar certo eventualmente.

O New York Knicks não só não tem essa identidade, como tem um chefe que quer instalar uma que todo o resto não aceita. O General Manager Phil Jackson, quando era técnico, colocava o seu sistema ofensivo dos triângulos como parte essencial da identidade dos seus times. Na hora que dava tudo errado, era só executar os triângulos ad infinitum, realizar as movimentações mais básicas e os espaços iriam aparecer, era preciso confiar. Deu certo em seus ONZE títulos, mas ninguém em Nova York comprou a ideia. Acho que nem o técnico Jeff Hornacek sabe que bússola vai escolher.

Quando chegou no Phoenix Suns há alguns anos, por outro lado, Hornacek abraçou a ideia de que eles têm de um jeito de jogar típico da franquia. Embalado nos anos de ouro de Steve Nash e Amar’e Stoudemire, o Suns decidiu que iria ser sempre o time da velocidade, do elenco leve e das bolas de longa distância. Trouxeram Hornacek, deixaram ele usar vários armadores ao mesmo tempo, com um ataque envolvente que deu certo por um ano antes de desmoronar. O time se desorganizou, o General Manager fez trocas suspeitas e o dono do time é até bem mal-falado por alguns ex-jogadores, mas aí estão eles de novo com um time baixo, veloz e abusando do pick-and-roll. Não é garantia de sucesso, mas é um começo.

Outros casos recentes mostram como pode funcionar a ideia de criar uma identidade, de falar abertamente sobre ela e de tentar fazer com que todos lá dentro a abracem: o Memphis Grizzlies trocou de jogadores e de técnico algumas vezes nos últimos anos, mas a cultura do ‘Grit and Grind’ pegou até na população da cidade. Mesmo que taticamente eles joguem um pouco diferente agora, com um time mais baixo e com mais bolas de três pontos, eles ainda querem ser o time mais raçudo, físico, resiliente e chato de se enfrentar na NBA. Diante de lesões que tiraram mais meia equipe de quadra no ano passado, foi esse lema que carregou o Grizzlies aos Playoffs.

E, como sempre, o exemplo máximo da identidade em um time é o do San Antonio Spurs. São 20 anos com diversos sistemas táticos e trocentos jogadores passando em volta de Tim Duncan, Tony Parker e Manu Ginóbili, mas algumas estruturas nunca mudam: o profissionalismo, a disciplina tática, a total ausência de estrelismo, a valorização de todos os 15 jogadores do elenco, a atenção aos detalhes e aos fundamentos do jogo. Quem chega em San Antonio sabe o que esperar e sabe como deve (ou não deve) agir. Se o Spurs não desmanchou após algumas de suas várias derrotas duras nos Playoffs (Lakers em 2004, Mavs em 2006, Suns em 2010, Thunder em 2012, Heat em 2013, etc.) foi porque confiavam no seu processo, na sua identidade.

Steph

A lealdade do Golden State Warriors à sua identidade original pode ser decisiva até para o seu futuro além desta temporada. Kevin Durant creditou parte da sua decisão ao clima amistoso da franquia, disse que sentia vontade de participar de um grupo que conseguia ao mesmo tempo ser competitivo e divertido, com amigos fora de quadra. Ele pode ser Free Agent ao fim deste ano, e imagino que não esteja afim de ser um vilão para sempre.

Após perder a final de 2011, LeBron James se fechou em casa por algumas semanas e depois viajou com Dwyane Wade. Lá conversaram sobre como deveriam lidar nos anos seguintes e foi quando Wade deixou seu novo parceiro de time mais à vontade, deixando claro que ele poderia assumir o controle das coisas mesmo tendo chegado depois em Miami, era o time dele. Foi também neste intervalo após aquela dolorida derrota para o Dallas Mavericks que LeBron decidiu abandonar a capa pesada de vilão. Em entrevista à ESPN ele tentou encerrar o caso:

Normalmente eu jogo de maneira alegre e deixo meu jogo falar por mim, mas fugi disso. Perdi essa característica nesta última temporada. Nos meus primeiros sete anos de NBA sempre fui o cara querido por todos, e estar do outro lado –um lado negro, ou de vilão, sei lá como chamam– foi um desafio.

Eu basicamente me tornei alguém que eu não era. Você começa a escutar ‘o vilão’ e de repente você tem que ser esse vilão. E comecei a abraçar essa ideia, aí passei a jogar num estado mental que nunca tinha feito antes, com raiva. E esse não é a maneira que eu jogo basquete”

LeBron James é um dos mais talentosos e inteligentes jogadores de todos os tempos. E mesmo ele precisou lidar com a criação da sua identidade, em como ele era visto pelos outros e como ele iria se portar até perante si mesmo. Quando a água bate na bunda, essa coisa vaga e subjetiva pode ser a diferença entre vitória e derrota. O Golden State Warriors tem o resto da temporada para decidir se quer mesmo ser o ‘Super Vilão’ da NBA.

Torcedor do Lakers e defensor de 87,4% das estatísticas.

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