>A fantasia de um mundo sem patrão

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O Itaquerão da Flórida

Hoje aconteceu mais uma reunião entre a Associação dos Jogadores e os donos de equipes da NBA. O clima para antes do encontro era ótimo, o pessoal dos boatos já dizia que o Derek Fisher, presidente da Associação, já havia mandado até mensagens para os jogadores dizendo para eles irem se preparando fisicamente para a temporada, notícia que ele desmentiu depois. De qualquer forma os dois lados pareciam mais dispostos do que antes e existia um ar de otimismo.

Mas o final não foi de conto de fadas. Derek Fisher e Billy Hunter, o advogado que negocia em nome dos jogadores, saíram da reunião dizendo que poucos progressos foram feitos e que não existe razão para achar, hoje, que o Training Camp e a Pré-Temporada vão ocorrer no final de Setembro e começo de Outubro como previsto. Se a temporada começar na hora certa, será com o sacrifício dessas duas fases. Pelo jeito alguns avanços foram feitos nas questões econômicas, mas que além delas ainda existem questões da estrutura e formato da liga (que também influenciam a questão econômica) que os jogadores não aprovaram.

As razões e ambições dos dois lados a gente já discutiu aqui. Falamos da briga entre a divisão da renda, do hard cap/soft cap, garantia de salários e tudo mais. E já que falamos dos problemas, que tal agora uma solução? Propostas de novos formatos pipocam a toda hora, mas um deles foi o que mais me chamou a atenção e o que vou reproduzir aqui. É uma liga sem donos, criada pelos jogadores e gerenciada por eles com o apoio de governos municipais.

A proposta nasceu em um texto do economista David Berri, e vale a pena um parênteses para falar sobre o cara. Ele é formado em Economia e é especializado em esportes, ganhou fama ao escrever o livro “The Wages of Win“, que analisa de forma racional, econômica e estatística os 4 grandes esportes americanos: Beisebol, Basquete, Hóquei e Futebol Americano. Lá o autor discorre, por exemplo, sobre o quanto a folha salarial influencia nas vitórias de um time de beisebol, o quanto o desempenho de um quarterback define o sucesso de um time de futebol americano e, no basquete, ele cria uma nova maneira de medir o quanto um jogador, individualmente, contribui para a vitória da sua equipe, é o “Wins Produced”, que é algo impossível de entender e mais ainda de explicar, mas os resultados podem ser vistos aqui. O importante é que ela vai completamente contra as formas acumulativas de medir eficiência, aquelas que simplesmente somam pontos, rebotes, assistências e outros números que vemos no box score.

Todo mundo vê David Berri como alguém que analisa a NBA da forma mais diferente possível. Concordando ou não, é interessante que ele tenta ver o esporte por outra perspectiva que vai além do lugar comum que jornalistas e comentaristas esportivos veem. Provavelmente por ele ser um economista, não alguém da imprensa ou ex-atleta, claro.

No texto que Berri fez para o Huffington Post, ele dispara a pergunta: Os jogadores e as cidades dos EUA realmente precisam dos donos?

A primeira coisa que ele traz à tona são histórias conhecidas: A mudança do Sacramento Kings para Anaheim, que quase aconteceu na temporada passada, e que é muito parecida com a história do fim do Seattle Sonics e sua mudança para Oklahoma City. Nos dois casos a NBA pressionou as franquias para a construção de novos ginásios, construções maiores, com mais lugares, ingressos mais caros e maior área de entretenimento e alimentação. Em outras palavras, mais formas dos torcedores saírem de casa e ir lá torrar dólares mesmo que o time seja ruim.

Mas tanto o Sonics como o Kings não tinham dinheiro para bancar arenas milionárias e foram então correndo atrás da prefeitura da cidade atrás de financiamento. A de Seattle votou e decidiu que não iria gastar dinheiro público com arenas esportivas para uso de equipes privadas, já a de Sacramento, onde o prefeito é o ex-jogador da NBA Kevin Johnson, decidiu tirar a mão do bolso e prometer que vai construir um novo ginásio em um futuro próximo, fazendo a NBA e os donos da franquia, os irmãos Maloof (façam vocês as piadas), esquecerem temporariamente a ideia de mudar de cidade.

Não são fatos isolados, isso aconteceu mais vezes. O Orlando Magic tinha uma das arenas mais velhas da liga, então logo a NBA pressionou o time e cidades como Oklahoma City (na época sem o Thunder), Kansas City e Las Vegas estavam babando para pegar o Magic. Então a franquia foi falar com a prefeitura da cidade e negociaram uma maneira da cidade bancar o projeto: Dos 450 milhões de dólares que o ginásio custou, o Magic pagou 50 milhões, a prefeitura e uma nova taxa cobrada em hotéis da cidade (se você é um turista que foi pra Disney, ajudou a pagar) bancaram o resto. Como compensação a cidade recebeu uma parte dos direitos de nome (Amway Center, que custou 40 milhões à empresa de vendas diretas) e 1 milhão de dólares por ano pelos próximos 30 anos do Orlando Magic.

E tem mais: A arena do Charlotte Bobcats foi 100% paga com dinheiro público, assim como as do Memphis Grizzlies, Phoenix Suns e Oklahoma City Thunder. A do San Antonio Spurs foi 85% paga pela prefeitura, a do Houston Rockets 81% e a do Dallas Mavericks, 50%. Todas essas arenas construídas nos últimos 10 anos.

