🔒O que faz um Free Agent decidir seu destino?

Há algumas semanas o JJ Redick nos trouxe algumas novidades. Primeiro ele assinou um mega contrato de VINTE E TRÊS milhões de dólares por um mísero ano com o Philadelphia 76ers para se tornar o vovô de um dos times mais jovens de toda a NBA. Pouco tempo depois ele resolveu nos contar como isso aconteceu: ele retomou seu podcast, que estava parado há meses, e fez um episódio onde falava de todo o processo de decisão, desde quando achou que não ia achar nenhum time e ia acabar atuando na Europa, até quando tinha 23 milhões de verdinhas para gastar.

Aí, então ele lançou um mini-documentário que o acompanhou nesse processo, mostrando desde o último jogo com a camisa do LA Clippers até o processo de mudança de casa e a negociação frenética no meio do CAOS que é a Free Agency da NBA. Vale cada minuto:

Essa abertura de jogo do Redick mostrou muita coisa de algo que a gente costuma saber pouco, normalmente só por pedaços. Como é o processo de decisão de um jogador que se torna Free Agent e deve escolher onde irá jogar no futuro. Isso, claro, ao mesmo tempo que descobre que times querem que ele vá lá “levar seus talentos”! Neste texto, levamos como base o caso e os argumentos de Redick e falamos sobre o lado do jogador e tudo o que ele pesa na hora de tomar uma decisão que irá definir os rumos da sua vida pessoal e profissional.


Dinheiro

Como qualquer um de nós, o dinheiro é um fator decisivo na hora de buscar um emprego. Queremos ganhar o máximo possível, com o máximo de garantias e benefícios que pudermos. Na NBA isso se dá de algumas formas bem abertas e outras que raramente são divulgadas ao público.

A mais óbvia é o valor total de contrato, quantos milhões de doletas o cara vai receber a cada ano. O que complica essa parte para um jogador é que nem todos os times podem oferecer caminhões de grana. Alguns só tem espaço limitado no teto salarial, outros já o ultrapassaram faz tempo. Se isso acontece, o jogador terá que aceitar receber as “exceções“, os benefícios que os times recebem para poder contratar jogadores. Entre eles estão o mid-level exception (cerca de 8.4 milhões por ano, nesta temporada) o tax payer mid-level, que é dado aos times que além de estarem acima do teto, estão pagando multas (cerca de 5.1 milhões), o bi-annual, que todo time sem espaço recebe a cada duas temporadas (3.2 milhões) e, claro, o salário-mínimo-cesta-básica (2.3 milhões). 

Ou seja, um jogador já sabe o que cada time acima do teto pode pagar e deve mirar os times abaixo dele para poder ganhar mais que isso. No caso do JJ Redick, pesou muito o fato de que Brooklyn Nets e Philadelphia 76ers tinham MUITO espaço no teto salarial e poderiam pagar uma nota pesada naquele que poderia ser o último grande contrato da sua carreira.

Não há momento em que um jogador queira pouco dinheiro. Não só ele é um ser humano numa sociedade capitalista, como ele precisa fazer em 10 anos (se tiver sorte) dinheiro o bastante para sustentá-lo ao longo da vida. Ou ao menos o bastante para que ele possa investir em algo que o banque dali para frente. Mas existem casos de atletas que abrem mão de uma bolada em nome de alguma outra coisa. David West deixou 10 milhões na mesa para sair do Indiana Pacers e tentar um título com o San Antonio Spurs. Ele não conseguiu, mas um ano depois –de novo pelo salário mínimo da liga– faturou seu anel com o Golden State Warriors. Essa decisão costuma acontecer apenas com caras já no fim de carreira porque o que se diz no meio da liga é que uma vez que você aceita um salário mínimo, é MUITO difícil convencer outro time a te pagar mais.

Essa questão do timing faz com que muitos jovens jogadores que estão entrando no auge de suas carreiras acabem aceitando salários astronômicos em times medíocres. Existe a hora de faturar os contratos gordos, encher o porquinho e depois há o momento de elevar o peso dos outros fatores. É uma profissão, afinal, que pode ser tão estável quanto o seu joelho.

A parte menos conhecida do dinheiro está nos incentivos contratuais. Um jogador pode ganhar bônus milionários por ser eleito para um All-Star Game, acabar a temporada com mais de 10 rebotes por jogo ou se acertar 85% dos seus lances-livres. Tanto faz, tudo isso é negociável na hora que se faz o contrato e algumas coisinhas mais fáceis de se alcançar podem ser uma boa desculpa para aceitar uma oferta.

