🔒A realidade chega a Dallas

Nas 16 temporadas desde que Mark Cuban tornou-se o dono do Dallas Mavericks prometendo não poupar esforços por um título, nunca vimos a equipe ficar abaixo dos 50% de aproveitamento numa temporada. Apenas uma vez, na temporada 2012-13, quando Dirk Nowitzki perdeu quase 30 jogos por lesão, o time não alcançou os Playoffs. E para coroar esse sucesso duradouro, o Mavs conquistou o título em 2011, colocando-se em definitivo entre a elite da NBA e alçando Nowitzki ao lugar na História que ele sempre merecia. Nesse ano, com apenas quatro vitórias até aqui – mesmo número do já acostumado 76ers – temos o Mavs na última colocação do Oeste, uma campanha desastrosa e a triste certeza de que estarão entre as piores equipes quando a temporada começar. Sem sombra de dúvidas é uma situação incomum para a equipe, uma com a qual seus torcedores não estão acostumados a lidar e que praticamente ninguém seria capaz de prever. Afinal, o que aconteceu?

A resposta difícil é que muito provavelmente o sucesso do Mavs nos últimos 16 anos acabou mascarando uma série de problemas estruturais que eventualmente iam acabar cobrando seu preço. A dependência de Nowitzki, do técnico Rick Carlisle e da grana de Mark Cuban garantiu uma constância em termos de competitividade – e uma campanha mágica e um tanto inexplicável em 2011 – mas definitivamente não constitui a mais saudável das estruturas na qual apoiar uma franquia. Depois de tantas “batidas na trave” no caminho para o desastre, de tantas campanhas salvas por jogadores menores, com elencos altamente questionáveis, uma hora as limitações seriam grandes demais para que algum milagre lhes permitisse colocar a cabeça para fora d’água. Esse momento chegou agora.

Depois do título em 2011, todo mundo se lembra de como o time acabou se desmanchando, especialmente porque Tyson Chandler recebeu uma proposta muito gorda do Knicks e Mark Cuban optou por não tentar igualá-la. Em sua cabeça, peças fundamentais daquela campanha estavam “velhas demais”, não ofereciam qualquer possibilidade real de futuro, e deixar que elas partissem era um preço pequeno frente à possibilidade de melhorar o time com grandes estrelas que estavam disponíveis em outras equipes graças ao término de inúmeros contratos. Os grandes alvos de Mark Cuban eram notoriamente Deron Williams, ainda com algo de “superestrela” restando em sua corrente sanguínea, e Dwight Howard, então o melhor pivô da NBA. Perder Tyson Chandler para um contrato gordo e Jason Kidd para a idade parecia BOBAGEM se fossem substituídos por jogadores com Deron e Dwight, talentosos e muito mais próximos do auge de suas carreiras. O problema é que os jogadores antigos partiram e as cobiçadas estrelas novas nunca toparam jogar por lá. A maior contratação daquele ano foi Lamar Odom, já entrando na pior fase de sua carreira, e que teve sua vida pessoal se desmanchando de vez justamente durante sua curta passagem pela equipe.

Essa anedota, tida por muitos como “o começo do fim do Mavs”, serve na verdade apenas como cortina de fumaça para esconder que desastre similar aconteceu também na temporada ANTERIOR, aquela em que o Mavs foi CAMPEÃO. Cuban também desmontou o time, abriu mão de alguns jogadores mais jovens e estava focado em contratar LeBron James – mesmo que todo mundo soubesse que ele nunca, em sã consciência, toparia jogar por lá. O Mavericks entrou a temporada 2010-11 conseguindo reassinar com Dirk Nowitzki, mas tendo que se contentar com uma série de “sobras” de outras equipes, incapaz de contratar uma única estrela sequer. Não é à toa que o time estava abarrotado de ex-estrelas no último suspiro de suas carreiras, como Jason Kidd, Peja Stojakovic e Shawn Marion, além de um exército de tapa-buracos como DeShawn Stevenson, Brian Cardinal e Brendan Haywood. Até mesmo Tyson Chandler, notório protetor de aro, vinha de passagens oscilantes por outras equipes e só consolidou-se como um jogador essencial para a equipe durante aquela campanha do título. É por isso que tantos especialistas em basquete não conseguiam entender como aquele Mavs estava chegando tão longe nos Playoffs, com um elenco cheio de jogadores secundários, atletas em fim de carreira e nenhuma grande estrela ao lado de Nowitzki. Antes da temporada começar, era grande a mobilização para o alemão abandonasse o Mavs e assinasse com outro time para ter alguma chance de ganhar um título em sua carreira, de modo que até o último minuto das Finais da NBA ainda era difícil de acreditar que ele conseguiria conquistar seu anel de campeão em Dallas.

