No último dia 10 de novembro o New York Knicks recebeu o Cleveland Cavaliers no Madison Square Garden. Apesar da campanha pífia de apenas duas vitórias até então, a expectativa para o jogo era alta: ginásio lotado em uma matinê de domingo, um adversário superável e todas as esperanças renovadas depois da vitória mais esperada deste começo de temporada. Dois dias antes o Knicks havia vencido, fora de casa, o Dallas Mavericks do ex-Knicks e agora inimigo público Kristaps Porzingis. O jogo mostrou um time raçudo, Marcus Morris decisivo, a melhor atuação de Julius Randle na temporada e uma defesa sufocante de Frank Ntlikina sobre Luka Doncic no último período.
A empolgação durou pouco: o time foi MASSACRADO pelo Cavs por 108 a 87, com direito a conversinha particular do dono do time, James Dolan, com o presidente de basquete Steve Mills no intervalo da partida. Ao fim do jogo, Mills deu uma atípica entrevista coletiva ao lado do General Manager Scott Perry para dizer que “não estamos felizes” e que “acreditamos na comissão técnica, mas que não estamos jogando no nível que esperávamos”. Em outras palavras, jogaram a batata quente no colo do técnico David Fizdale com menos de dez partidas na temporada, estragando uma semana que por um instante pareceu de evolução.
Esse foi mais um exemplo de como o New York Knicks é um time que adora uma auto sabotagem. O jogo foi péssimo, broxante por ser logo depois do time finalmente ter mostrado alguma coisa, mas ainda assim uma derrota esperada de uma equipe que todos sabemos estar longe de ser grande coisa. Ao invés de merecer as críticas devidas por apenas dia, a crise do Knicks e o risco de demissão de Fizdale viraram o assunto da semana na mídia basquetebolística dos EUA. Por que mandar a cartolagem vir a público explicar uma derrota de temporada regular no meio de novembro?
Não foi a primeira vez que o time se complicou sozinho nesta temporada. Horas depois do rival Brooklyn Nets anunciar as contratações de Kevin Durant e Kyrie Irving, o mesmo Steve Mills divulgou uma nota aos fãs dizendo que entendia que muitos torcedores estavam desapontados, mas que eles seguiam “animados e confiantes no nosso plano de reconstruir o Knicks para brigar por títulos através do Draft e de Free Agents”. Isso foi em Junho. Meses depois, no Media Day antes da temporada começar, Mills disse que o time nem queria se encontrar com Durant, Irving ou sequer Kawhi Leonard, que isso não fazia parte do plano. Ou seja, eles trocaram Kristaps Porzingis e Tim Hardaway Jr para abrir espaço no teto salarial, depois resolveram falar sobre torcedores frustrados quando não conseguiram os grandes nomes do mercado e aí depois querem nos convencer que esse nem era o plano?
Steve Mills and Scott Perry address the media after a bad loss to Cleveland
"We're not happy with where we are" pic.twitter.com/RM4tlZrBfa
— SNY (@SNYtv) November 11, 2019
O caso fica mais curioso se lembrarmos que estamos falando do Knicks, uma das franquias mais fechadas da NBA. Tirando técnicos e jogadores, que são obrigados a falarem com os repórteres antes e depois das partidas, ninguém mais costuma aparecer no time. É uma tradição que ultrapassa diferentes managers, presidentes e afins. Normalmente eles falam no Media Day, de vez em quando após alguma contratação na offseason e é isso. Nesta última temporada Steve Mills e Scott Perry haviam DESAPARECIDO depois da tal nota aos fãs após as não contratações de Durant e Irving. O que foi apurado pela imprensa de Nova York é que eles não foram lá após a derrota para o Cavs “porque sentimos que era o momento”, mas porque James Dolan ficou puto com o resultado e mandou, no impulso, darem alguma satisfação. Como bons funcionários de Dolan, pegaram a raiva irracional do patrão e a transferiram para Fizdale, subalterno deles.