Isso está soando bem familiar, não é? Estádios da Copa do Mundo estão sendo feitos pelo governo para depois serem entregues a clubes privados e Andrés Sanchez está sorrindo em algum lugar. Os argumentos usados aqui são os mesmos usados lá: fará bem para a cidade, dará lucros para todos a longo prazo, irá movimentar a economia da região, gerar empregos e etc, etc, etc que ouvimos de todos os políticos que decidem bancar a brincadeira.

Esse assunto é tratado em dois outros textos que li recentemente, um é o já citado Soccernomics, livro que é um Wages of Win do futebol, e em uma matéria da revista piauí sobre a Copa do Mundo da África do Sul, “A Copa do Cabo ao Rio” da Daniela Pinheiro. Ela até cita o Soccernomics no texto dela quando o assunto é a construção de obras em cidades que vão sediar Olimpíadas ou Copas do Mundo. Ambos os textos concluem que o custo de infraestrutura e construção de obras sempre supera a receita da competição, e que o tal aquecimento da economia da região (cidade, bairro, entorno da arena) é impossível de medir já que as projeções são sempre feitas a longo prazo e, logo, influenciadas por outras trocentas mil coisas. Como saber se a economia de Phoenix foi beneficiada pela arena nos últimos 10 anos se a crise econômica mascarou tudo?

Existe, portanto, algum lado bom em sediar uma Copa do Mundo ou, no caso dos Estados Unidos, ter uma franquia da NBA em sua cidade? Sim. De acordo com pesquisas realizadas nas cidades com essas características dá pra ver que a população local fica mais feliz, que o sentimento de patriotismo ou bairrismo aumenta e que a auto-confiança da cidade transparece. Vale a pena pelo intangível, não por questões econômicas. O Soccernomics chega a ir além ao mostrar que seleções nacionais disputando grandes torneios e equipes que criam identificação com cidadãos de sua cidade são capazes de prevenir suicídios.

Voltamos então à questão de uma liga criada pelos jogadores. As cidades já gastam muito com os times e os jogadores são o material imprescindível para a qualidade do espetáculo, onde entram os donos na história? Como bem lembra o David Berri, no capitalismo os donos entram com o capital (prédios, instalações, maquinário) e os trabalhadores com a sua força de trabalho, a renda depois é distribuída entre as duas partes. Mas na NBA o governo está bancando uma parte enorme do capital (os ginásios onde eles jogam, a parte mais cara de ser um time) e o resto (viagens, salários) podem ser pagos por qualquer fonte de renda, como direitos de TV que os jogadores receberiam em sua totalidade se fossem donos das próprias equipes. Outra coisa, na NBA os trabalhadores não podem ser substituídos por quaisquer outros, é um negócio completamente diferente se você trocar o Kobe Bryant pelo Nezinho no Los Angeles Lakers. 

A ideia, portanto, é: Os jogadores, unidos, procuram um grupo de cidades que não tem times de basquete profissional e oferecem a ideia de uma liga. As cidades bancam o ginásio, os jogadores entram com sua força de trabalho. O lucro gerado por ingressos, TVs e produtos é distribuído entre os jogadores da maneira que eles acharem mais justa (isso dá pano para discussão, mas aí é jogador contra jogador até virar uma Revolução dos Bichos, pelo menos) e outra parte vai de compensação para a cidade, que está investindo na sua população, como já o faz, mas dessa vez até recebendo financeiramente em troca, já que não existe o dono do time para tirar um pedaço.

Essa liga perderia coisas muito importantes, primeiro o nome “NBA“, uma marca muito forte ao redor do mundo, além dos direitos à história da liga (nada mais de clipe de abertura das finais com cenas do Michael Jordan fazendo falta de ataque no Byron Russell) e de outras marcas famosas como Los Angeles Lakers e Chicago Bulls. Seria como começar do zero, o dinheiro seria menor, mas quem é fã de basquete provavelmente não iria deixar de assistir se, no fim das contas, mesmo em outros uniformes, estivessem Kobe Bryant, LeBron James, Tim Duncan, Derrick Rose e Kevin Garnett dentro de quadra.

Porém, mais do que o funcionamento e rendimento dessa liga, que poderia ser até temporária na minha opinião, o David Berri argumenta que seria uma forma dos jogadores mostrarem na prática o seu lado e sua importância. Que eles podem viver sem os donos, mas que os donos não podem viver sem os jogadores, e assim ganhar espaço e apressar as negociações.

A criação da liga em si é ainda uma fantasia. Não deve chegar perto de acontecer a não ser que a temporada seja realmente cancelada, e mesmo assim eu vejo mais os jogadores indo para a Europa ou China do que se dando ao trabalho de criar uma liga própria. Mas o mérito do raciocínio do David Berri é questionar o quanto os jogadores realmente necessitam dos donos e trazer à tona a questão da ajuda pública para esses times. Trazer as cidades para a questão foi importante, mas por enquanto, como o exemplo de Sacramento mostrou, os prefeitos ainda são obedientes aos donos para não ter que arcar com o mico de dizer a seus eleitores que deixaram o seu time querido fugir da cidade.

A greve parece que vai ser longa, bastante tempo pra gente divagar sobre esses assuntos.

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