O contrato entre a Associação dos Jogadores da NBA e a Liga não era renegociado desde 2011, o fatídico ano em que um impasse nas negociações fez com que a temporada começasse apenas em dezembro. Dessa vez, o contrato (conhecido como CBA) foi assinado sem maiores conflitos assim que um problema apontado pelos donos dos times encontrou uma solução que agradou os jogadores: temendo que estrelas abandonassem suas equipes de formação para criar “super-times” como o Golden State Warriors, as equipes da NBA queriam melhores chances de manter seus jogadores; a solução foi permitir que apenas aqueles que tenham feito uma extensão com o time que os draftou possam assinar um SUPER-MEGA-HIPER-BLASTER contrato máximo, que apelidamos aqui no Bola Presa de “pote de ouro” e que certamente agradou os bolsos dos poucos jogadores que se qualificam para recebê-lo. Para entender mais sobre todas as novas regras salariais, vale a pena dar uma ouvida em nosso podcast especial que destrincha todas as mudanças entre o acordo atual e aquele que estava em vigor desde 2011.
Draftado pelo Kings em 2010 e previsto para encerrar sua primeira extensão na temporada que vem, DeMarcus Cousins é um dos raros jogadores que poderiam se aproveitar das novas regras salariais imediatamente. Se o Kings quisesse manter seu mais talentoso jogador ao invés de perdê-lo depois de tantos e tantos anos de cuidado e paciência com o problemático rapaz, bastaria lhe oferecer o POTE DE OURO, uma bagatela em dinheiro que nenhum outro time teria permissão de igualar. Parecia a solução perfeita para evitar que times com poucas chances de vitória sejam desmanchados pelo interesse dos seus jogadores em novos mercados, e também para evitar que várias super-estrelas se juntem de maneira impune – ao ir para o Warriors, por exemplo, Durant teria aberto mão de uma quantidade OBSCENA de dinheiro por sair do time que o draftou caso a regra já estivesse valendo.
Mas como bem avisamos em nosso podcast especial, essas novas regras salariais sempre querem arrumar algum problema antigo e acabam sem querer criando problemas novos, a serem resolvidos apenas na próxima negociação entre jogadores e a NBA. O primeiro problema desse CBA a aparecer nos pegou de surpresa logo ao fim do All-Star Game: DeMarcus Cousins, o jogador que segundo as regras atuais o Kings poderia manter até O FINAL DOS TEMPOS, foi trocado para o New Orleans Pelicans por um conjunto de valor muito próximo a um pacote de Trakinas de morango.
Lider da NBA em faltas técnicas pelos últimos 4 anos (e vice-líder um ano antes), líder da NBA em faltas cometidas em 4 das suas 7 temporadas sem jamais ter ficado fora do Top-3 da categoria, famoso por deixar seus companheiros na mão em quartos períodos por ter sido expulso, responsável direto ou indireto por seis técnicos diferentes terem passado por Sacramento nas últimas sete temporadas, recém-suspenso após ultrapassar o limite permitido na NBA de 16 faltas técnicas numa temporada, DeMarcus Cousins só foi tolerado pelo Kings por todos esses anos por ser um dos jogadores mais talentosos de sua geração – possivelmente o melhor pivô da década. A diretoria acreditou por muito tempo que afastá-lo seria afastar também as chances de retornar o time à relevância; deixar o pivô feliz sempre foi o objetivo do General Manager do Kings, Vlade Divac. A cada polêmica, a cada expulsão, Divac sempre esteve lá para acalmar o jogador e dizer que a franquia estava do seu lado. O problema é que os resultados nunca apareceram, a equipe de Sacramento está novamente fora da zona dos Playoffs e não parece que a situação tenha muito potencial de mudança num futuro próximo. A ausência de planos de mudança já era motivo para brigas internas na diretoria há tempos, com vários funcionários decididos a se livrar de Cousins e começar de novo e o dono da equipe relutante de perder a maior estrela que conseguiram em mais de uma década. Essa bagunça poderia ter continuado por pelo menos mais um ano se as regras salariais novas não tivessem colocado o Kings contra a parede.
