Foi um jogo para alimentar a narrativa de todos os envolvidos. Quem gosta de ver o basquete pelo lado da emoção vai colocar a ênfase em um Cleveland Cavaliers com energia, se recusando a perder em casa, na torcida apaixonada e no grupo que não abaixou a cabeça mesmo depois de tomar 3-0 nos primeiros jogos da série. Os que olham pelo lado dos números vão lembrar que uma hora a média ia aparecer, um time que arremessa tão bem quanto o Cavs eventualmente compensaria o péssimo aproveitamento dos primeiros jogos. E quem está nessa só pela zoeira, pelo místico e pelas risadas vai dizer que era inevitável que, depois de um ano inteiro de tantas piadas, o Golden State Warriors fosse obrigado a enfrentar o ~fantasma~ do 3 a 1, o placar que eles tinham na mão e viram derreter no último ano.
No fundo todos têm sua dose de razão. O Cavs precisava da energia e da confiança para não ser atropelado, era realmente possível (até provável) que alguns dos arremessos de longe voltassem a cair e é CLARO que os próximos dias serão recheados de lembranças do último ano: poderia o Cavs de novo retornar de um 1-3? O Warriors vai ser dominado pela ansiedade de não deixar acontecer de novo? Como seria ALUCINANTE o clima do ginásio em Cleveland após uma possível vitória no Jogo 5? No ano passado LeBron James disse que o objetivo do time era só ganhar o Jogo 5 de qualquer jeito, que eles sabiam que não perderiam em casa e que Jogo 7 é terra de ninguém. Já Steph Curry tentou minimzar e falou que esse é outro ano, outra realidade e, mais importante, outro time. O que ele quis dizer é: “Temos Kevin Durant, vadias”.
A partida desta sexta começou com o Cleveland Cavaliers fazendo uma defesa parecida com a do Jogo 3, com dobras de marcação sobre Steph Curry e Kevin Durant toda vez que eles tentavam iniciar um pick-and-roll, pagando para ver se eles acertariam os passes ou se Zaza Pachulia ou Draymond Green fariam os arremessos ou ao menos o passe seguinte. Ao contrário do jogo passado, o Warriors não esteve tão preciso e errou passes bobos. Alguns nem foram sob essa pressão do pick-and-roll, outros de graça e tantos outros foram mérito da defesa do Cavs, que fez uma marcação física, cheia de mãos, seguradas e tentando encontrar o limite aberto pela arbitragem.
Do outro lado, o Cavs começou o jogo com boas movimentações ofensivas. Embora ainda buscassem sempre as infiltrações de LeBron James e Kyrie Irving, era possível ver mais coisas acontecendo longe da bola, algo que às vezes o time se acomoda e esquece de fazer. Meus lances favoritos: LeBron se mexendo sem a bola depois de um passe para Kevin Love…
…e Love fazendo algo de diferente de ficar parado na zona morta para receber o favor de volta:
.@KingJames já começou o Jogo 4 esbanjando visão de jogo e deixando @kevinlove na boa! #NBAnaESPN #NBAFinals pic.twitter.com/gcdg4fBSPT
— NBA Brasil (@NBABrasil) June 10, 2017
Mas nesse jogo não dá pra falar de outra coisa que não sejam as bolas de 3 pontos. Ontem mesmo fiz um texto sobre o Jogo 3 mostrando como os arremessos errados mataram as chances do Cavs no bom Jogo 3 que fizeram. Com o pífio aproveitamento de 12-44 arremessos (sendo 3-18 da zona morta!!!), o time não conseguiu deslanchar e acabou tomando a virada. Destacamos lá como o time errou todos os tipos de arremesso que tentou: aqueles dificílimos, alguns contestados, mas “fazíveis” e até aqueles em que estavam absolutamente livres. Ontem, em compensação, acertaram TODOS os tipos. TODOS. JR Smith quase do meio da quadra com o relógio estourando? Feito. Step back de LeBron James? Cesta. Kyrie Irving depois de giros, dribles e com a mão na cara? Mais 3 pontos. Centenas de chutes de Kevin Love da zona morta? Tudo dentro.
O resultado foi um primeiro quarto de 49 pontos (!) e um primeiro tempo de 86 pontos (!!). Aliás, o que não faltou nesse jogo foram recordes. Incluindo o de mais bolas de 3 feitas por um time em um jogo de Final (24).
The Cavaliers set a number of NBA Finals records in their Game 4 win over the Warriors. pic.twitter.com/UpDyotacwT
— ESPN Stats & Info (@ESPNStatsInfo) June 10, 2017
A pressão que o Cavs colocava sobre o Golden State Warriors foi decisiva para impedir duas das armas mais importantes do time. Uma foi o jogo de transição, sem rebotes de defesa devido aos acertos e lances-livres e sem turnovers do adversário, foi difícil para o time de Steve Kerr disparar em velocidade.
