Como discutir (basquete) na internet

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Mas afinal, quem foi o melhor jogador de basquete de todos os tempos? LeBron James é melhor que Stephen Curry? É preciso ganhar um anel de campeão para ser realmente considerado um dos grandes? Jogo de costas pra cesta é melhor do que bolas de três pontos? Questões como essas são frequentes entre os fãs de basquete na internet, gerando discussões constantes e muito, muito, muito ódio por aí. Mas o que muita gente não percebe é que por trás de todas essas discussões existem algumas questões que são anteriores e fundamentais: qual a diferença entre opinião e verdade? O que seres humanos conseguem de fato saber? Por qual motivo discutimos? Preparem o café, porque o que espera vocês abaixo é um texto enorme sobre EPISTEMOLOGIA (que eu prometo levar para o esporte no final).

Objetivo ou Subjetivo

Quando dizemos que alguma coisa é “subjetiva”, queremos dizer que ela não é a respeito de algum objeto do mundo, mas sim sobre o próprio sujeito que fala ou pensa sobre essa coisa. Ou seja, quando você diz “eu gosto do Zach Randolph“, não está falando absolutamente nada sobre Zach Randolph, mas sim sobre VOCÊ MESMO, sobre seus gostos, sobre a reação que Zach Randolph causa sobre seu corpo e mente. Afirmações subjetivas não são informações sobre o mundo, não dizem nada a respeito das coisas, dizem apenas sobre você mesmo e suas próprias sensações. Por isso, não são afirmações que possam ser contestadas ou discutidas. Se alguém diz “eu acho morango muito saboroso”, não está dizendo nada sobre morangos, mas sim sobre como seu próprio corpo reage ao ter contato com morangos. Responder algo como “mas morangos são horríveis” é ridículo, porque estou contestando uma afirmação psicológica sobre um sujeito que não sou eu, tentando substituí-la pela minha própria sensação com o morango – e, de novo, sem falar absolutamente nada sobre o morango em si. Sempre que alguém disser “eu gosto do Austin Rivers“, a única resposta possível, além da risada óbvia, é “legal”. Não há mais nada que possa ser conversado a partir de uma afirmação meramente subjetiva.

Uma afirmação “objetiva”, por outro lado, não é sobre as pessoas que falam, mas sim sobre o objeto de que falamos. Ela precisa, então, nos dar informações não sobre minhas sensações, sobre meu corpo, mas sobre O OBJETO, sobre o outro corpo. São frases como “Michael Jordan é o melhor de todos os tempos” ou “James Harden é um bom jogador”. Elas não dizem nada sobre o sujeito que diz a frase, mas sim sobre os objetos (no caso, Michael Jordan e James Harden). São frases sobre o mundo que tentam simplesmente atestar a verdade sobre as coisas, da mesma maneira que falamos “essa parede é branca”, “esse texto tem letras” ou “o céu é azul”. Essas são as frases que nos importam, porque são a respeito do mundo que compartilhamos uns com os outros. Por que elas seriam frases polêmicas, então?

O objeto-em-si

Desde o século XVIII, somos obrigados pela Filosofia a admitir que falar sobre os objetos não é tão fácil quanto parece. Isso porque nosso contato com os objetos se dá através dos nossos sentidos, que podem simplesmente estar ERRADOS. Talvez os olhos humanos vejam que uma parede é branca quando na verdade ela tem outra cor inacessível aos nossos olhos; talvez nosso tato sinta texturas que não condizem com o objeto real. Os objetos da maneira que eles realmente são (os objetos “em si”) infelizmente são inacessíveis para nós. Talvez diferentes animais (os humanos inclusos) percebam todos os objetos do mundo de maneira diferente e não temos como assumir qual dessas maneiras está correta. O objeto está lá, sendo ele mesmo, e tudo que podemos fazer como humanos é dizer que nós O PERCEBEMOS de uma certa maneira. Não temos nenhuma garantia de estar vendo a “verdade” das coisas.