Com tanta pressão nas costas, o Knicks seguiu a vida com outra derrota maiúscula: 120 a 102 pelas mãos do Chicago Bulls, o único time além do Dallas Maveircks que o time tinha vencido na temporada. O jogo seguinte? Mavs de novo! Kristaps Porzingis iria agora visitar Nova York pela primeira vez desde que fez de tudo para ir embora de lá na temporada passada. Chance de ouvir vaias, calar os críticos e vingar a derrota da semana anterior, certo? Errado. As vaias aconteceram, mas o Knicks foi lá e fez mais uma grande partida! Teve ponte aérea para Mitchell Robinson, mais defesa de Ntlikina sobre Doncic, o retorno de Dennis Smith Jr e Marcus Morris matando o jogo com uma bola de 3 pontos nos últimos segundos. Provavelmente o melhor momento que os torcedores vão viver ao longo da temporada:
CLUTCH! 😤
Marcus Morris hits the game-winner and finishes with a team-high 31 FPTS! pic.twitter.com/E0GYvsvA6Z
— NBA Fantasy (@NBAFantasy) November 15, 2019
A atuação vingativa da equipe pode ter tirado um pouco do foco sobre o técnico David Fizdale, mas logo depois veio outra derrota. Dessa vez contra o também fraco Charlotte Hornets, por pouco, com uma cesta do surpreendente Devonte Graham nos segundos finais. A partida do Knicks até foi melhorzinha nessa ocasião, mas nada de resultado. Por enquanto esse é o time da vingança: derrotas, derrotas e derrotas a não ser quando há a motivação extra de mostrar a Porzingis que ele jamais deveria ter ido embora, mesmo que todos os outros 80 jogos da temporada provem o contrário.
No caos autoinfligido do Knicks, possivelmente o primeiro a cair será o técnico David Fizdale. Todos davam como certa uma demissão em caso de derrota para o Mavericks em casa, mas eles desviaram dessa bala. Mas será que ele sobrevive a um novo acesso de fúria de Dolan? Seu trabalho lembra um pouco o de outros treinadores de times disfuncionais, como o de Luke Walton no Los Angeles Lakers ou o de Igor Kokoskov no Phoenix Suns da última temporada. Tudo no entorno deles é feito para dar errado, o elenco não tem coerência e a direção muda de ideia e de humor a cada esquina. Difícil acusá-los de incompetência, mas é fato que não souberam contornar a bucha.
O trabalho de um técnico é se virar com o que tem em mãos e tirar o melhor do grupo. Apresentar algo que faça sentido na quadra e um grupo unido, brigador e que execute um plano, por mais que não seja o bastante para vencer muitos jogos. David Fizdale ainda não conseguiu isso em seu tempo de Knicks. Ainda não vemos um jogo da equipe sabendo o que esperar, desde a rotação até o estilo de jogo, passando pela entrega do time. Já pensou que sonho ver sempre a motivação que eles apresentaram na vingança contra Porzingis? Se treinar um time como o Golden State Warriors das últimas temporadas, quando o entrosamento já estava consolidado, era como jogar um videogame no nível TUTORIAL, transformar o atual New York Knicks é jogar no modo ultradifícil, com o controle quebrado e a TV de ponta cabeça, mas ainda é a função do treinador. Fizdale sabia que estava entrando num dos trabalhos mais difíceis da liga e precisa começar a tirar coelhos da cartola para salvar o emprego. Algumas de suas decisões em finais de jogo, como o excesso de confiança depositado em Julius Randle em jogadas decisivas, não pesam a seu favor também.
A seu favor neste começo de temporada está uma ausência importante, a de Dennis Smith Jr. O armador, peça principal da troca de Porzingis, deu sinais de que poderia deslanchar na temporada passada. Claro que ele ainda era mais impulsivo que racional na hora de atacar a cesta, mas era um tipo de jogador que ao menos fazia alguma coisa acontecer em quadra. E com os bônus de voar nos contra-ataques e colocar a torcida no jogo com as eventuais enterradas violentas. Com 15 pontos e 5 assistências de média em menos de 30 minutos de quadra na temporada passada, ainda 21 anos e um físico invejável, era um cara chave para se desenvolver e ser o rosto do estilo ofensivo da equipe. Para ajudar, dizem que passou boa parte da offseason treinando exaustivamente seu arremesso de longa distância com o assistente Keith Smart. Dennis Smith Jr acertou só 22% (!!!) das bolas de 3 pontos na última temporada e 56% de seus lances-livres, aproveitamento digno dos piores anos de Shaquille O’Neal e Andre Drummond. Péssimo sinal para quem vive de atacar a cesta.