Como não há nenhuma obrigação de se vazar isso para o público, então muitas vezes nem ficamos sabendo do que rola, mas alguns casos são famosos: na última temporada o Moe Harkless iria receber QUINHENTOS MIL DÓLARES se acabasse o ano com ao menos 35% de acerto nas bolas de 3 pontos. O que ele fez quando alcançou a marca a poucos jogos do fim da temporada? Não arremessou mais =)

De uma média de 2.5 chutes de 3 tentados por partida, pulou para ZERO nos jogos finais. Ao fim da última partida tuitou que o jantar daquela noite era por sua conta!


Duração do contrato

Se tem uma coisa que pode fazer um jogador aceitar ganhar menos por ano é a duração do contrato. Justamente pelo medo de uma lesão, boa parte dos atletas busca já garantir ao menos 3 ou 4 anos de certezas. Antigamente as regras da liga não tinham limite de duração, aí os jogadores jogavam pesado e garantiam 6 ou até 7 anos de dinheiro certo. Os donos não estavam gostando dessa história e foram baixando, hoje o máximo permitido é de 4 anos. Só ganha 5 quem está renovando com a equipe onde já atuava.

Mas não é apenas isso que faz um jogador desejar mais tempo num mesmo lugar. Nem sempre é confortável começar uma temporada já sabendo que pode ser sua última naquele lugar. De novo bate a ansiedade e a insegurança do período de negociações, a cada jogo ruim você sente seu valor caindo no mercado e toda movimentação de jogadores muda o cenário e as perspectivas dos times que podem contratá-lo no próximo ano. Como diz Redick no documentário acima, todo aquele papo de “vou pensar na Free Agency quando chegar lá” é a maior MENTIRA que um jogador fala pra imprensa ao longo do ano.

Difícil os culpar, porém. O que eles se deve dizer? Falar que está pensando no assunto só vai jogar gasolina na situação e mais perguntas que ele não vai poder responder. Sair prometendo lealdade ao time pode ser um tiro no pé se a situação mudar e ele resolver sair. Dizer que cogita ir embora pode sabotar a temporada que ainda está rolando. Um mero “vou decidir na hora” faz parecer que você está colocando seu time num grande vestibular para tentar convencê-lo de que eles são os melhores para você. Dar uma de ingênuo acaba sendo a solução.

Um atleta pode querer um contrato curto se ganha pouco e acredita que pode jogar bem na próxima temporada e aproveitar a boa fase para faturar. Ou pode querer um contrato longo por medo de que seu desempenho caia. E nem precisa ser por lesão, pode ser um ano onde os arremessos caem menos, um técnico não vai com a sua cara ou que perca a vaga de titular por questões táticas. As coisas mudam muito rápido na NBA, um cara pula de genial a dispensável em meses, então a maioria prefere assinar contratos longos e se resolver depois. O caso de JJ Redick foi diferente e divertido: para ele a duração do contrato era mais importante que o dinheiro, para o Sixers era o contrário. O convencimento do tempo mínimo se deu com os inimagináveis valores astronômicos no cheque.


Família

Eu achei essa a parte mais interessante, DE LONGE, de todo o documentário do JJ Redick. Ele não mostra sua conversa com o Clippers, os papos com o Sixers e pouco do que fala com seu empresário. As partes mais reveladoras são as duas conversas com Chelsea, a sua mulher. Em uma, quando ele pede para ela listar as três cidades onde ela quer que ele jogue e que a família se mude, ela responde “1. Brooklyn, 2. Brooklyn e 3. Brooklyn”. E depois ela comenta que não quer mais se mudar e que está na hora dele, Redick, “take one for the team”, o que quer dizer meio que “se sacrificar pelo time” (no caso, a família). Não poderia ser ele dessa vez a pessoa que só segue o desejo dela se mudar, como ela fez indo para Orlando, Milwuakee e Los Angeles na última década?

É bom ouvir o podcast onde ele comenta esse documentário para entender melhor. A Chelsea tem uma irmã gêmea que mora em Brooklyn, as duas são absurdamente próximas e eles, com o marido da irmã, costumam sair sempre juntos. Pensando nisso eles já tinham comprado um apartamento em Nova York para passar as offseasons, independente de onde ele fosse jogar. A ideia é morar lá para sempre após a aposentadoria de Redick das quadras. Depois de uma vida de viagens e de solidão durante os dias de viagens (e até de jogos em casa, quando ele diz que fica completamente ausente, pensando na partida), ela quer escolher onde morar, ficar perto da família e estabelecer um local definitivo para criar os filhos. O lado dela é mais do que só compreensível, é justo e difícil ficar contra. Ao mesmo tempo, como fãs de basquete, ficamos pensando se ele não vai ser um frustrado para o resto da vida se encerrar a carreira em um time ruim, sem chance de título ou até sem chance de ir aos Playoffs!

