Domando lobinhos

Unir o técnico Tom Thibodeau com a molecada do projeto de reconstrução do Minesota Timberwolves sempre teve cheiro de desastre: é a junção de um técnico rigoroso, meticuloso e avesso a novatos com um dos elencos mais jovens e inexperientes da NBA. Se os fãs e analistas mal conseguiam controlar a alegria quando Thibodeau foi escolhido para o cargo foi porque, além dele ser bom demais para ficar desempregado, topou integralmente o projeto sabendo da bucha que iria ter que lidar. Não é daqueles casos em que um técnico cai numa situação completamente adversa e tem que se virar para não perder o emprego, Thibodeau escolheu o desafio perfeitamente ciente das limitações e agruras do projeto. Por isso a antecipação com essa união, da nossa parte, juntou elementos de circo dos horrores (quem não quer ver a junção mais bizarra possível entre um morcego e uma cabra?) e também de esperança no futuro (quem não quer ver um time jovem e empolgante como o Wolves tendo a melhor defesa da NBA?). Agora, com mais da metade da temporada nas costas, já é possível espiar o Wolves e tentar definir se há mais horror ou mais esperança na terra dos jovens lobinhos.

A primeira coisa que precisamos já tirar do caminho é a ingênua esperança de alguns de que esse Wolves desse certo IMEDIATAMENTE e que a assinatura de Thibodeau já fosse nitidamente visível na equipe desde as primeiras partidas. De maneira simples e direta, o Wolves foi um desastre no começo da temporada – e tinha todas as razões para sê-lo. Além de contar com três titulares essenciais à equipe com apenas 21 anos (Zach LaVive, Karl-Anthony Towns e Andrew Wiggins), a tal “assinatura” de Thibodeau exige uma série de leituras e reações defensivas que só funcionam realmente quando são executadas à perfeição, tornadas um hábito e com dedicação e confiança irrestrita de todo o elenco. Um dos seus aspectos defensivos mais importantes, por exemplo, é a defesa conhecida como “ICE”. Basicamente ela consiste no defensor perceber que receberá um corta-luz e então se antecipar a isso dando um passo e colocando-se ENTRE o jogador que está com a bola e o outro que fará o corta-luz. Na prática, isso significa inviabilizar o corta-luz (e consequentemente toda a jogada de pick-and-roll) enquanto dá espaço para que o jogador com a bola infiltre na direção CONTRÁRIA àquela que o corta-luz propunha.

Na coletânea acima, tirada diretamente do famoso Bulls que Thibodeau comandou por 5 anos – sempre pelo menos entre as 5 melhores defesas da NBA – podemos ver que essa antecipação do defensor ao corta-luz exige que outro defensor, em geral aquele que estaria marcando o jogador que faz o bloqueio, acompanhe uma possível infiltração do jogador com a bola afunilando ele para o lado de FORA da quadra, rumo às laterais. Na prática, isso significa que o jogador que está com a bola não encontra espaço para arremessar no perímetro (aquele passo de antecipação do defensor encurta a distância para um possível arremesso), não consegue infiltrar até a cesta (o jogador que marcaria o bloqueio está cobrindo sua infiltração) e não pode parar no lugar (porque o defensor que se antecipou agora o está perseguindo por trás). O jogador com a bola tem poucas opções: continuar batendo a bola em movimento, o que em geral levará a uma marcação dupla num dos cantos da quadra, o que é muito difícil de se desvencilhar; tentar um passe para o outro lado da quadra, o que em geral leva a roubos de bola ou o recomeço da jogada; passar a bola para trás, em direção ao jogador que tentou fazer o corta-luz; ou então dar um arremesso de meia distância. As últimas duas opções levam a arremessos relativamente livres, mas com o PIOR aproveitamento e relação custo-benefício no basquete. Alguns desses arremessos vão ser convertidos? Com certeza, mas pelo menos eles não são bandejas, não geram faltas e lances livres, e não são bolas de três pontos. Num esporte em que o cobertor da defesa é sempre muito curto, é preciso fazer escolhas e Thibodeau escolheu dar a seus adversários o pior dos arremessos disponíveis.