Warriors Transition Points – NBA Finals
Game 1 26
Game 2 33
Game 3 40
Game 4 7— ESPN Stats & Info (@ESPNStatsInfo) June 10, 2017
A outra arma foi as bolas de 3 pontos: é mais difícil acertar bolas de 3 quanto se está quase 20 pontos atrás no placar, fora de casa, apanhando para tentar se livrar de bloqueios em um jogo bastante físico. Se sobreviver a 24 bolas de 3 do adversário é quase impossível, pode tirar o “quase” quando seu time faz só 11 das 39 (28%) que arremessou.
Se não fossem as excelentes partidas de Kevin Durant, que novamente passou dos 30 pontos, Shaun Livingston e de boas e pontuais contribuições de David West, o jogo teria sido ainda pior.
Outro fator bem discutido da partida foi a arbitragem. Foram 8 faltas técnicas e UM MILHÃO de lances-livres cobrados: 36 para o Warriors, 31 para o Cavs (22 no primeiro QUARTO!). Uma das faltas técnicas havia sido registrada para Draymond Green, que deveria ter sido expulso quando tomou outra, já no terceiro quarto. Mas só então os árbitros disseram que a falta técnica do primeiro tempo tinha sido em Steve Kerr, não em Draymond como marcava a súmula oficial. Até faz sentido visto a reação de Kerr naquele lance –uma esticada de braço desnecessária que Draymond deu e acertou a cabeça de Shumpert –, mas ficou com cara da juizada se arrependendo de expulsar um jogador. Deu um clima de deja vu já que foi no Jogo 4 do ano passado que Draymond chutou as bolas de LeBron e foi suspenso do Jogo 5. O ala não seria suspenso se fosse expulso desse jogo, mas foi impossível não fazer a ligação.
O clima tenso do jogo parece favorecer o Cleveland Cavaliers. São eles que gostam do jogo mais físico, lento, pesado e que parece lidar melhor com as provocações, dedo na cara e trash talk. Também é o time que quer o jogo mais truncado e recheado de pequenos contatos físicos que eventualmente os árbitros deixam de marcar.
Esse jogo físico acabou prejudicando Steph Curry, que não foi tão bem ofensivamente (4/13 arremessos, 14 pontos, 10 assistências). Com as dobras de marcação fortes sobre o armador, o técnico Steve Kerr preferiu fazer com que Curry jogasse mais sem a bola. Isso já não havia dado certo na Final do ano passado, não deu certo no jogo do Natal desta temporada (o que rendeu até um protesto de Curry, pedindo mais pick-and-rolls) e ontem não deu certo de novo. Curry participa menos da partida, encosta menos na bola e fica sofrendo com bloqueios e a física defesa de JR Smith. Se existe um momento para apertar o botão-vermelho-da-destruição e usar sem dó o pick-and-roll entre Curry e Durant, a hora é agora. Quando tentaram ao longo da temporada, deu certo, mas sempre utilizaram bem pouco. Ontem foi apenas uma vez:
A dobra de marcação sobre Curry e Durant tem dado certo porque o Cavs está acreditando que pode se recuperar e evitar/defender/interceptar os passes criados por Green ou Pachulia quando eles recebem o passe, como o primeiro vídeo do post mostra. Mas quando Durant recebe de Curry ele pode simplesmente atacar, enterrar, arremessar, fazer o que bem entender. O Warriors não gosta de ser previsível, evita ficar só no pick-and-roll e tenta sempre rodar a bola o máximo possível. Faz sentido, é claro, mas às vezes é bom focar em um lance até ele der errado, como fizeram com os post-ups de Durant recebendo a bola contra Richard Jefferson no Jogo 3.
Não sabemos se o Cleveland Cavaliers vai quebrar mais recordes de bolas de 3 pontos, se Kevin Love vai continuar certeiro de longe, se Tristan Thompson voltou de vez ou se foi só um último suspiro e nem se Kyrie Irving vai ter seu terceiro jogo seguido acertando bolas que qualquer bom senso manda que não devem nem ser tentadas. Mas todas essas coisas são possíveis e o time de LeBron James precisa que ao menos duas continuem em alto nível para que eles tenham chance. Sabemos que o King James vai fazer sua parte, mas, como vimos ontem, ele precisa do time inteiro. Quer dizer, precisa?
Just LeBron taking it down the co—WAIT A MINUTE pic.twitter.com/pcZk2zQm4E
— The Ringer (@ringer) June 10, 2017