Esse é o principal motivo pelo qual discutimos. Não há “realidade” acessível para nós, só podemos nos basear na maneira como percebemos as coisas através dos nossos sentidos e da nossa linguagem. Isso significa que, caso percebamos as coisas de maneiras diferentes, não teremos como recorrer aos objetos para tirar nossa dúvida e estabelecer a verdade. Se eu vejo a parede branca e você vê a parede azul, como faremos? Obviamente nossa percepção não é a mesma, mas não há garantia de que minha percepção é melhor do que a sua. Costumamos recorrer ao poder da maioria, perguntar para muitas pessoas e ver quantas delas enxergam o branco ou o azul, mas quem diz que a maioria precisa estar necessariamente correta? E se a percepção da maior parte das pessoas estiver simplesmente comprometida?

Isso fica ainda mais complicado quando utilizamos objetos abstratos (ou seja, aqueles que nós não podemos usar nossos sentidos, aqueles que não dá para simplesmente “apontar” com um dedo). A pergunta que mais atormenta adolescentes na internet é se algo “é ou não é amor”. Pois bem, o “amor” é o objeto do qual queremos falar. Já sabemos que a verdade sobre esse objeto não é acessível, pois precisa da mediação dos nossos sentidos. Mas no caso do amor é ainda pior, porque não há nada concreto no qual possamos apoiar nossos sentidos. Trata-se de uma espécie de sensação, totalmente abstrata. Faça o teste e tente explicar para você mesmo o que é o amor e depois pergunte para outra pessoa. Você rapidamente descobrirá que não possuem sequer a mesma concepção de amor, então podem passar a vida inteira discutindo e não vão estar SEQUER FALANDO SOBRE A MESMA COISA, não estarão sequer discutindo sobre o mesmo objeto. Trata-se de uma maneira maravilhosa de jogar seu tempo livre PELA DESCARGA, algo que a maior parte das pessoas faz quando está discutindo sobre basquete na internet.

Conceitos de verdade

Alguns termos essenciais para a discussão esportiva passam pela mesma dificuldade. Conceitos como “bom jogador”, “bom defensor”, “boa jogada” ou “má jogada” são abstratos. Muitas vezes usamos esses “barulhinhos” simplesmente porque nos condicionamos a usá-los em determinadas situações, sem fazer a menor ideia do que de fato significam. Como acessar o real significado desses conceitos, ou seja, as regras para uma coisa ser “boa” ou “ruim”, por exemplo, é algo digno de debate. Para alguns, as regras são absolutas, invariáveis, e estão “fora” do mundo: precisam ser acessadas usando o pensamento racional, a Lógica ou até a oração. Para outros, essas regras são simplesmente invenções humanas, critérios que estabelecemos para facilitar nossa comunicação, uma concepção que defenderei daqui em diante.

Um exemplo: imagine pessoas que não conseguem concordar sobre a cor de uma parede. Pode ser que elas não percebam a parede da mesma maneira, ou pode ser que elas apenas não saibam de verdade o que as palavras “cor”, ou “branco”, ou “azul”, signifiquem. Um cientista então mede com um aparelho os raios que ricocheteiam na parede, vê o formato desses raios e estabelece: quando os raios tiverem “esse formato aqui”, a cor será “azul”.

É isso? O cientista encontrou a verdade? A Ciência é nossa porta para a verdade sobre o mundo? Claro que não. O que acontece é que a Ciência estabelece um conjunto de regras (no caso, as regras para algo ser considerado “azul”) e, quando seguimos essas regras, estamos de acordo com a verdade “científica”. Isso é muito útil por uma série de motivos: as regras da ciência nunca contrariam elas mesmas, mantém um padrão reproduzível e permitem não apenas que nos comuniquemos com algum consenso mas também que controlemos uma série de objetos do mundo. As regras da ciência não são necessariamente a verdade sobre o mundo, mas me permitem controlar doenças, moléculas ou o clima com bastante consistência, além de voar por aí e ler esse texto usando wi-fi. Podemos não saber como os objetos são de verdade, mas podemos ao menos saber quais são as regras que estabelecemos para poder falar e entender sobre as coisas, especialmente se essas regras trazem algum resultado.