O problema é que essa defesa exige que o defensor SAIBA que o corta-luz está vindo para poder se antecipar. No vídeo acima vemos alguns momentos em que Kyle Korver, notoriamente um defensor MUITO limitado, simplesmente dá um PASSO DE FÉ, se antecipando magicamente a um corta-luz que está ainda a uns dois ou três segundos de acontecer, e mesmo assim a jogada ofensiva inteira é obrigada a mudar, o atacante com a bola entra na armadilha e passa a ser esmagado pelos dois defensores. Mesmo com um defensor individual ruim, usar a defesa “ICE” num corta-luz obriga os adversários a desenrolar a jogada no lado OPOSTO ao planejado, exigindo improvisação e bons arremessadores de média distância. Korver e Carlos Boozer nunca comprometeram a defesa do Bulls porque nessas condições nunca foram obrigados a marcarem SOZINHOS, podendo sempre fechar o sanduíche com o jogador com a bola sendo o recheio. Isso também permite à defesa não ter que ser agressiva, não ter que contestar arremessos nem “limpar” o aro, o que favorece jogadores pouco atléticos e diminui drasticamente o número de faltas cometidas. Mas como o jogador é capaz de saber que está na hora de se antecipar ao corta-luz? A resposta é simples, porém triste para o Wolves: experiência e comunicação constante entre todos os companheiros, duas coisas que jogadores novatos não possuem em nenhum grau.

Vejam a primeira jogada dessa coletânea de momentos do Kawhi Leonard acabando com a defesa do Wolves duas semanas atrás.

Ricky Rubio está perseguindo Tony Parker e não faz ideia de que sofrerá um corta-luz de Gasol porque Karl-Anthony Towns não avisa nada; Rubio é obrigado a improvisar, passar por “baixo” do corta-luz e Parker poderia ter recebido a bola no alto para um arremesso livre de três pontos. Ao invés disso, Gasol aciona Leonard, que está sendo marcado por Andrew Wiggins. O coitado do Wiggins até tenta se antecipar ao corta-luz de Gasol, mas como o pivô do Spurs se moveu um pouco e Towns NÃO AVISOU DE NOVO, Wiggins até faz o ICE, mas com um pouco de atraso. Agora é a hora de Towns esquecer DE TODO O RESTO DO MUNDO e se focar só em interromper o caminho de Leonard para a cesta, forçando o ala a passar a bola ou dar um arremesso de meia distância. E aí o que ele faz? Fica na frente de Leonard e misteriosamente dá DOIS PASSOS PARA LONGE logo em seguida, abrindo caminho para a cesta fácil, talvez por medo de que Gasol esteja livre para um arremesso livre de meia distância. Infelizmente não podemos ver o Thibodeu no lance, que estaria gritando a plenos pulmões que TOWNS NÃO É PAGO PRA TER MEDO DO GASOL, mas sim pra manter o esquema tático defensivo, né.

A jogada seguinte nos melhores momentos acima tem Wiggins de novo tentando se antecipar e fazendo isso um pouquinho atrasado, mas Dieng faz a sua parte do acordo e Kawhi Leonard é forçado a um arremesso de fora do garrafão que ele converte por motivos de SER BOM. Na terceira jogada do vídeo, Wiggins não se antecipa, tem que passar por baixo do corta-luz (como Rubio fez no primeiro lance que comentamos) e aí Leonard recebe o passe no alto para o arremesso livre de três pontos. O resto do vídeo é uma coleção de vários momentos em que os defensores do Wolves são pegos de surpresa e vários momentos em que o Wolves acerta o ICE – em geral um pouco atrasados, mas vá lá – e Kawhi acerta arremessos contestados. É legal ver o pavor do Bjelica numa dessas jogadas, que fica olhando A CADA DOIS SEGUNDOS para os lados tentando antecipar um corta-luz que nunca vem.