DeMarcus Cousins passou a falar ativamente sobre continuar com o Kings por toda sua carreira e passou a cobrar a equipe por uma extensão de contrato – não qualquer extensão, mas A SUPER-MASTER-EXTENSÃO, o POTE DE OURO a que ele tem direito por nunca ter sido trocado e estar no fim de sua primeira extensão convencional. Frente a isso, o Kings se viu obrigado a considerar se eles realmente querem se comprometer com o Cousins a ponto de lhe pagar esse salário obsceno que faria com que ele se tornasse virtualmente impossível de trocar para sempre, pois ninguém seria capaz de acomodar o salário. A dúvida é genuína: se cercar Cousins de talento já é difícil agora, como seria a partir do momento em que, para mantê-lo em Sacramento, ele comesse uma parte ainda mais significativa do teto salarial? Se o Kings não está decidido de que o time com Cousins terá chances de lutar por um título, a hora de trocá-lo era justamente agora, antes de assinar com ele o POTE DE OURO INFINITO. Ao invés das novas regras ajudarem o Sacramento Kings a manter seu jogador, acabaram forçando-o a decidir sobre seu futuro e, em última instância, trocá-lo enquanto é tempo.
Mas aqui surge o segundo efeito colateral das novas regras: ao ser trocado, DeMarcus Cousins perde o direito ao tal contrato-hiper-super-máximo e, portanto, ele não tem mais nenhum motivo para ficar com a equipe que trocar por ele. Ao fim da próxima temporada, Cousins pode escolher ir para QUALQUER EQUIPE sem com isso estar abrindo mão de dezenas de milhões de dólares e se sentir um idiota no processo – ele já teria aberto mão disso ao ser trocado do Kings à força. Com um jogador notoriamente instável como Cousins, tanto dentro quanto fora da quadra, é natural que as equipes temam mandar jogadores significativos em troca do que pode ser apenas um empréstimo de uma temporada e meia e chances reais de destruir qualquer química ou tranquilidade de vestiário que a equipe porventura tenha. Isso virou motivo para que os times que poderiam enviar pacotes realmente interessantes pelo jogador (especialmente Blazers, Celtics e Lakers, que andaram conversando com o Kings nas últimas semanas) perdessem o interesse, segurassem suas melhores moedas de troca e, por fim, oferecessem trocas pouco ou nada vantajosas para Sacramento. A situação do Kings ficou desastrosa: ou aceitava uma troca desfavorável, com jogadores de potencial limitado e escolhas de draft protegidas, ou se via obrigado a gastar MUITO mais dinheiro com o Cousins e confiar que o time iria melhorar sozinho, mesmo se não conseguissem pagar outros jogadores verdadeiramente melhores para ajudá-lo. Obviamente mesmo os engravatados mais satisfeitos e apaixonados pelo Cousins em Sacramento não acreditavam que lhe dar o “pote de ouro” seria benéfico para o futuro da equipe e por isso a troca, ainda que completamente porcaria, aconteceu. Receber um jovem jogador e uma escolha de draft, pelo jeito, era melhor do que ficar preso fora dos Playoffs por mais alguns anos, comprometer ainda mais o espaço salarial e não conseguir nunca mais trocar o Cousins por algo minimamente digno. Os outros times, por outro lado, acharam mais seguro tentar negociar diretamente com Cousins daqui a uma temporada e meia ao invés de abrir mão de peças importantes e correr o risco de perder tudo.