[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Dirk fazendo o gesto do Comando Vermelho”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/12/Nowitzki.jpg[/image]

Buscar os grandes nomes no mercado de free agents e acabar por fim se contentando com jogadores indesejados por outras equipes, jogadores de banco de reservas e ex-estrelas em atividade é sem dúvida a marca do Mavs nos últimos anos – talvez na última década. Mesmo o título de 2011 não está fora da narrativa, ainda que o sucesso tenha sido fora da curva. Desde então o Mavs não poupou esforços para tentar contratar Carmelo Anthony, LaMarcus Aldridge, DeAndre Jordan e Kevin Durant, apenas para citar os maiores, e não teve sucesso contratando nenhum – o mais perto de um contrato, DeAndre Jordan, voltou atrás no último minuto após ter firmado um “contrato verbal” com a franquia.

Essa série de fracassos em montar uma equipe competitiva é um fato engraçado e conhecido na NBA, mas nunca pareceu assim tão sério porque o técnico Rick Carlisle sempre deu um jeito de conseguir resultados com aquilo que lhe ofereciam. O pior time do Mavs desde o ano 2000 foi aquele da temporada 2012-13, um CIRCO DE DESAJUSTADOS, com jogadores já fazendo hora extra na NBA como Derek Fisher, Elton Brand e Chris Kaman, Dirk Nowitzki lesionado por 30 partidas e um dos jogadores mais problemáticos da época, OJ Mayo, tendo que assumir o comando da equipe. O resultado? Foram 41 vitórias e 41 derrotas, o que teria sido suficiente para alcançar os Playoffs na Conferência Leste. É o tipo de coisa que dá pra colocar no currículo em letras garrafais como exemplo da habilidade TIRAR LEITE DE PEDRA. Mesmo na temporada passada, em que o Mavs teve que esquecer DeAndre Jordan e se contentar com Zaza Pachulia – e outros restos do jantar como Raymond Felton e Charlie Villanueva – e todos os especialistas cravaram que o time nunca chegaria aos Playoffs, eis que eles terminaram em sexto lugar numa Conferência Oeste completamente embolada. O técnico Carlisle é famoso por pegar jogadores medíocres e criar com eles esquemas táticos vencedores.

Se não fosse por isso, as escolhas questionáveis de Mark Cuban e demais engravatados do Mavs – e até do próprio Carlisle – teriam sido expostas muito mais cedo. Cuban passou anos apostando que tornaria seu time campeão na base do dinheiro, oferecendo os contratos mais gordos e pagando as maiores multas, mas criou uma mentalidade na equipe – e que transparece para todo o resto da Liga – de que nunca está satisfeito, de que os elencos nunca param, de que estão esperando apenas o próximo grande negócio que pode enviar qualquer jogador numa troca ou substituir qualquer jogador por um novo mais jovem e mais brilhante. Você pode até ganhar um título com o Mavs mas os donos já estarão pensando em como te substituir, em quem será o jogador mais apto a tomar o seu lugar. Depois do título de 2011, com as novas regras salariais decididas pela NBA, ficou mais difícil para Mark Cuban simplesmente pagar todas as multas e oferecer sempre os maiores salários, mas mesmo que ele pudesse, é evidente que isso não é suficiente. Jogadores têm medo de serem substituídos, de não serem apreciados, de que o elenco mude constantemente, de que não haja química, de que eles acabem presos num time recheado de trocentos jogadores secundários porque nenhuma outra grande estrela topou correr o risco de jogar por lá.