Towns no vídeo acima é o exemplo máximo de tudo que está errado na defesa do Wolves: ele não se comunica, não avisa os companheiros, e não CONFIA no processo. Thibodeau tem falado bastante recentemente sobre como a defesa certa às vezes toma cestas e que os jogadores instintivamente querem fazer ajustes para não tomar essa cesta novamente. Mas com total respaldo dos números, que Thibodeau assumidamente ama, as defesas certas vão tomar cestas difíceis e tentar impedi-las abrirá espaço para cestas mais fáceis. Confiar na defesa é tomar cestas e confiar de que elas fazem parte do plano e não é necessário mudar nada – não é preciso sair para proteger o Gasol, mesmo que ele acerte vários arremessos, porque é preferível que Gasol continue chutando essas bolas difíceis para ele do que Kawhi Leonard fazer uma bandeja mamão-com-açúcar sem nenhum defensor na sua frente. Nas palavras de Thibodeau, “basta confiar que as porcentagens estarão a nosso favor”.

Esse tipo de coisa leva tempo, treinamento e muito puxão de orelha. Mas nosso medo de que Thibodeau arrancasse a cabeça de algum novato e devolvesse para a família fincada num palito se mostrou exagerado. Embora ele ainda pareça que vai ter um aneurisma cerebral em todos os jogos, gritando como um completo doido e perdendo a cabeça com os milhares de erros bobos da equipe, os jogadores são unânimes em afirmar que fora das quadras ele é uma presença calma, controlada e extremamente didática. Para a imprensa, Thibodeau sempre diz quais foram os erros da sua equipe, mas também dá um jeito de encaixar um elogio para algo que viu de positivo, mesmo que seja algo genérico como o “esforço” ou a “vontade” da equipe. Ainda acho que ele acorda todos os dias pensando em morrer quando vê cagadas épicas como o vídeo abaixo, mas ele ao menos está se controlando.

Sério, se o Thibodeau não desistiu depois disso, não desiste mais. O período crítico já passou, incluindo a tensa parte de transição para o novo modelo defensivo. A defesa do Wolves nessa temporada já deixou de ser a pior em pontos tomados a cada 100 posses de bola e agora é só a oitava pior – uma melhora significativa. Levando em consideração apenas esse mês de janeiro, o Wolves já tem a décima primeira melhor defesa, virtualmente empatados com a oitava melhor. O time já não é mais uma questão de não saber o que está fazendo, mas sim de não conseguir fazer as coisas certas com a constância necessária, abandonando as movimentações defensivas corretas nos momentos de tensão. Prova disso é que no Net Rating, índice que mostra quantos pontos o time faz a mais do que toma por partida, o Wolves está em décimo sétimo lugar com -0.7, mesmo número de times como o Pacers, que possui SETE VITÓRIAS A MAIS QUE O WOLVES. Com exceção do Bucks, todos os times acima do Wolves nesse ranking estão nos Playoffs. O Nuggets, com -1.5 pontos por jogo, está logo abaixo do Wolves no Net Rating mas tem três vitórias a mais, suficiente para a oitava vaga para os Playoffs. É a evidência de que o Wolves perde muito jogos por placares baixos, em geral culpa de erros defensivos nos momentos cruciais. No primeiro e no segundo quartos, o Wolves faz 5 pontos a mais do que leva a cada quarto (sétima melhor marca da NBA); o problema é que leva 8 pontos a mais do que faz no terceiro período e 5 a mais do que faz no quarto período. É um time que não consegue segurar vantagens, que lida mal com a reação do adversário e que desmonta depois de tomar uma sequência de pontos. Mas já foi pior: até o mês passado, o Wolves tomava VINTE E SEIS pontos a mais do que fazia em terceiros períodos, pior marca disparada da NBA. Marca de uma equipe incapaz de manter o plano de jogo depois dos ajustes dos adversários, símbolo máximo de equipes jovens em desenvolvimento.

Muito provavelmente a equipe não chegará aos Playoffs nessa temporada, mas a melhora numérica é evidente e o fato de que Thibodeau está conseguindo manter uma boa relação com seus jogadores enquanto esse avanço gradual ocorre é suficiente para espantar os maiores temores dos fãs mais pessimistas. Quando a defesa finalmente for capaz de usar o ICE em todo corta-luz de maneira eficiente, o Wolves possivelmente terá uma defesa a ser temida e os contra-ataques passarão a ser uma arma eficaz para desafogar o ataque. A única dúvida, claro, é quanto tempo isso poderá levar: se o avanço for lento ou estagnar, será que a torcida e os próprios jogadores terão paciência suficiente para acreditar no Thibodeau e sua confiância no processo e nas estatísticas?

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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