Lembro quando comecei a assistir basquete, ainda criança, nos anos 90. Naquela época as minhas apostas para quem iria vencer um jogo eram bem simples, minha irmã mais velha escolhia um time para torcer, eu pegava o outro e a gente se desafiava. Assim ela torcia para o Phoenix Suns de Charles Barkley, eu era o Chicago Bulls de Michael Jordan. Ela era River Plate nas transmissões do Campeonato Argentino no “canal 16”, eu era Boca Juniors, e seguia assim a vida toda: ela Milan, eu Sampdoria, ela Real Madrid, eu Barcelona e só concordávamos na hora de torcer para o Corinthians. DifÃcil acreditar que não crescemos viciados na jogatina.
Era divertido, mas acabou no momento em que deixamos de escolher as coisas só pela cor do uniforme. Como é natural com todo mundo, fomos ficando mais velhos e caÃmos na ilusão de querer achar razão e motivo nas coisas. Começamos a bancar o comentarista de TV, fazendo previsões, tentando antever situações de jogo e adivinhar quem seria o grande destaque de uma partida. Nunca vimos saltos ornamentais antes? Dane-se, vamos dar as notas e tentar prever o campeão. De uma maneira ou de outra, acho que nunca superamos esse estágio. Talvez num futuro distante a gente alcance o nirvana esportivo de ser capaz de sentar na frente de uma partida e simplesmente aproveitar seu acontecimento sem buscar visualizar acontecimentos antes da hora, não agora.
Como ainda estou longe de qualquer tipo de nirvana, podemos brincar de preview, ou o que chamo de “Basquete Teórico”. Isso engloba prever uma partida e arranjar maneiras diferentes de se divertir enquanto ela acontece, um tema que abordei de maneira mais simples no nosso primeiro ano de existência. Por prever eu não quero dizer bola de cristal, mas ser capaz de conhecer os times o bastante para poder ter uma ideia do que DEVERIA acontecer na quadra. É o que eu sempre digo, todo esporte fica mais legal quando você sabe a historinha antes, você só aproveita a zebra quando sabe quem é a zebra.
Antigamente, ao se analisar um jogo futuro, ou uma série de Playoff que iria começar, o que a gente fazia era comparar os times posição por posição. Parece simplista demais, mas fazia sentido. Até o começo deste século a NBA proibia variações de defesa por zona e os times eram obrigados a defender no mano-a-mano, então se você ia enfrentar Michael Jordan, Gary Payton ou Hakeem Olajuwon a primeira pergunta era quem vai defender esses caras individualmente durante todo o jogo, não ter um adversário a altura para o trabalho era sinônimo de derrota.
Hoje as coisas são diferentes, acho que o exemplo mais gritante aconteceu nas finais de 2011 entre o Miami Heat e o Dallas Mavericks. O Mavs não só usou muito de defesa por zona para fechar o garrafão contra infiltrações de LeBron James e Dwyane Wade, mas também contou com ela para se dar ao luxo de não precisar de um especialista para defender LeBron. Por mais que Shawn Marion fosse o cara óbvio para a função, muitas vezes eles trocavam a defesa após pick-and-rolls e deixavam o nanico e vovô Jason Kidd para marcar o cara mais indefensável do mundo. Dá pra imaginar? Um trem como LeBron James no auge da sua brilhante carreira sendo defendido por um armador baixinho de quase 40 anos! Nos anos 90 era sinônimo de massacre, em 2012 foi um sucesso. Jason Kidd mantinha certa distância, forçava LeBron aos arremessos de longe e tinha nas suas costas uma defesa que podia deixar os maus arremessadores do Heat mais à vontade enquanto deixavam o garrafão engarrafado (que expressão!) demais para que alguém pudesse entrar.
Ficou mais difÃcil prever os jogos porque eles ficaram mais complexos, mas ainda é possÃvel. Vou colocar aqui o meu caminho de quando vou escrever um preview aqui no blog.
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1. Velocidade do jogo
Muita gente não costumava dar valor para isso, mas cada vez mais tem sido um assunto comentado, e com toda a razão. Existem times que gostam de acelerar o jogo, de correr e forçar um ataque rápido logo depois de recuperar uma bola ou conseguir um rebote defensivo, alguns outros aceleram mesmo após uma cesta sofrida. Alguns, por outro lado, querem justamente o contrário. Os motivos são vários: times querem acelerar para que a defesa adversária não tenha tempo de se posicionar, ou querem ir devagar porque seus jogadores não são bons na velocidade ou ainda porque querem esperar que seu lento e gigante pivô tenha tempo de se estabelecer lá dentro do garrafão. De qualquer forma, é preciso ler os dois times e saber quem quer o quê.