Pressupostos

Quando falamos sobre QUALQUER COISA, fazemos isso através de pressupostos. “Pressupostos” são coisas que precisamos acreditar ANTES de poder falar aquilo que falamos. Por exemplo, quando eu digo uma frase simples como “está sol lá fora”, preciso antes de mais nada acreditar que aquilo que meus olhos viram é verdade – uso essa regra como base para poder informar o clima para outras pessoas, por exemplo. Se eu não acreditar nesse pressuposto (se eu achar que meus olhos podem me enganar o tempo inteiro), posso usar outros pressupostos, talvez abrir meu celular e ver a temperatura, por exemplo. Para isso, preciso acreditar no pressuposto de que a medição científica em graus é correta. Quando digo a coisa mais banal do mundo, como “o sol sairá amanhã cedo”, parto do pressuposto de que aquilo que aconteceu todos os outros dias da minha vida acontecerá novamente, num ciclo. Eu não tenho como garantir isso de maneira alguma, mas meu ponto de partida é acreditar que essa regra (a da repetição lógica) é verdadeira. Pode não ser “verdade”, mas usar essa regra funcionou todas as vezes até aqui e me ajudou sempre a preparar os meus dias.

Não existe uma verdade “fatual” nua e crua, incontestável, inquestionável, que seja acessível para os seres humanos. Tudo dependerá da sua percepção e dos pressupostos que você utiliza para interpretar o mundo. São essas regras ANTERIORES que utilizamos para falar sobre os objetos. Em geral, usamos as Ciências como pressuposto, mesmo quando cabulamos as aulas na escola ou somos super religiosos – simplesmente assumimos que as regras científicas funcionam como um bom critério de verdade porque elas são constantes, confiáveis e nos fornecem CONTROLE. Usamos a Lógica, a matemática, a biologia, etc, para conseguir um conjunto geral de regras que nos permitam estar falando sobre as mesmas coisas e julgá-las a partir de algum ponto comum. Mas podemos usar outros pressupostos tranquilamente numa discussão, seguindo apenas duas regras básicas: que esses pressupostos não contrariem outros pressupostos usados pela mesma pessoa, e que esses pressupostos sejam CLAROS e possíveis de serem explicados para outra pessoa. De outra maneira, não valem a pena ser comunicados.

Na hora da discussão

Você vai lá, todo alegre, e afirma na internet que LeBron James é o melhor jogador de todos os tempos. Legal, bacana. Mas o que você está fazendo, afinal? Se está apenas dizendo sobre COMO VOCÊ SE SENTE, eu tenho uma notícia dura e triste para você: NINGUÉM SE IMPORTA. Ninguém quer saber qual é sua sensação pessoal, como seu corpo se sente à presença virtual de LeBron James, ou como seus pelinhos se arrepiam quando LeBron faz uma cesta. Tudo isso diz apenas sobre você mesmo, e aí a internet não precisa ficar sabendo.

Mas se você está dizendo que LeBron James ser o melhor jogador de todos os tempos não é uma sensação, mas A VERDADE, eu imediatamente assumo que a verdade do objeto LeBron James (e do objeto “melhor de todos os tempos”) não é acessível aos humanos, e que então você está afirmando isso a partir de um PRESSUPOSTO, de um conjunto de regras inventadas que permitem essa afirmação. Para levar sua afirmação a sério então (e não achar que se trata apenas de um “barulhinho” fofo que você faz com a boca) eu preciso saber quais são os critérios que você usou, qual é a crença fundamental na qual você apoiou sua conclusão. No fundo, a questão realmente importante não é sobre LeBron James, mas algo ANTERIOR: o que significa ser “bom” em basquete e como nós humanos percebemos isso?