A ansiedade de todos de ver o progresso do armador foi freada por lesão e luto. Primeiro o jogador machucou as costas durante o período de treinos do time, o que o barrou da fase importante de entrosamento e de jogos da pré-temporada. Ele começou a temporada ainda com dores, não jogou bem e acabou até vaiado pela torcida do Knicks. O jogador ficou então 11 dias afastado do time não só para se recuperar das dores, mas porque viveu uma tragédia pessoal, a morte da madrasta. Abandonado pela mãe biológica ainda na infância, ele foi criado pela madrasta e precisou encarar o trauma justo quando o clima no time não era dos melhores. Uma reviravolta do time passa por um Dennis Smith Jr. melhor, mas nada tem ajudado até aqui.
As vaias ao armador não vieram sozinhas. Elas foram devidamente seguidas de um grito de “we want Frank“, em referência ao armador francês Frank Ntlikina, que começou o ano como reserva de David Fizdale mas titular no coração da torcida nova-iorquina:
Knicks fans chanting "WE WANT FRANK!" as Dennis Smith Jr continues to struggle in limited minutes.
11 MINS: 0 PTS (0-3 FG)
5 MINS: 1 PT (0-4 FG)
10 MINS: 2 PTS (1-4 FG)(Via @cjzero) pic.twitter.com/rtwmcL9Iy9
— Ballislife.com (@Ballislife) October 27, 2019
A história dos dois armadores na NBA é colada: o Knicks tinha a 8ª Escolha no Draft de 2017 e queria um armador. A maioria apostava em Dennis Smith Jr, mas Steve Mills decidiu por Frank Ntlikina. Smith Jr. foi escolhido imediatamente depois pelo Dallas Mavericks e teve uma primeira temporada muito mais convincente que o discreto francês. Embora o nome de Dennis Smith Jr. tenha virado, na época, argumento da própria torcida do Knicks para criticar as escolhas da gerência do time, aos poucos Ntlikina foi ganhando seu público. Ele é um EXCEPCIONAL defensor, se dedica muito em quadra e tem seu carisma. A parte ofensiva quase não aparece e seu arremesso ainda é fraco, mas uma boa Copa do Mundo pela França, onde até acertou chutes de 3 pontos decisivos no quarto período da vitória contra os Estados Unidos, animou a todos. Agora eles brigam por posição, minutos e a preferência da torcida.
O porém é que essa é uma briga falsa. Na prática nenhum dos dois ainda entrega o que o time precisa em um armador: Dennis Smith Jr. é mais dinâmico, mas perde todo seu valor quando não consegue transformar essa vontade em pontos; Frank Ntlikina é fundamental na defesa, mas é burocrático demais no ataque para um time que não tem outros criadores no elenco. Pela envergadura e defesa do francês, não é absurdo pensar que os dois possam dividir a quadra em determinados momentos, mas nenhum time na NBA sobrevive por muito tempo com uma dupla de armação incapaz de arremessar de longa distância. Um dos dois precisa resolver essa questão em seu jogo. Ntlikina melhorou seu aproveitamento de 28% para 32% nesta temporada, mas são tão poucos arremessos por jogo (apenas DOIS!) que nem faz diferença.
