Em meados de 1999 ou 2000, a saudosa ESPN Internacional ainda era um canal separado da sua parte brasileira e basicamente só reproduzia programas gringos, desde torneios de sinuca até o ‘Incredible Dog Challenge‘. Era legal, exótico e fazia você se sentir inserido no mundo de TODOS os esportes. Mas eu queria mesmo era ver NBA!!! Então passava o dia no canal com uma fita VHS preparada para, quando passar o ‘NBA Action‘, gravar pelo menos as 10 melhores jogadas da semana. Em uma era sem YouTube (sem sequer internet em banda larga), às vezes você só tinha uma chance na vida de ver uma grande jogada.
Esse programa era, portanto, pretexto para qualquer coisa, desde desmarcar compromissos até perder o almoço porque ninguém no resto da família queria ver basquete durante a refeição. Mas valia a pena! Qualquer pitaco extra de informação sobre a NBA era mágico e quando se está começando, nada cativa mais do que uma lista de jogadas de efeito. Quem se importa com tática ou fundamentos?!
Um desses programas que me marcou discutia quem seria o ‘novo Jordan‘. Engraçado que anos depois eu acharia essa discussão a mais vazia de todas, mas na época foi legal. Eles apresentavam argumentos para ver quem, entre Kobe Bryant, Vince Carter, Tracy McGrady, Allen Iverson e outros iria ser o cara a herdar tudo o que MJ tinha levado com ele: desde ser a cara da NBA para o mundo, passando por ser o melhor ala pontuador, até ser o responsável pelas grandes jogadas de efeito e arremessos decisivos.
A discussão se tornou enfadonha nos anos seguintes quando descobri que ela era uma fórmula básica para a frustração: cobre de alguém algo que ele não pode ser e acabe com a sensação de derrota mesmo quando as coisas nem foram tão ruins assim. No fim das contas apenas um desses jogadores, Kobe Bryant, conseguiu ao menos entrar na discussão com Jordan, mas isso só deu certo por um motivo: era exatamente o que Kobe queria pra sua vida. Ele, sem pudor, imitava MJ, buscava os mesmos recordes, marcas e títulos. Era alguém que se alimentava da comparação, que construía sua identidade através dela, não, como outros, que se sentiam sem rosto por não ser um nome próprio. Quer resposta mais clichê que “Eu não quero ser o novo Michael Jordan, quero ser o INSIRA NOME DO JOGADOR QUE ESTÁ DANDO A ENTREVISTA”?
Em geral os jogadores estão certos, todos querem fugir da fórmula da frustração. Kobe é a exceção da exceção nessa regra, uma mente perturbada e doentia que gostava de ver que ainda não era tão bom quanto o seu herói máximo e que não via limites no treino e no trabalho para se tornar aquilo que sonhava. Se um dia a opinião popular cravasse que ele era melhor que Jordan, capaz dele parar de jogar e entrar em depressão. De um jeito confuso e cheio de pauladas, funcionou.
Mas podemos ter mais uma exceção? Com algum receio, mas confiante, digo que estamos perto de ver um grande nome da próxima década e esse cara talvez só precise de uma boa dose de Ctrl+C Ctrl+V. Estou falando de Giannis Antetokounmpo, o Greek Freak. Na temporada passada, o ala do Milwaukee Bucks se tornou armador principal da equipe. Com as chances de Playoffs já no lixo após um ano de decepções, o técnico Jason Kidd resolveu fazer uma das coisas que ele mais gosta desde que se tornou técnico: experimentar. Desde Paul Pierce na posição 4 no Brooklyn Nets até um time sem armador E pivô de ofício no Bucks, o ex-jogador sempre tenta tirar um coelho da cartola.
Colocar um ala de só 21 anos de idade e 2,11m de altura para comandar o ataque pode ter sido a melhor e mais arriscada dessas experiências. De repente, o time estagnado e perdido que não tinha feito nada ao longo de um ano de expectativas (tinham ido pra pós-temporada no ano anterior) começou a fluir, e o grego passou a flertar com triple-doubles toda santa partida. Jason Kidd então afirmou que não tinha mais volta, Antetokounmpo comandaria o ataque do time dali pra frente, o mais alto armador da história. É até engraçado ver os números do ano passado, dá pra ver certinho quando Giannis foi liberado para comandar a criação de jogadas na temporada passada.