Se você usar como pressuposto que o objetivo do basquete é vencer, então pode basear sua afirmação no número de vitórias – mas isso exige um outro pressuposto, que é acreditar antes de tudo que um talento individual é suficiente para conseguir vitórias sozinho. Se você, pelo contrário, partir do pressuposto de que um jogador sozinho fantástico não conseguirá vitórias suficientes num elenco limitado, então o número bruto de vitórias não fará nenhum sentido para você. Da mesma forma, dizer que Michael Jordan é o melhor de todos os tempos porque acertou mais “arremessos decisivos” levanta uma série de questões. A primeira é o pressuposto de que a coisa mais importante no basquete são os arremessos decisivos, ou seja, apenas o final dos jogos – o que pode levar a afirmações problemáticas, que dariam o prêmio de melhor jogador dessa temporada ao novato Spencer Dinwiddie, que acertou mais arremessos decisivos do que qualquer outro até aqui. A segunda questão é que o precisamos de regras que definam o que é, afinal, um “arremesso decisivo”: tem que ser no último minuto ou nos últimos segundos? Qual aproveitamento nesses arremessos é considerado como bom? E os jogadores de times dominantes demais, que chegam no final dos jogos ganhando por uma larga margem e portanto não precisando de arremessos decisivos, serão penalizados?

A discussão tem então um valor: ela mostra quais são os pressupostos do julgamento e então TESTA esses pressupostos com outros jogadores, outros cenários, outras circunstâncias. Não podemos ligar o pressuposto para um caso e DESLIGAR para outro, só porque nos convém. O pressuposto é a base do nosso julgamento; se ele não está funcionando, se ele leva a conclusões confusas ou se não é consistente, é preciso abrir mão dele e escolher outro melhor e mais confiável.

Fake news

O principal problema das discussões sobre pressupostos na internet é que muita gente escolhe os pressupostos já pensando nos resultados que eles darão no futuro. Por exemplo, o carinha já decidiu que Michael Jordan é o melhor por motivos de PORQUE SIM, então ele caça qualquer pressuposto que lhe permita afirmar a superioridade do jogador – e quando esse pressuposto não for suficiente, ele partirá para outro que cumpra melhor esse papel. Idealmente, deveríamos fazer o trajeto contrário: escolher o pressuposto que pareça mais coerente, mais confiável, mais estável, que abranja a maior quantidade possível de casos, e aí DESCOBRIR EM TEMPO REAL suas consequências. Por exemplo: parto do pressuposto de que um bom jogador de basquete é o que faz mais pontos nos minutos finais quando seu time está perdendo, e baseado nessa premissa vou descobrir quem são esses jogadores que se encaixam no pré-requisito. O problema é que seguramente alguém me perguntará o motivo de eu acreditar que bons jogadores são os que fazem mais pontos quando o time está atrás, e terei que dar o pressuposto para isso. E o pressuposto para esse pressuposto, e assim por diante. Ninguém disse que falar sobre o mundo seria fácil.

Muitas pessoas deslegitimam um pressuposto simplesmente porque não concordam com a conclusão a que ele leva. Estão convencidos de que alguma conclusão qualquer é VERDADEIRA sem saber quais são as regras que a tornam verdadeira, e então quando vem uma conclusão diferente, assumem que ela é falsa, mentirosa, “fake news”, sem entender quais são os pressupostos para aquela conclusão. Vemos isso bastante na internet: alguém simplesmente discorda de você, não faz a menor ideia das regras que levam à sua conclusão (ou até à conclusão dele próprio) e assumem que você está dizendo o que diz por “safadeza” ou “falta de cárater”, especialmente quando estamos falando de política. É por isso que em geral começo discussões políticas não pelo fim (as leis, os nomes dos políticos, as consequência), mas pelo começo (qual seu pressuposto para o conceito de sociedade; o que é “política”; para que serve o Estado; o que é um indivíduo; etc). Isso evita que a pessoa assuma que eu tenho más intenções só porque chegarei numa conclusão diferente à dela.

