Por tanto tempo ouvimos Dirk Nowitzki ser acusado de ser um jogador sem porte físico, fracote, “soft”, daqueles que não aguenta nenhum impacto tanto no ataque quanto na defesa. Sua capacidade ofensiva sempre encontrou brechas para isso, com seu arremesso por cima da marcação numa perna só que lhe cria o espaço necessário sem ter que ficar dando ombradas ou correndo de um corta-luz para o outro. Na defesa, alvo maior de críticas, Nowitzki demorou um pouco mais para encontrar soluções. Tornou-se um bom marcador por zona sem ter que trombar com corpos, aprendeu a cobrir seus companheiros e fez parte de uma fantástica defesa coletiva – mesmo sem muitos talentos defensivos individuais – naquele Mavs campeão em 2011. Nowitzki provou que seu talento era maior do que quaisquer limitações físicas que pudessem lhe apontar e subitamente a percepção dele foi completamente alterada, como mostramos num dos nossos clássicos infográficos da época:
[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”A imortalidade dos desenhos feitos no Paint”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/03/Nowitzki.png[/image]
Ainda assim, ninguém em sã consciência colocaria Nowitzki para marcar por um jogo inteiro um ala de força físico e brigador, daqueles que batem cabeça dentro do garrafão. Mas a NBA foi mudando – em parte por conta do sucesso do estilo do próprio Nowitzki – e os alas de força foram cada vez mais se afastando do garrafão e convertendo arremessos do perímetro. Até que em 2016 finalmente chegamos no estranho dia em que Dirk Nowitzki pode ser um PIVÔ em tempo integral, porque não existem sequer pivôs que ainda briguem e dominem fisicamente o espaço embaixo do aro. Sobrevivemos tempo suficiente para ver o corpo mirrado de Nowitzki jogar como pivô e não ser ameaçado por isso.
O fato histórico – que já tinha acontecido em pequenos momentos durante vários jogos, mas que agora impressiona por ser já na escalação dos titulares – ocorreu na vitória contra o Hornets no começo da semana. Nowitzki saiu de quadra com 23 pontos, 11 rebotes e 2 tocos. Sua vida como pivô foi incrivelmente facilitada pela condição de reserva de Al Jefferson, um dos jogadores de mais força física no garrafão da última década, do papel totalmente secundário na movimentação ofensiva de Cody Zeller, e do posicionamento no perímetro do pivô Frank Kaminsky. Isso apenas torna mais verdadeira a afirmação de Nowitzki de que ele poderia ser um pivô pelo resto de sua carreira já que, tirando uma ou outra presença mais física que ele teme enfrentar, não existem mais pivôs que joguem de costa para a cesta para incomodá-lo. Estão todos arremessando de longe, fazendo corta-luz para arremessos alheios do perímetro, ou sentados no banco para não atrapalhar o espaçamento da quadra, o ritmo dos passes e a velocidade dos contra-ataques. Aos poucos, pivô atrás de pivô vai perdendo minutos para jogadores mais leves e arremessadores. O coitado do Zaza Pachulia, que tinha sido um raro achado para o Mavs quando eles não conseguiram DeAndre Jordan, agora volta ao banco para jogar meia dúzia de minutos. Com Nowitzki em seu lugar, o time ganha em espaçamento de quadra, em opções de ataque e em arremessos de fora. E tudo isso sem ser punido defensivamente, afinal o outro time estará provavelmente fazendo a mesma coisa.
Mas o paradoxo dessa tática é que quanto mais times fazem uso dela, quanto mais times sentam seus pivôs para melhorar o ataque, mais passa a valer a pena usar pivôs grandes e fortes para explorar a falta de uma presença de garrafão defensiva do outro lado. O pivô-revelação do Heat, Hassan Whiteside, fez questão de deixar isso claro quando afirmou no seu Twitter que “times baixos só funcionam contra pivôs que não sabem pontuar” e que “adoraria que colocassem um pivô de 2,01m” contra ele. É claro que esse pivô de 2,01m de altura é Draymond Green, provavelmente o melhor pivô da NBA atual, e o jogador que toda equipe gostaria de ter para conseguir manter o espaçamento no ataque aliado a uma marcação impressionante de múltiplas posições na defesa. A resposta de Green foi imediata: “Você sabe pontuar? Pivôs grandes estão virando dinossauros”.