Frank Ntilikina was a switching machine on defense vs the Mavs and it was fun to watch
🏀🎬🛎 pic.twitter.com/GhIubniAyB
— Knicks Film School (@NYKFilmSchool) November 9, 2019
Pelos problemas na armação não surpreende que o New York Knicks tenha o terceiro pior ataque da NBA em pontos por posse de bola e o segundo pior em pontos de jogadas de meia quadra, aquelas organizadas, que tiram os contra-ataques da equação. Quase 80% das posses de bola do Knicks são de meia quadra, mas elas rendem só 1.035 pontos por posse, à frente só do Atlanta Hawks. O Knicks tem um problema parecido nas jogadas de isolação, o bom e velho mano-a-mano: é ao mesmo tempo o 9º time que mais tenta esse lance e o SEGUNDO PIOR a fazê-lo, superando só o Charlotte Hornets. Muitas das isolações saem das mãos de Julius Randle, um dos mais frustrantes da temporada:
Quando o ala abaixa a cabeça e começa a girar, esquece. Ele tem seus momentos, mas ao longo dos jogos é frustrante ver como esses ataques são em geral infrutíferos, rendem arremessos difíceis e quase nunca se tornam algo para outros jogadores finalizarem. Seria interessante, por exemplo, atrair marcação dupla (ou tripla, como vimos no vídeo) e transformar isso em passes para bons arremessadores. Nas bolas de 3 pontos o Knicks não brilha, mas está na parte de cima da tabela: 13º em aproveitamento, mas apenas 20º em tentativas. Ou seja, o time insiste no que faz mal e faz menos as poucas coisas que poderiam dar resultado.
Se tem dois nomes que animam a torcida, porém, estes são RJ Barrett e Mitchell Robinson. O novato, com poucos jogos no currículo já mostra alguma maturidade na hora de atacar a cesta e já teve jogos de oito e nove assistências, mostrando algum potencial para talvez assumir mais da criação de jogadas no futuro. Nome importante pra ficar de olho ao longo da temporada.
RJ Barrett doin' his thing 💪 pic.twitter.com/iDucmUsaQw
— NEW YORK KNICKS (@nyknicks) November 15, 2019
Já Robinson é desde já um dos grandes nomes da NBA em tocos, com timing e impulsão incríveis. Falta um pouco mais de técnica e de paciência, fazer quase 4 faltas por jogo em 18 minutos de quadra está a anos-luz do ideal. Ele sabe pontuar nos rebotes ofensivos, é alvo de pontes aéreas, mas precisa conseguir ficar mais tempo em quadra para causar mais impacto no jogo.
Analisando num vácuo, o New York Knicks não está em situação desesperadora. O time é ruim hoje, claro, mas tem flexibilidade na folha salarial, contratos expirantes, escolhas de Draft e jovens jogadores com capacidade de se desenvolver, como Dennis Smith Jr, Mitchell Robinson, Kevin Knox, Allonzo Trier, Frank Ntlikina e RJ Barrett, além do ainda-não-tão-velho Julius Randle que ainda pode ter salvação. O problema é que eles não estão em um vácuo. Considerado o pior dono da NBA hoje, James Dolan é um repelente de Free Agents. LeBron James e Dwyane Wade cogitaram e desistiram de se unir em Nova York em 2010 e, quase uma década depois, o mesmo circo de horrores fez Kevin Durant e Kyrie Irving também seguirem outro rumo. As estrelas que foram para lá, como Carmelo Anthony e Kristaps Porzingis, viram o time arruinar anos preciosos de suas carreiras com elencos fracos, trocas de técnico sem sentido e planos que nunca deram em nada. É o maior palco da NBA sendo usado para uma comédia pastelão.
Os planos horríveis, que passam por investir caro em jogadores em declínio, abrir mão de bons jovens e muita auto sabotagem, aconteceram repetidas vezes ao longo dos últimos 19 anos de comando de James Dolan. Nesse tempo todo o time teve 13 técnicos, seis General Managers e só o dono como elo em comum. Ele está lá presente no Madison Square Garden todos os jogos, mesmo nos piores momentos, dizendo que quer “mostrar à torcida que se importa’. Louvável o interesse, mas fica cada vez mais difícil acreditar que alguma solução passa por uma decisão tomada sua. O Phoenix Suns e o Sacramento Kings estão aí para provar que times podem ressuscitar mesmo no meio de grandes crises internas, mas é um crescimento frágil e está mais para exceção que para regra. Os gritos de “venda o time” volta e meia voltam ao Madison Square Garden, mas Dolan ainda não parece disposto a ouvir.