Estatísticas avançadas

O grande objetivo de uma discussão na internet é então expor pressupostos, tentar levá-los a sério sem desconsiderá-los só porque você não gosta das consequências do pressuposto, e garantir que eles não sejam contraditórios. Já cansei de ver aluno achando absurdo o uso de estatísticas para alguns casos (“avião é um meio de transporte seguro segundo as estatísticas”, “ah, mas eu não concordo”) e usando estatísticas como se fossem a verdade em outros (“tem 80% de chance de chover hoje”). Talvez por isso nossos pressupostos tendam a ser matemáticos e científicos, porque são meios que não permitem a contradição, valem da mesma maneira em todos os casos. Quando você me diz que James Harden é o líder de bolas de três pontos da NBA, posso questionar a medição (“será que alguém errou a conta”, “será que estão marcando direitinho”) e posso questionar a relevância desse dado (“pontos não significam nada no basquete, o que importa é corta-luz!”), mas não posso questionar a estatística em si. Isso porque ela segue a regra matemática que usamos como pressuposto para quase tudo, uma regra que não varia. Se num ano alguém fizer 30 pontos por jogo e em outro ano um jogador totalmente diferente alcançar a mesma marca de 30 pontos por jogo, posso garantir pelo pressuposto matemático que eles foram equivalentes nessa categoria. Se eu garantir que o mesmo pressuposto está sendo usado para considerar o que é ou não um rebote, por exemplo, posso garantir também que dois jogadores com números idênticos pegaram a mesma quantidade de rebotes, mesmo que eu não possa julgar a situação.

É como se estivéssemos estabelecendo uma linguagem comum, um conjunto de regras geral que todos podemos usar para conversar – de certa maneira, é como se estivéssemos estabelecendo o que é uma parede branca para evitar que cada um ache uma coisa completamente distinta, um caos linguístico. O que podemos é discutir os pressupostos para levar essas estatísticas a sério, o quanto elas são relevantes para nosso entendimento, e se elas são mais úteis para falar do objeto-em-si inacessível do que as outras estatísticas disponíveis. Por serem constantes e terem seu funcionamento explícito, elas são sempre mais desejáveis ao “ele é melhor porque sim”. Mas estabelecer uma relação entre ser bom e os números exige uma série de pressupostos que, mais uma vez, precisam ser dissecados, debatidos e testados.

Muitas estatísticas avançadas já contém dentro de si os próprios pressupostos, o que ajuda a entender a leitura que a pessoa que bolou aquela estatística tem sobre o jogo. Por exemplo, imagine uma estatística (muito comum nos jogos de “fantasy basketball”) que some todos os pontos, rebotes, assistências, roubos e tocos de um jogador num número único, e que façamos um ranking de quem faz mais desses pontos em busca do “melhor jogador”. O pressuposto dessa estatística é de que um roubo tem o mesmo valor numérico que um ponto – mesmo que pontos em geral sejam feitos em conjuntos de dois ou três, e que roubos sejam mais raros e demandem mais esforço. Ou seja, se você achar que pontos são mais importantes que todo o resto, já que eles valerão o dobro por “acontecimento” numa partida, essa estatística será válida. Mas se você quiser levar em consideração o esforço, partindo do pressuposto de que aquilo que exige mais esforço deve ser mais valorizado, então precisa bolar uma conta que infle o valor de roubos e tocos. Se você partir do pressuposto (contemporâneo) de que um bom jogador é aquele que possui bom aproveitamento, então terá que levar em consideração, junto com todos esses números, a porcentagem de aproveitamento de todos os tipos de arremesso. E então começam a surgir contas complexas, que levam em consideração uma série de pressupostos que dão pesos diferentes a diferentes acontecimentos no basquete, como a famosa conta para calcular o PER (“Ranking de Eficiência do Jogador”):

uPER = (1 / MP) *
[ 3P
+ (2/3) * AST
+ (2 – factor * (team_AST / team_FG)) * FG
+ (FT *0.5 * (1 + (1 – (team_AST / team_FG)) + (2/3) * (team_AST / team_FG)))
– VOP * TOV
– VOP * DRB% * (FGA – FG)
– VOP * 0.44 * (0.44 + (0.56 * DRB%)) * (FTA – FT)
+ VOP * (1 – DRB%) * (TRB – ORB)
+ VOP * DRB% * ORB
+ VOP * STL
+ VOP * DRB% * BLK
– PF * ((lg_FT / lg_PF) – 0.44 * (lg_FTA / lg_PF) * VOP) ]