Se um time lento enfrenta um outro veloz, é preciso reconhecer isso na hora do seu PREVIEW MENTAL e tentar descobrir quem vai impôr sua condição ao adversário. A final do ano passado foi um exemplo claro: o Warriors queria velocidade, o Cavs queria um jogo embaixo d’água. A estratégia do Cavs deu certo enquanto LeBron James concentrava o ataque em si, mas passou a dar errado quando o Warriors resolveu ousar, forçar marcações duplas e obrigar o Cavs a tocar a bola, criando mais situações onde eles poderiam interceptar passes, forçar erros e sair correndo. Nesse caso, portanto, o que poderia definir tudo eram três fatores: poderia o Cavs se manter durante 7 jogos sem errar muitos arremessos, conseguindo múltiplos rebotes ofensivos e sem cometer os temidos turnovers? Qualquer um desses itens que falhasse resultariam em contra-ataques. Está aà o seu preview, o resto era ver o jogo e descobrir o resultado. Calhou que o Cavs perdeu o aproveitamento e chegou aos turnovers quando o Warriors apertou com seu time baixo, e aà perderam os rebotes quando o técnico David Blatt resolveu que deveria jogar baixo também. Xeque-mate, Steve Kerr.
Como acompanhar: preste atenção no Ãmpeto e nas reações de qualquer pessoa que recupere uma bola ou pegue um rebote, se ela sair correndo ou parecer desesperada procurando um armador, que provavelmente já vai estar correndo, sinal de que o plano de jogo é o clássico “CORRE, MALUCO!”. É importante reparar nessa primeira reação porque ela dedura a intenção, já que não dá pra julgar só pelo resultado. Às vezes a ideia é correr, mas uma boa defesa de transição estraga os planos.
E uma dica PARA A VIDA, sempre olhe para onde a bola não está, dá pra aprender muitas coisas: os jogadores do time de ataque correm para o rebote de ataque ou para a defesa quando alguém do seu time arremessa? Um time que quer parar o contra-ataque pode mandar um jogador para contestar o rebote enquanto o resto fecha a defesa, por exemplo.
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2. As primeiras opções
Sou viciado em assistir primeiros quartos de jogos. Quando não tenho tempo para ver uma partida inteira, às vezes vejo só o começo e, caso o placar tenha sido apertado, o final. Isso porque são nos primeiros minutos que ficam mais óbvias as instruções dos treinadores, é um jeito prático de poder julgar o trabalho do treinador em montar um plano de jogo. Também não tem a pressão dos minutos finais, problemas de falta à parte estão todos os titulares em quadra e o placar ainda está próximo. É um cenário mais livre das interferências que acabam manchando uma análise tática.
Assistindo primeiros perÃodos dos times ao longo do ano é possÃvel conhecer mais de suas primeiras opções, o jeito que o time gosta de jogar na maior parte das vezes. Sabendo disso é possÃvel cruzar informações entre as duas equipes que vão se enfrentar e que você quer prever: o Milwaukee Bucks procura acionar Greg Monroe, O NY Knicks ainda dá mais chances aos triângulos, o Blazers deixa claro seu jogo de pick-and-roll, mesmo o Warriors mostra mais repertório do que os pick-and-rolls de Curry e Draymond que dominam o quarto final.
Como acompanhar: segure seu dedo no League Pass e ao invés de só ficar pulando de fim de jogo emocionante em fim de jogo, assista o começo de cada partida e tente ler as jogadas que cada equipe desenhou. Ver se essas jogadas funcionam de novo no final da partida é um bom jeito de medir como cada time se adapta ao longo de uma partida.
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3. Adaptando-se
Seja na velocidade ou em qualquer outro tema chave, é preciso imaginar se um time terá como se adaptar. No caso citado acima, o elenco limitado do Cavs durante os últimos Playoffs foi decisivo. Era claro que se o Warriors resolvesse a questão da velocidade, o Cavs não teria elenco para dar uma resposta e a série estaria encerrada. Mas não é sempre assim, nessa etapa do preview a gente olha para o banco de reservas, para quintetos “alternativos” e tenta imaginar o que um técnico pode fazer quando as coisas começarem a dar errado.
Por exemplo, o Memphis Grizzlies pode tirar Zach Randolph ou Marc Gasol de quadra caso precisem se adaptar a um time que jogue com um ala de força que joga muito longe da cesta? Eles estão testando isso nas últimas semanas, tem sido legal de assistir. Um time que enfrenta o Memphis tem uma opção para marcar Z-Bo caso estejam apanhando demais nos rebotes ofensivos? Nem os técnicos mais preparados sabem o que vai acontecer quando começa a partida, mas precisam ter na manga opções para todas as variáveis.
Como acompanhar: Escolha uma caracterÃstica apenas para acompanhar, nós somos blogueiros e fãs, não somos scouts profissionais e nem assistentes técnicos com 40 anos de basquete, não dá pra abraçar o mundo. Se antes da partida você achou (ou leu por aÃ) que o grande tema da partida ia ser o duelo pelos rebotes, acompanhe só isso, veja como os dois times lutam por cada bola perdida, quando um arremesso sair da mão do arremessador, segure a tentação de ver a laranja voando pelos céus e veja a briga por posição dentro do garrafão.