[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Kidd no Mavs: comemorando, mas nitidamente morto por dentro”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/12/Kidd.jpg[/image]

Parte disso é também culpa de Rick Carlisle. Não há dúvidas de que ele é um dos técnicos mais brilhantes de toda NBA, mas esse epíteto cobra um preço. Carlisle é uma dessas “grandes personalidades” que possui uma visão de basquete e quer implementá-la, que encaixa jogadores como encaixa engrenagens, controla todos os aspectos do jogo dentro e fora da quadra, não aceita confronto ou divergência, e que não tem NENHUMA PACIÊNCIA COM QUEM ESTÁ COMEÇANDO. Esse tipo de rigidez faz milagres com jogadores limitados que estão dispostos a cumprir seus papéis em quadra, mas é opressivo, desafiador e ENTEDIANTE para grandes estrelas que desejam modelos mais fluidos em que possam ter mais liberdade ou voz. Nos últimos anos, vimos Carlisle transformar Jason Kidd – um dos melhores e mais criativos armadores de todos os tempos – num burocrata chato, tendo que aprender a defender e arremessar de três, relegado a esperar oportunidades de arremesso parado e encontrar eventuais passes num esquema tático em que pouco tocava na bola. Kidd foi campeão com Carlisle, mas tão descaracterizado de seu jogo pessoal que a gente sequer seria capaz de RECONHECER ELE NA RUA. Rajon Rondo, então uma jovem e intempestiva estrela em 2014 pela qual o Mavs abriu mão de jovens promessas e valiosas escolhas de draft, simplesmente não topou se reinventar por completo e assumir uma posição menos criativa e acabou, no fim de uma longa novela, sendo retirado completamente da rotação da equipe. A história do Rondo pode até ter ajudado a destruir a carreira e a reputação daquele que já foi, em dado momento, o melhor armador de sua geração, mas certamente também ajudou a consolidar a péssima imagem que o Mavs e Rick Carlisle mantém com as estrelas da NBA. E se você assina um contrato gigante com a equipe e Carlisle te enfia numa posição bizarra com a qual você não está confortável e a imprensa começa a dizer que você não sabe mais jogar basquete? Some a isso o fato de que Carlisle se nega a colocar novatos para jogar – a não ser em situações de extremo desespero, quando todo mundo mais está fora de circulação – e temos uma receita desastrosa para afastar jovens talentos da franquia, para ignorar o draft e para continuar contratando, ano após ano, jogadores experientes sempre muito próximos de sua aposentadoria. O fato de que o elenco do Mavs seja tão rotativo de uma temporada para outra não é simples mudança de humores de seus jogadores, mas sim uma escolha estrutural por construir equipes de veteranos que sempre irão competir pelo título imediatamente através dos milagres de Rick Carlisle. Mesmo frente ao abismo dessa temporada, Mark Cuban insiste que eles “não estão reconstruindo”, que se pegarem uma boa escolha de draft será porque tentaram vencer e não conseguiram, mas que tentarão até o último minuto as contratações e trocas de sempre para montar um elenco de última hora. O preço a se pagar por essa escolha é inconstância, desconfiança dos grandes jogadores e o ETERNO RISCO de que dessa vez o elenco seja ruim demais – ou limitado demais – até para Carlisle, como dessa vez aconteceu.