PTS | REB | AST | |
Outubro | 27 | 9 | 2 |
Novembro | 16 | 6,1 | 2,6 |
Dezembro | 14,4 | 7,2 | 3 |
Janeiro | 16,3 | 8,1 | 3 |
Fevereiro | 16,8 | 9,6 | 4,9 |
Março | 18,4 | 7,1 | 7,2 |
Abril | 20,7 | 9,1 | 7,1 |
A confirmação do plano veio na offseason, quando o time quase não se mexeu para trazer armadores. Pelo contrário, eles trocaram Tyler Ennis e Michael Carter-Williams sem receber caras da posição em troca! A única aquisição da posição foi o australiano Matthew Dellavedova, que no Cleveland Cavaliers tinha se destacado justamente por saber ser um armador que também atua sem a bola na mão. Quando LeBron James e/ou Kyrie Irving estavam no banco, ele comandava o ataque e aqueles perigosos pick-and-rolls que sempre acabavam em ponte aérea com Tristan Thompson; quando alguém da dupla voltava, Dellavedova virava um armador de apoio, bem menos tempo com a bola na mão e às vezes só ficando num canto da quadra como um arremessador. Parecia a solução ideal para jogar ao lado de Antetokounmpo. Também, quando atuassem junto, poderia livrar o grego de precisar marcar o armador adversário, algo possível, mas trabalhoso pela diferença de altura.
A presença de Dellavedova deixou ainda mais óbvio algo que já deu pra ver na temporada passada: Giannis tem ou pode ter um estilo de jogo parecidíssimo com LeBron James. Eu demorei para assumir isso porque uma das coisas mais legais de LeBron é o quanto ele é único: é um cara que pontua com facilidade imensa, mas sua maior qualidade é o passe, gosta de ter total controle do jogo, é provavelmente uma das mais poderosas forças atléticas da história da NBA, mas também com técnica apurada e bom drible. Entre ser um novo mega pontuador como Michael Jordan ou um armador gigante como Magic Johnson, ele acabou sendo um mix das duas coisas, com um toque de Larry Bird. Difícil definir LeBron sem juntar vários nomes para cobrir todas as coisas que ele faz. Hoje em dia, acho que apenas Manu Ginobili é um nome mais difícil que LeBron na hora de responder a clássica “o jogo dele parece com o de quem?”.
Não achei que fosse viver pra ver um cara que pudesse ser o “novo LeBron”, mesmo que o termo esteja mais falando de um estilo de jogar do que necessariamente de alcançar o mesmo nível de qualidade e os mesmos feitos e conquistas. A mera existência de um “LeBron piorado” mas que REALMENTE parecesse o LeBron jogando me soava inimaginável, mas aconteceu. Giannis também é um ala que virou armador, que sabe usar seu tamanho e força para entrar no garrafão quando quer, sabe finalizar perto da cesta, é um MONSTRO IMPARÁVEL em contra-ataques e (essa era a parte que eu achava mais difícil) está se mostrando um excepcional passador. Não é só infiltrar e passar para a zona morta, mas pensar o passe antes do lance, controlando a própria movimentação para deixar um jogador livre daqui 4 ou 5 segundos. É a clássica metáfora do xadrez de pensar algumas jogadas antes. Giannis se mostra um passador por instinto, no improviso, mas cada vez mais mostra os passes pensados. A combinação de leitura de jogo, bom passe e uma força física absurda, naquela altura toda, cria um monstro que só pode ser comparado com o REI. Até a maior dificuldade de LeBron, os arremessos de longa distância, são o grande buraco no jogo do grego também.
O vídeo abaixo, justamente contra o Cavs de LeBron, mostra um pouco de tudo o que Giannis faz: tem ele puxando contra-ataque, tem um par de passes muito inteligentes, tem ele se mexendo sem a bola, tirando a bola de Tristan Thompson embaixo da cesta, tudo…
Não dá pra falar de LeBron sem comentar sua versatilidade defensiva. Sua capacidade de marcar qualquer jogador vivo no planeta é o que liberou o Miami da época dos Heatles de abandonar pivôs, de pressionar a linha da bola lá em cima, de exagerar nas trocas na defesa e de tornar as linhas de passe menores e mais perigosas para os adversários. Claro que a adaptação de Chris Bosh ajudou, e que ter Dwyane Wade, possivelmente o melhor baixinho da história da liga em tocos, ajudou, mas era LeBron que podia ser jogado de um lado para o outro, marcando desde o armador até o pivô adversário no mesmo jogo. Não sabemos o quanto Giannis pode fazer isso, mas o mais legal é que Jason Kidd está tentando!