Se o interessante é um duelo entre armadores, olhe só para os dois point guards e veja como o duelo evolui ao longo do jogo. Eles se marcam de perto ou de longe? Passam por cima ou por baixo dos bloqueios? Que lado eles deixam para a infiltração? E tem mais: eles se marcam a noite toda? Às vezes pintam uns duelos lindos no papel, mas na hora eles passam boa parte da partida sem se enfrentar, acontecia direto com Kobe Bryant e LeBron James. Você também pode acompanhar só a defesa do pick-and-rol, como cada time defende as bolas de 3 pontos na zona morta ou mesmo como um time faz para conseguir (ou evitar) passes para dentro do garrafão, o difÃcil e importante “entry pass“, esse é o segredo, aliás, de como o Warriors sobrevive a times altos.
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4. Duelos individuais
Pois é, eles não são a coisa mais importante como eram até os anos 90, mas muito da NBA ainda se resolve assim. Equipes como o OKC Thunder e o Houston Rockets são montadas e planejadas para criarem situações onde seus melhores jogadores acabem a posse de bola isolados contra seu defensor. As ISOs não são as melhores jogadas do basquete, mas quando você tem Kevin Durant ou James Harden no seu time essa estatÃstica fica um pouco mais a seu favor. É aà que você faz a sequência de perguntas quando pensa o seu preview: (1) esse time depende do mano-a-mano?; (2) esse time cria situações de jogadas individuais?; e (3) quem vai defender quem?
É importante que um time saiba colocar o seu jogador de ISO em situação de se dar bem, ou seja, com espaço e condições de passar a bola caso seja afogado com marcações duplas.
Essa é uma das grandes questões do Los Angeles Clippers, por exemplo. Apesar de um dos ataques mais difÃceis de marcar na NBA, ainda pecam na defesa e tem na defesa de perÃmetro, dos alas, seu maior buraco. Como eles vão lidar com Kevin Durant ou Kawhi Leonard quando o bicho pegar? Ano passado ainda tinham Matt Barnes fazendo eles suarem, mas nesse ano nem isso. Não esqueçam das surpresas, porém. Alguém imaginava que JJ Redick fosse causar tantos problemas para Harden? Nem eu.
Como acompanhar: Não tem segredo, foca no seu jogador favorito, no mais importante ou no mais decisivo e veja como ele joga, acabará aprendendo muito sobre o seu defensor no processo. Ver só um jogador acaba sendo divertido até para os que não jogam tanto no mano-a-mano: tente ver jogadores que não tem como a principal caracterÃstica a pontuação, já que esses a gente acompanha quase que naturalmente. Veja como Boris Diaw consegue sempre está na hora certa, no lugar certo, como JJ Redick não para de se mexer por um segundo sem ter a bola na mão ou Tony Allen dando a vida em nome da defesa, e à s vezes até exagerando e tomando más decisões por causa disso.
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5. Jogos dos números
As estatÃsticas podem enganar muito na hora de fazer o preview de uma partida, especialmente quando a temporada ainda não chegou nem em sua metade. Os times não enfrentaram todo mundo, podem ter jogado mais vezes certos tipos de time e por isso suas estatÃsticas disparam. O mesmo Clippers foi exemplo disso nessa semana, seus números defensivos melhoraram demais, mas eles acharam alguma coisa ao usar mais Luc Mbah a Moute, ou foi só por que enfrentaram vários times limitados durante sua viagem? Ninguém sabe ainda.
Um time pode ser, por exemplo, o lÃder da NBA em rebotes ofensivos, mas usar isso para cravar que vão dominar o jogo é precipitado. Antes de mais nada é preciso ver como o adversário se sai em rebotes defensivos e como se sai em impedir que os adversários ganhem posses extras, no ano de Cristo de 2015 existem estatÃsticas para tudo. Depois disso é preciso fazer a relação entre os quintetos. Sim, o Cavs é dominante nos rebotes ofensivos, mas continua sendo mesmo quando Tristan Thompson não joga? O OKC Thunder continua com bom aproveitamento nesses rebotes mesmo nas formações em que Kevin Durant está na posição 4?
Os números nos dizem que o quinteto do Thunder com Westbrook, Waiters, Durant, Ibaka e Kanter é o melhor da NBA em rebotes de ataque, com impressionantes 50% de rebotes ofensivos (a cada 2 arremessos errados, 1 eles recuperam quando esse quinteto está em quadra), já com Durant na posição 4 ao lado de Ibaka, Anthony Morrow, Waiters e Westbrook, o Thunder não pegou um rebote ofensivo sequer. Foram apenas 37 minutos juntos do primeiro grupo, 35 do segundo, mas deu pra entender, né? Um time pode parecer muito bom em uma coisa, mas basta uma mudança de peça para tudo ir para o ralo. Se você aposta no Thunder jogando baixo contra o Warriors, por exemplo, pode descartar a carta dos rebotes de ataque.
Como acompanhar: NBA.com/stats