Os pressupostos mudam

Quando estamos comparando jogadores, precisamos nos lembrar que os pressupostos mudam com o passar dos tempos. Não é que o objeto mude (o objeto em geral é sempre o mesmo), mas as regras que nos permitem interpretá-lo estão em constante mudança. Toda vez que mudamos nossos pressupostos com relação ao basquete (aquilo que acreditamos que é fundamental para o basquete, que por sua vez determina o que é fundamental para um jogador ser considerado bom) chegamos a conclusões diferentes. Isso quer dizer que durante um tempo podemos achar que o melhor de todos os tempos é um jogador, e depois de um tempo mudar de ideia, levando em consideração outros critérios. Nada mudou NO MUNDO, os jogadores ainda são os mesmos e fizeram as mesmas coisas em suas carreiras, somos nós que estamos mudando as regras de avaliação. É como se você tivesse feito uma prova na escola e tirado zero, mas dez anos depois alguém corrigisse novamente e, dado os avanços da Ciência, descobrisse que na verdade você tirou 5. Ou, mais bizarro ainda, as escolas decidirem que o que importa mesmo é QUÃO BONITA É A SUA LETRA, e então sua prova fosse transformada num 10 (algo equivalente ao amor pelo Allen Iverson ter se tornado um ódio enorme por seu jogo ser “feio” ou “irresponsável”).

Em diferentes momentos da História, julgamos o basquete pela dificuldade dos movimentos, pela beleza estética dos lances, por aquilo que considerávamos “um comportamento adequado europeu” (e aí proibimos as enterradas), pelo número de títulos, pelo números de pontos brutos, pela eficiência nos arremessos. Os objetos lá, sempre os mesmos, mas a gente mudando de ideia o tempo todo sobre as regras de julgamento. Já julgamos defensores baseados em rebotes, tocos e roubos, até alguém sugerir um outro pressuposto, que exigiu novas estatísticas, e aí conseguimos analisar a quantos pontos um defensor limita seu adversário a cada posse de bola. Mas aí alguém sugeriu que um time pode ajudar a mascarar esses dados e, aceitando esse pressuposto, criamos novas estatísticas que levam a defesa coletiva em consideração. O processo não para.

Quando eu digo que o melhor de todos os tempos pode mudar, não quero apenas dizer que pode nascer um novo jogador que será o melhor de todos. Quero dizer, principalmente, que afastados para sempre do objeto-em-si real como estamos, mudaremos nossos pressupostos e com isso nossa ideia do que significa ser “o melhor”, esse conceito abstrato que surge como consequência de nossos critérios de interpretação do mundo. É por isso que as discussões não deveriam ser sobre as consequências, mas sobre os pressupostos, e precisam ser o mais universalizantes quanto possível – se você tem um critério que só você entende, ele não é passível de discussão e portanto não precisa ser colocado no mundo, é uma perda de tempo para todos os envolvidos.

Quando nos damos ao trabalho de discutir sobre basquete, precisamos nos perguntar o MOTIVO de estarmos fazendo isso. Será que discutir nossos pressupostos nos ajudará a ter novas ideias, novas interpretações e portanto novas conclusões? Será que conseguimos ajudar alguém a entender nossos pressupostos e, a partir daí, falar uma língua “comum” ao invés de ficar preso na própria cabeça com suas opiniões subjetivas? Ou será que estamos apenas BERRANDO NA INTERNET falando de nós mesmos, querendo que os outros saibam como nós nos sentimos por que pensamos estar num palco virtual? Você está mostrando as regras do seu pensamento ou está só me contando que você gosta de morango?

Quando alguém aparecer na internet dizendo que não concorda com você porque SENTE DIFERENTE, porque PERCEBE DIFERENTE, e sendo incapaz de apontar os pressupostos que baseiam suas afirmações sobre os objetos, basta se afastar – não há nada que possa ser ganho com isso para nenhuma das partes. Mas, por favor, não percamos jamais a chance de expor nossos pressupostos em busca de que eles sejam COLOCADOS À PROVA – não há nada mais incrível do que descobrir que estamos errados e encontrar, em seguida, uma maneira melhor e mais eficiente de interpretar o mundo.


Post em homenagem ao Vitor Camargo, do site Two-Minute Warning, o maior especialista que eu conheço em discutir em vão com louquinhos histéricos em sua conta do Twitter. Apenas, por favor, eu lhe imploro, pare.


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