Os primeiros relatos dizem que o Kings receberá na troca com o Pelicans dois jogadores em fim de contrato ou dispostos a terem seus contratos encerrados (Tyreke Evans e Langston Galloway) apenas para abrir espaço salarial, um jovem jogador (Buddy Hield, que o Pelicans acreditava ter potencial para se tornar uma estrela e o Kings estava de olho no último draft) e duas escolhas de draft para o ano que vem, uma de segunda rodada do Sixers e a de primeira rodada do Pelicans, que além de tudo é PROTEGIDA, ou seja, não vai para o Kings caso ela se torne uma das três primeiras escolhas do draft. Não que essa escolha fosse de fato virar Top-3, é bem provável que o Pelicans consiga alcançar os Playoffs com a dupla Anthony Davis e DeMarcus Cousins se ninguém morrer na franquia mais bichada da NBA, mas o fato de que o Kings não conseguiu sequer uma escolha desprotegida é uma DERROTA SIMBÓLICA violenta. É a demonstração máxima de que as novas regras salariais deram ao Kings ZERO PODER DE NEGOCIAÇÃO.
Quer ver quão longe é o fundo do poço? O Kings ainda teve que mandar na troca, aparentemente, Omri Casspi, que está cada vez mais achando seu lugar na NBA e vai ser mais útil para o Pelicans do que Buddy Hield jamais foi na temporada atual. É a coisa mais próxima que já vimos, em uma troca, de um ASSALTO À MÃO ARMADA, mas é óbvio que o Kings não teve outras opções a considerar. Manter o Cousins pelo “pote de ouro” do contrato ogro-über-máximo só faria sentido se a equipe realmente acreditasse que o time está indo a algum lugar, o que claramente não está. Ou seja: o Kings pode até ser burro, Divac pode até ser um dos General Managers mais fracassos de sua geração, mas nem mesmo eles seriam capazes de achar que o time estava no caminho certo. Se houve um erro na maneira com que o Kings lidou com Cousins, esse erro não está nessa troca e sim na incapacidade da equipe de construir uma máquina do tempo à base de plutônio, voltar uns anos no passado e criar um ambiente adequado para DeMarcus, com regras claras, algum grau de disciplina, punições para quando ele deixava os companheiros segurando a bucha por ter sido expulso e, se nada desse certo, uma troca ANTES das novas regras salariais. O discurso em Sacramento é unânime: trata-se de construir um novo clima, uma nova mentalidade na franquia. O ambiente dos últimos anos era simplesmente impossível de se conviver.
Se fosse eu, acho que ficaria com o Cousins lhe dando o contrato ômega-zipid-zum só pra não passar a VERGONHA de abrir mão dele por uma maldita escolha desprotegida e um jovem e promissor jogador que não acerta nem 40% dos seus arremessos de quadra. Mas é compreensível que o Kings tenha achado que o estrago de aloprar a folha salarial seria maior do que essa vergonha pública. Só nos cabe, então, dar risada, apontar os dedos e, na base da piada, convencê-los do contrário. Vamos lá internet, faça o seu trabalho!
[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”O futuro lembrará de Jordan não como jogador, mas como meme”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2017/02/Jordan.jpg[/image]
Assim que a troca for oficializada, com todos os demais jogadores confirmados, escreveremos imediatamente sobre o impacto tático nas duas equipes. As chances de Cousins e Anthony Davis não funcionarem juntos é gigantesca (são dois pivôs que gostam de armar o jogo e arremessar de fora), mas ainda assim a dupla eleva o Pelicans a outro nível, dando ambições reais à franquia. Pelo lado do Kings, há uma coisa a considerar: e se com esse desmonte o time se livrar também do Rudy Gay e, consequentemente, a equipe começar a ganhar mais jogos como ocorre com qualquer equipe que o Rudy Gay deixa pra trás? O pior é que a hipótese nem é tão absurda: o Kings é tão caótico no formato atual que talvez um outro formato, qualquer que seja, consiga melhores resultados a curto prazo. Para o futuro, no entanto, o Kings vai ter que começar tudo de novo. Será o asterisco definitivo para qualquer time que quiser se reconstruir através do draft: e se mesmo assim não der certo, e se sua estrela brigar com os técnicos, e se você não conseguir nada em troca dessa estrela no futuro? Que o caso Kings atormente o sono de todos os General Managers que cogitarem afundar suas campanhas de propósito, são os votos de Bola Presa e família.