O balanço encontrado parece bom no papel, mas é curioso pensar em como vai funcionar no dia-a-dia e na dinâmica do casal. JJ Redick vai morar na Philadelphia para jogar no Sixers, mas Chelsea e as crianças vão ficar em Brooklyn, e o jogador vai tentar ir para lá sempre que possível. De trem, segundo o Google Maps, a viagem entre os dois locais dura duas horas de trem ou de carro. Em seu podcast ele diz que planeja usar a primeira classe da linha férrea que liga as cidades. Não é absurdo, mas encaixar isso no calendário da NBA pode criar uns bons períodos longe de casa. Como será que ele irá lidar com isso? Vai mexer com a cabeça? Vai influenciar seu novo papel de ser o líder veterano e exemplar que mostra como se portar na NBA?


Encaixe na equipe

Para quem pensa só em títulos e Playoffs, o Houston Rockets parecia a escolha mais fácil para Redick, que foi xavecado por Mike D’Antoni e pelo ex-companheiro Chris Paul. Um time forte, com James Harden e CP3 dando passes para todos os lados e carta branca para arremessar quando bem entender?! Parece um sonho! Algum especialista em 3 pontos não quer jogar nessa equipe?! Bom, pelo jeito JJ Redick. Não só o dinheiro seria menor, mas o seu papel no time também. Ele comenta que não seria titular e que dificilmente teria muitos minutos nos últimos períodos das partidas. Além de ficar atrás de Harden e Paul na rotação, teria que lidar com a concorrência de Eric Gordon, outro reserva importante e com características semelhantes.

Lembramos aqui de Paul Shirley, ex-jogador da NBA que foi pioneiríssimo nesse negócio de ter blogs: DOZE anos atrás, como bom esquentador de banco da NBA, ele dizia que o prazer de vencer um jogo sendo titular, reserva ou um cara que nem tira o agasalho é MUITO diferente. É legal vencer e nenhum reservão vai jogar fora seu anel de campeão, só não é a mesma coisa que estar 35 ou 40 minutos lá dentro. Aliás, ele fez uma tabela explicando por quantas vezes é multiplicado o “resultado emocional” da partida, seja ele de felicidade ou frustração:

Shirley

Como era bom esse blog, meu deus. Ainda vale a pena ler.

No Sixers, Redick deve ser titular, o principal arremessador da equipe, líder dentro e especialmente fora da quadra e ainda deve estar atuando nos momentos decisivos. Nesta etapa da sua vida e considerando todos os outros fatores, foi o que ele escolheu.


Cidade

Fizemos um podcast especial inteiro sobre os tais “mercados grandes” e “mercados pequenos” da NBA. Entre algumas das vantagens das cidades grandes está a qualidade de vida, algo que toda pessoa pensa quando vai se mudar para um emprego. Você gosta de uma cidade pequena, simples, de trabalhadores durões e muita carne? Vá para Memphis? Não suporta frio? Evite Minneapolis ou Toronto. Chuva de deprime? Adeus, Portland. Adora uma festa? Los Angeles. Adora festa mas odeia os maiores congestionamentos dos EUA? Miami é seu lugar. E isso varia com a idade do jogador, se ele tem família, onde moram seus conhecidos, etc.

No caso de Redick, a cidade estava mais vinculada a questão familiar do que qualquer coisa. Sua mulher queria Brooklyn, ele não queria ficar do outro lado do país. No passado ele já falou sobre as maravilhas de morar a poucos metros da praia em Los Angeles. Muda a fase da vida, mudam as prioridades.


Embora esse assunto seja muito legal e interessante, existe um lado bem chato: nós não ficamos sabendo de metade. O JJ Redick resolveu abrir a vida dele nesse documentário e mesmo assim foi uma coisa curta e controlada. É difícil saber os fatores decisivos por trás das outras dúzias de Free Agents que decidiram seus destinos nas últimas semanas. Que outras opções eles tinham? Como ranquearam todos estes itens? O que pesou na hora da decisão final? Quanto tempo tiveram para isso? Foram só 15 minutos como Redick disse que teve, tendo que responder o Sixers antes da equipe iniciar a reunião com um outro agente e jogador? Devem ter histórias fantásticas escondidas por aí. Bom que com o The Player’s Tribune e o The Uninterrupted os atletas estejam mais dispostos, mesmo que com a edição favorável e os ghost writers, a compartilhar um pouco dos bastidores com a gente.

Torcedor do Lakers e defensor de 87,4% das estatísticas.

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