Todo mundo feliz

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Mecânica de arremesso: troço superestimado

Algumas trocas na NBA parecem aqueles desafios que aparecem no meio das cruzadinhas: “a Julinha foi ao cinema com o Paulinho, que conhece a Marcinha, que nunca viu o Joãozinho, que é vizinho da Lucinha. Qual o nome do tio da Julinha?” Dá até preguiça de tentar entender o que aconteceu, o que motivou cada um dos times, e imaginar como os engravatados sequer pensaram nisso já dá vontade de ir tirar um cochilo. Mas lá em Dallas e em Toronto, fazer as coisas funcionarem passou a ser uma questão de desespero, a um ponto que até as trocas mais complexas valem a pena.

Bryan Colangelo é a mente responsável por aquele Suns que quase deu certo, mas imagino que ele não tenha escrito esse “quase” em seu currículo. Provavelmente deve ter colocado que tornou o Suns uma grande potência no Oeste se livrando do Marbury, algo que já o coloca entre as mentes mais brilhantes do século. Foi ele mesmo quem escolheu ir para Toronto, começar outro time do nada, e trocar a versão que o Raptors tinha do Marbury, o então aclamado TJ Ford. Aos poucos, Colangelo montou um time de respeito tentando seguir o estilo que tornara o Suns famoso, mas a temporada passada foi uma tremenda decepção, tudo deu errado, e a linha de chegada se aproxima: ao término da próxima temporada encerra-se o contrato de Chris Bosh, e aí o Raptors precisa dar um jeito de convencer sua estrela a ficar na equipe ou, ainda mais difícil, convencer um dos grandes nomes que estarão disponíveis de que vale a pena cruzar a fronteira.

Situação parecida vive Donnie Nelson, o filhote do Don Nelson, que é o responsável pela parte burocrática do Mavs (sabe, aquele time em que o dono e pentelho oficial é o Mark Cuban). Ter um nerd que passou a vida inteira atrás de um computador te enchendo o saco e dando palpite deve ser um porre, mas suponho que deve ser mais tranquilo do que ficar em casa com o pai maluco, que a cada dia deve chamá-lo por um nome diferente e mandar ele dormir num cômodo novo. Donnie também montou um Mavericks que passeou pela elite do Oeste mas que acaba de ter uma temporada horrível, frustrante e com cheiro de fim de novela da Record. Do mesmo modo que ocorre com o Raptors, ao fim da próxima temporada o contrato de Dirk Nowitzki se encerrará e então será necessário convencer o alemão de que esse Mavs ainda tem qualquer chance de ser relevante numa NBA em que os melhores times não param de adicionar novos jogadores de peso.

Fala-se muito sobre os Free Agents que estarão disponíveis ao fim da próxima temporada, em 2010, e a lista é mesmo fantástica: LeBron James, Wade, Bosh, Amar’e, Joe Johnson, Ginóbili, Paul Pierce, Nowitzki, Yao, T-Mac. Isso sem falar nos restritos, como Brandon Roy, Rudy Gay, Aldridge, Rondo, e nos que podem optar por tentar o mercado, como Michael Redd, Nash e Josh Howard. Para o Raptors, essa lista aponta para um problema: a maioria desses nomes continuará em seus times e o restante será abocanhado por equipes que estão se preparando com muita antecedência ou que têm claras chances de título, o que torna difíceis as chances da equipe de Toronto. Para o Mavs, a lista assusta porque seus dois melhores jogadores podem simplesmente dar o fora, já que Nowitzki e Josh Howard não hesitarão em sair de um time que não estiver competitivo. Com tanta gente dizendo que o Raptors é um fracasso e que o Mavs acabou de vez e está reconstruindo, cabe a eles perder suas estrelas e se lascar em 2010?

É por isso que movimentações audaciosas eram essenciais para Colangelo e Donnie Nelson, os dois com a corda no pescoço, a água batendo na bunda. Eles têm apenas uma temporada para montar um elenco atraente e competitivo, capaz de convencer suas estrelas a ficar ou, ao menos, convencer outras a ocupar o lugar. Com isso em mente, foram atrás de alguns amiguinhos que topassem a brincadeira pra festa ficar bacana.

Quando o Colangelo se livrou do TJ Ford algum tempo atrás, recebeu Jermaine O’Neal em seu lugar, uma aposta para formar um garrafão de elite com Bosh. Acontece que, como até mesmo o Jose Calderon afirmou esses dias, os dois pivôs têm estilos muito parecidos, jogam afastados da cesta, e acabaram anulando um ao outro em quadra. Aproveitando o desespero de um Heat sem garrafão, Colangelo conseguiu Shawn Marion em troca do Jermaine, um jogador que casou muito mais com o estilo do time e sempre disposto a correr bastante (algo também conhecido como a síndrome do “Só sei jogar no Suns”). Como seu contrato encerrou ao fim da temporada, o Raptors estava prestes a perdê-lo sem ganhar nada em troca. Foi aí que surgiu a necessidade de uma troca imediata, pra tentar levar qualquer coisa, nem que fosse um canário.