[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Conversa de quinta série”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/03/Dinossauros.jpg[/image]
A troca de farpas entre os dois continuou até que finalmente se enfrentassem em quadra no fim de fevereiro, com os dois jogadores querendo provar um ponto. A partida foi fantástica, com o Heat perdendo a liderança da partida apenas nos segundos finais, depois que Hassan Whiteside deu um toco decisivo numa bola de 3 pontos do Draymond Green e Curry pegou o rebote para definir o jogo – num arremesso por cima do mesmo Whiteside.
Em números, Draymond Green acabou o jogo com 1o pontos, 11 rebotes, 3 assistências e 1 toco, enquanto Hassan Whiteside teve 21 pontos, 13 rebotes e 2 tocos. Poucas vezes vimos Draymond Green ter tanto trabalho perto do aro – por outro lado, Whiteside foi obrigado a passar boa parte do quarto período dando arremessos da cabeça do garrafão porque não havia espaço para entrar ou linhas de passe para receber a bola lá dentro. O que isso significa? Que embora pivôs muito altos possam realmente receber a bola por cima de todos os marcadores e causar estragos enormes em times que optaram por jogar baixo, ainda é extremamente difícil acionar esses pivôs de uma maneira consistente dentro do garrafão, de modo que esses pivôs precisam entrar em momentos específicos, cercados por formações bem planejadas do elenco. Não foi a dominação que Whiteside planejava (já que ele chegou a dizer que seria como em seus tempos de colegial, quando era marcado por nanicos e saía de quadra com 40 pontos), mas foi uma das raras vezes em que vimos o Warriors sofrer mesmo jogando em alto nível, com 42 pontos de Stephen Curry e 33 pontos de Klay Thompson.
Basta ver o movimento de toda a NBA para sabermos que o Heat terá uma série de benefícios jogando sem pivô – ou, mais especificamente, com Chris Bosh saudável de pivô, arremessando de 3 pontos como se não houvesse amanhã. Com um forte sistema de estatística e um basquete voltado para a eficiência numérica, toda a comissão técnica do Heat sabe perfeitamente bem isso. Mas é que o paradoxo torna-se cada vez mais evidente e quanto mais times pulam nesse barco da eficiência com times baixos, mais compensador fica usar um pivôzão para forçar o adversário a mudar de estilo e sair da zona de conforto – só que usar esse pivôzão faz você perder muita eficiência, o que faz você deixar o pivôzão no banco, o que só torna ainda mais compensador outro time usar esse pivôzão e assim por diante.
O problema é que não é qualquer tipo de pivô que compensa colocar em quadra numa situação dessas. O principal pivô dessa geração ainda é Dwight Howard e sua falta de repertório dentro do garrafão e incapacidade de passar a bola para fora o tornam útil apenas com passes por cima e em pontes-aéreas. Se é para fazer isso, DeAndre Jordan ainda é mais eficiente, mais agressivo, causa mais impacto fisicamente. Se quase todos os times fazem o infame “hack-a-Jordan”, faltas propositais para levar DeAndre para a linha de lances livres, não é apenas porque sabem que o pivô vai errar a maioria – é também porque precisam tirá-lo de quadra o mais rápido possível porque o estrago ofensivo e defensivo que ele causa no adversário é inacreditável.
Em uma NBA que criava aversão a arremessos pouco eficientes e de longuíssima distância, Stephen Curry se tornou o melhor de todos treinando essas bolas pouco recomendáveis mesmo assim, até torná-las eficientes e imparáveis. Nessa NBA que senta os pivôs para espaçar a quadra e ganhar em velocidade, resta que algum pivô treine um jogo de costas para a cesta, físico e agressivo mesmo assim – porque quanto menos minutos esse pivô tiver, mais faz sentido que ele entre em quadra para punir os adversários. Se continuar treinando e resistindo contra a maré, uma hora enfim chegará sua vez.