🔒Como levar a sério um jogo que não é sério

Um herói parte para uma jornada, enfrenta dificuldades, descobre o alcance de seus poderes, supera obstáculos, enfrenta dilemas e, finalmente, alcança o seu grande momento: está cara a cara com o arqui-inimigo. A música épica sobe, a tensão cresce, você come suas unhas e… o herói decide que é hora de fazer uma piada.

Você já viu esse filme, viu mais de uma vez e viu há muito tempo. E não foi só você. Lá em 1727 o poeta Alexander Pope cunhou um termo para se referir a situações como essa na poesia. ‘Bathos’ é quando uma obra muda bruscamente da seriedade, do sublime, para o humor trivial.

Normalmente, e especialmente em filmes de super-heróis, o ‘bathos’ serve como alívio cômico. A intenção é louvável, os roteiristas só querem fazer o público dar risada e sair do cinema com a sensação de diversão. Funciona na primeira vez, talvez na segunda, mas depois de tantos anos de vida e de cinema, a coisa muda: não é mais tão engraçado, é previsível e na prática acaba matando o nosso engajamento. Depois de horas fazendo a gente se importar com a história, a piada só serve para tirar todo o peso que o próprio roteiro ralou para alcançar. No fim das contas o bathos explicita uma certa fragilidade, mostra para todos o medo de que o público perceba que é tudo uma grande bobagem.

Não se ofendam, fãs de cinema, quadrinhos e heróis. Todas essas coisas são ridículas, mas também são ridículas a maioria das atividades que fazemos na vida que não são comer, dormir e se reproduzir. Nós, fãs de basquete, por exemplo, ficamos nervosos, exaltados, animados e em êxtase quando dez caras se digladiam para colocar uma bola grande em um arco pequeno e alto. É ridículo quando explicamos para um alienígena, mas deixa de ser quando estamos todos juntos nessa e abraçamos a ideia de que é isso que a gente quer. A honestidade supera a objetividade. Até boa parte daquela exaltação esportiva do “é mais que um jogo” não é mais do que uma resposta nervosa daqueles que se desesperam ao perceber o quanto dedicam de suas vidas a somente um jogo. Não deveriam, o jogo é legal por ser só um jogo.

O uso do bathos nas cenas de filmes de super-heróis indica uma insegurança do roteirista. Um medo de que a audiência, se não for ocupada com risadas, vai perceber que o drama da história é só muito bobo. Embora geralmente a risada venha, ela custa o investimento do espectador na história, que ri quando deveria estar se emocionando e se revirando na cadeira pela tensão do momento.

Não sou muito bitolado em cinema e muito menos em heróis, mas eu gostaria de ser. As histórias criadas em volta desses personagens têm um grande potencial de “e se…” que flertam muito com o melhor da ficção científica, um gênero que sempre me fascinou. Então “e se existisse um homem super poderoso que não pudesse ser detido por nada ou ninguém?”, ou “e se um bilionário construísse uma armadura poderosa e resolvesse fazer o que bem entendesse no mundo?”. São preceitos que poderiam criar extrapolações de mundo profundas e divertidas, mas que geralmente esbarram em cenas de perseguição e piadas por puro medo de tentar ousar e parecer brega.

Também por não ser bitolado em cinema e heróis, ao ler sobre o bathos eu imediatamente tentei transferir isso para o esporte. A primeira vez que senti a ação do bathos foi assistindo um Super Bowl, anos atrás. O primeiro tempo de partida havia sido tenso, brigado, o maior jogo da vida de quase todos os envolvidos. Aí de repente tudo parou e a Katy Perry estava dançando ao lado de tubarões de pelúcia. Acredite, eu AMO a Katy Perry e AMO animais de pelúcia, mas naquele momento tudo pareceu fora de hora. O show do intervalo é muito longo, as músicas tem outros temas e toda aquela festividade colorida parecia como uma piada que quebrava a tensão do jogo. E eu não queria que a tensão fosse quebrada! Ela era meu envolvimento com o jogo, era o que me conectava a um esporte que eu nem entendo tão bem assim.

Na NBA, o parente mais próximo que encontrei foi o All-Star Game. Neste filme, o roteiro é feito por muitas mãos: o evento é planejado pela NBA, mas executado pelos jogadores. A liga, ao longo de muitos anos, transformou este fim de semana em algo maior (ao menos em promoção) até do que a grande FINAL da NBA. Todo tipo de mídia e celebridades são convidadas para ir lá prestigiar a grande exibição da nata do basquete mundial, uma celebração do topo do topo do esporte. Mas aí chega a segunda parte, os jogadores: o que vimos em diversas ocasiões, talvez em seu auge em 2017, foi um grande ‘bathos’. Eles pegaram toda essa preparação, todas as estrelas do passado na primeira fileira, o anúncio épico de todos os jogadores no pré-jogo e jogaram no lixo com uma apresentação preguiçosa, trivial e ansiosa para ir embora.

O tamanho das críticas foi tamanho que neste ano os dois lados resolveram agir. A NBA seguiu anunciando o jogo como o seu grande evento, mas decidiu mudar o formato de escolha dos times para tentar motivar os jogadores. Os jogadores, incomodados com a exposição negativa, decidiram abraçar a ideia. LeBron James liderou o bando e nada mostra melhor isso do que esse vídeo:

Aqui temos, finalmente, a ação dos jogadores combinando com o que era vendido pela NBA: um misto de competitividade, de celebração, interação entre as estrelas da liga e homenagem ao passado. O final do All-Star Game de 2018 foi tudo isso junto: todos os envolvidos querendo ganhar, disputando até o último segundo e –importantíssimo — celebrando o resultado.

Ao contrário do roteiro de filmes de heróis, dessa vez os jogadores não tiveram vergonha do que estavam vivendo. Eles sabem que o jogo não vale nada, que é um evento que vale mais para a imagem da NBA do que para eles individualmente, mas não tiveram medo do brega e entraram para valer. Aqui temos que dar valor para LeBron James e Stephen Curry que, como capitães e nomes mais famosos da NBA na atualidade, fizeram questão de passar o recado de que ninguém seria ridicularizado por ser o único mané a levar a sério o amistoso. Eles foram os líderes que alinharam os objetivos, expectativas e tornaram o bathos desnecessário.

O jogo não valia nada, e ainda bem que ninguém nos lembrou disso no último minuto da partida. Foi divertidíssimo.

Torcedor do Lakers e defensor de 87,4% das estatísticas.

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