O Dallas expressou interesse no Marion já há bastante tempo, mas o time está bastante acima do teto salarial. A grana que eles tinham foi para os contratos oferecidos para o Marcin Gortat (que, depois de atuações discretas mas confiáveis na temporada e nos playoffs, pode chegar para ser titular) e pro Quinton Ross, para defender e compor elenco. O Magic ainda pode cobrir a oferta de 33 milhões por 5 anos para o Gortat (eles prometeram que cobririam qualquer coisa que não fosse um número muito absurdo, embora 33 milhões pareça absurdo o bastante para mim), mas até mesmo esse dinheiro não chega perto dos 10 milhões por ano que o Shawn Marion alegadamente queria. Acontece que, com o passar do tempo, ficou bem claro que os únicos times com dinheiro o suficiente para dar essa grana para o Marion não estão nem um pouco interessados nele. A solução apareceu da necessidade dos três: o Raptors re-assinou o Marion por 40 milhões durante 5 anos (8 milhões por ano, foi quase lá, garotão!) e mandou para o Mavs, que queria tanto. Em troca, a equipe de Dallas teve que suar a camisa pra ter o que mandar.

O Mavs recebeu também o pivô Kris Humphries, pra mim imortalizado por ser o cara que foi trocado pelo Baby e que, apesar de ser ruim pra burro, deu muito mais certo em Toronto do que o Baby jamais poderia dar. Em troca, o Mavs mandou dois contratos pequenos que acabarão na próxima temporada e que, até lá, irão ajudar o Raptors em posições que eles sequer tinham reservas: Devean George e o nosso ex-desconhecido do mês Antoine Wright. O George vai curtir os ursos do Canadá e depois se aposenta e mora por lá, o Wright vai poder ensinar para os canadenses que também existe defesa fora do hockey.

Mas a troca não é o bastante, porque os contratos têm que ser ao menos parecidos e o do Marion é muito maior. Mandar dinheiro vivo só pode ser feito até no máximo 3 milhões de verdinhas, e o Raptors não estava nem um pouco interessado em aceitar qualquer outro jogador para ocupar espaço e teto salarial. É nessas horas que você puxa um cara qualquer na rua e tenta passar um lero no coitado. O escolhido foi o Grizzlies, o time que a gente nem lembra que está na NBA. Ao mandar o Jerry Stackhouse para Memphis, seu contrato só fica garantido em 2 milhões de dólares, dinheiro que o Mavs mandou do próprio bolso para que o Grizzlies possa pagar inteiro o salário e mandar o Stack embora (o Mark Cuban acaba de ficar 2 milhões mais pobre e aposto que nem percebeu, ocupado que está jogando Ragnarok). Em troca, o Grizzlies se livra do contrato porcaria do Greg Buckner, que nem a mãe quer ver na frente, mandando ele pra Dallas. Como o contrato dos dois não bate direito, o Dallas ganha de brinde um daqueles “trade exceptions”, uma espécie de vale-compras que só pode ser usado em trocas. É tipo um vale-CD, mas que você fica feliz de ganhar. Por ajudar na troca, o Grizzlies ainda ganha o Quincy Douby do Raptors (ele é o armador que nem o Kings, quando não tinha ninguém na armação, quis) e ele provavelmente vem junto com um bolo gostoso, flores e umas paçocas.

Então o Raptors manda Marion, Humphries e Douby e recebe Wright, George e uma “trade exception”, de modo que a troca possa acontecer. O Grizzlies se livrou de um contrato ruim e ganhou uns trocados, o Dallas conseguiu o Shawn Marion que tanto queria e o Raptors conseguiu uns reservas. Mas é só agora que começa a verdadeira genialidade do Bryan Colangelo. Perdendo o contrato do Marion, que iria embora antes de ser re-assinado, o time ficaria abaixo do limite salarial da NBA e, com isso, perderia os 5 milhões a mais para gastar em jogadores que a liga permite aos times que já não tem mais onde cair duros. Ficar abaixo do teto para poder assinar o Turkoglu acabaria com os 5 milhões, então o Raptors re-assina o Shawn Marion e – surpresa! – o Magic re-assina o Turkoglu. O Marion vai para o Mavs na troca e o Turkoglu vai para Toronto em troca de “trade exceptions” (os vale-CDs que o Mavs arrumou com o Grizzlies). Tecnicamente, então, o Raptors nunca ficou abaixo do teto salarial, ganhou uns reservas e 5 milhões extras, o Magic tem uns cupons pra gastar em trocas futuras, e todo mundo está feliz e radiante de mãos dadas cantando uma daquelas músicas sobre caridade do Michael Jackson.

Em breve a gente olha mais de perto para o Mavs, que re-assinou Jason Kidd, conseguiu Shawn Marion por um preço muito do justo, e ainda deve levar pra casa o Marcin “The Polish Hammer” Gortat. Mas por enquanto, a real surpresa dessa troca é o Raptors de Bryan Colangelo. Deixou todo mundo feliz e, no desespero, conseguiu transformar uma perda que já era esperada e praticamente inevitável em uma melhora considerável na profundidade do seu elenco, dinheiro e esperança para 2010. Ainda acho que o Turkoglu não vai revolucionar o time, mas ao menos Colangelo conseguiu alterar sua equipe enquanto colocou um sorriso no rosto de outros três times da NBA. Vamos lá, não é bem mais legal do que aquelas trocas roubadas tipo Pau Gasol para o Lakers? E essa aqui ainda tem o charme de que, provavelmente, a gente nem entendeu direito, tamanha a bagunça. Aliás, se enfiarem outro jogador nessa troca de última hora, eu edito mas não refaço esse post – refazer essa bagunça vai ser pior do que ir jogar no Grizzlies

Torcedor do Lakers e defensor de 87,4% das estatísticas.

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