[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Um resumo da passagem de Rondo pelo Mavs em apenas uma imagem”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/12/Rondo.jpg[/image]

Não quero de modo nenhum tacar Rick Carlisle na fogueira. Respeito sua visão de basquete, admiro as formações táticas que ele monta e entendo aqueles que dizem que ele tem um modo de fazer as coisas e que os que não concordarem podem simplesmente ir embora. Vários fãs do Mavs assumem essa postura: se o jogador, como Rondo, não aceita se encaixar no time, então não queremos ele por aqui. O único problema dessa visão é que vários jogadores não aceitam, e em breve não teremos NINGUÉM por aqui. Temos uma questão aqui que não é quão correto Carlisle está em suas propostas, mas sim como essas propostas são PERCEBIDAS pelo resto da NBA. Vivemos o sucesso do Warriors com Steve Kerr, um técnico tranquilo, aberto a mudanças, que dialoga com seus jogadores, e que nem por isso deixa de manter um ataque extremamente estruturado e bem desenhado. O Lakers foi de FEDOR HORRÍVEL para possível time dos Playoffs com Luke Walton indo na mesma linha, conversando com os jogadores de igual para igual e criando um ambiente em que seja “gostoso” jogar basquete. Lembro de vários relatos de jogadores dizendo que consideravam jogar para Mike D’Antoni só porque parecia DIVERTIDO; jogadores que saíam do Warriors treinado por Don Nelson reclamavam de como sentiam falta do clima aberto e receptivo que o técnico colocava na equipe; gente que boicotou o técnico Scott Skiles só porque ele tem tantas regras que só falta decidir o ângulo em que cada jogador FAZ XIXI. Temos uma geração de jogadores menos disposta a se submeter a regras que não compreenda, que foi alimentada por um discurso de “faça o que ama” e “seja feliz” – um discurso, aliás, que transforma violentamente as relações de trabalho, que antes eram sobre “aguentar o sofrimento em nome de um bem maior” – e que está muito preocupada com sua imagem pessoal, com sua recepção nas mídias sociais, e que não pode se dar ao luxo de parecer pior diante dos olhos dos críticos apenas porque um técnico está LIMITANDO SEU POTENCIAL. Quem está disposto a ser limitado em nome de construir algum legado são veteranos em fim da carreira, justamente a MASSA HUMANA que Carlisle tem conseguido recrutar nas últimas temporadas.

Basta ver o Mavs jogar nessa temporada para perceber que o que Carlisle faz não é para qualquer um. É preciso conhecer centenas de movimentações ofensivas, saber ler o jogo, obedecer os pedidos do técnico – que costuma ficar na lateral da quadra chamando as jogadas como se fosse ele mesmo o armador, ou então um técnico de futebol americano – e estar entrosado com o resto do elenco, todas coisas difíceis quando se é novo demais ou recém-chegado ao elenco. JJ Barea é um caso de sucesso no Mavs porque é um jogador limitado, disposto a abraçar o esquema tático, criativo apenas na medida certa para não atrapalhar a movimentação ofensiva, tem tempo de casa suficiente para conhecer todo o plano tático e gosta de Carlisle. Com ele lesionado graças a um problema no tendão de Aquiles e sem Dirk Nowitzki, também contundido e sentindo o derradeiro peso da idade, o elenco do Mavs é apenas um bando de jogadores perdidos, tentando adivinhar o esquema tático no escuro, num time sem nenhum plano de futuro que não seja CONTRATAR MAIS VETERANOS, querendo apostar em Harrison Barnes – um garoto que ENLOUQUECE Carlisle porque erra vários fundamentos, como qualquer outro garoto, e que precisa aprender ao mesmo tempo como se conter num esquema tático fechado e assumir as responsabilidades de liderança que seu novo contrato máximo lhe exigem. A realidade finalmente alcançou o Mavs: uma hora eles estariam condenados a um elenco que não entende o que Carlisle quer, seja por limitação, falta de tempo com a equipe ou falta de experiência com a NBA, e aí as derrotas iriam começar a empilhar. Essa era a hora certa de repensar o modelo, de criar um plano de longo prazo, apostar em novatos, pensar no draft, de pensar o motivo de tanta rejeição por parte das grandes estrelas e descobrir PARA QUEM esse time está se vendendo, quem é o público-alvo de sua visão de basquete. Se descobrirem que estão falando sozinhos, pregando para jogadores que jamais estarão interessados naquilo que o Mavs tem a oferecer, talvez seja o momento de admitir a derrota e mudar o discurso. Afinal, os descontentes podem até ir embora, mas não é possível jogar basquete se não sobrarem jogadores em quadra.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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