Muitas vezes o grego não marca os armadores adversários para não se desgastar, para correr menos riscos de fazer faltas e porque essa é a especialidade de Matthew Dellavedova. Mas ele já fez algumas vezes e acho que dá conta do recado; também marca muitas vezes o melhor ala adversário, os Durants e Kawhis da vida, onde ainda não parece ser muito acima da média, mas com bom potencial. Mas nos últimos tempos Kidd tem deixado Tony Snell com essa difícil função e liberado Giannis para ficar mais perto do garrafão, protegendo a cesta de infiltrações, dando tocos e fazendo cobertura. Ele está sendo sensacional na função e, se manter seus números atuais, se tornará apenas o QUARTO jogador da HISTÓRIA da NBA a terminar um ano com médias de pelo menos 2 roubos e 2 tocos. Os outros foram David Robinson, Hakeem Olajuwon (4 vezes) e Gerald Wallace.
Vejam esse lance onde ele vêm na ajuda para dar o toco em Ty Lawson, puxa o contra-ataque e engana a defesa que um passe que só parece simples:
A decisão de Jason Kidd ainda abre algumas questões táticas interessantes. O time tinha dificuldade de encontrar o pivô certo, parecia que atacavam com um a menos quando colocavam John Henson para ser o homem da cobertura no garrafão, aí pareciam que tinham um buraco na defesa quando usavam Greg Monroe para dar mais opções no ataque. Com Giannis fazendo a função de defender o garrafão, Kidd pode abrir mão de um pivô e passar partes importantes do jogo com Dellavedova, Snell, Giannis, Jabari Parker e um quinto território a sua escolha: Mirza Teletovic quando querem mais arremesso, Rashad Vaughn, Malcolm Brogdon ou Jason Terry quando o outro time está muito baixo também ou até Michael Beasley se Kidd estiver se sentindo confiante até demais. É claro que os pivôs, Henson, Monroe e Miles Plumlee, ainda jogam, mas Giannis abre a chance deles não precisarem de um deles sempre em quadra. Assim como o mesmo Giannis pode jogar ao lado de Dellavedova, mas também libera o técnico a poder montar um time sem esse tal ~armador de verdade~.
Para que Giannis dê o próximo passo e se torne uma grande estrela da NBA que leva seu time para os Playoffs todo ano, acho que copiar é a melhor coisa que ele pode fazer. Se eu estivesse na comissão técnica do Bucks, pegaria vídeos de LeBron desde seus primeiros anos de Cavs até hoje para que o grego estude tudo o que ele é capaz de fazer com o arsenal de versatilidade que está criando: como controlar o ritmo de jogo, como saber atacar a cesta mesmo quando o seu marcador recua, te implorando para arremessar, ou quando decidir atacar no drible, em que momento resolver usar seu tamanho para jogar de costas para a cesta. Aliás, ele poderia hesitar menos que LeBron e aceitar que pode abusar de defensores mais baixos desde agora. LeBron demorou uns 10 anos pra começar a fazer isso!
Imaginem o dia que Giannis começar a dar esses passes aqui:
É preciso saber se Giannis admira LeBron, se já sonhou em ser com ele um dia. Esse fator emocional certamente ajudaria, como funcionou com Kobe, que sempre idolatrou Michael Jordan. Mas mesmo se não for o caso, é algo que pode ser abordado de maneira mais fria. Ensinar basquete com o LeBron geralmente não é justo com o aprendiz, que não tem as mesmas ferramentas, mas esse é um caso raro onde isso pode dar certo. E, convenhamos, se Giannis jogar UM TERÇO do que o King James jogou até hoje, já será um jogador espetacular e fora de série.
Dito tudo isso, sigo na cautela de cobrar que jogadores sejam parecidos com outros. Acharia legal, por exemplo, pegar um cara como o Lucas Bebê e inspirá-lo a ser uma versão de DeAndre Jordan. Menos atlético, com menos velocidade lateral, mas só para mostrar pra como um jogador pode mudar um jogo executando poucas funções bem específicas em quadra. Lá no mundo do meu LA Lakers, por outro lado, vejo que as comparações de Julius Randle com Draymond Green só servem para frustrar torcedores: eles são parecidos por serem bons reboteiros, fortes e que sabem driblar e puxar contra-ataques. Se Randle não tem (e nem vai ter!) o arremesso de 3 pontos e a capacidade de dar tocos e ser a última linha de defesa, então ele não tem justamente a essência do Draymond Green. Talvez o segredo seja esperar alguns anos e só depois do jogador mostrar um pouco do que é capaz, tentar enxergar o que dá pra tirar das aulas de outros jogadores.
Com Giannis a coisa funciona porque a cobrança não veio desde sempre. Ele não foi draftado como “o novo LeBron”, mas como um coitado desconhecido, pirralho que vinha da segunda divisão da Grécia. Não ter “Chosen One” tatuado nas costas o diferencia de LeBron no caminho para a NBA, mas pode ter ajudado na hora de deixá-los mais próximos no futuro. Ele se tornou esse Mini-LeBron aos poucos, um misto de sua evolução natural com a visão de Jason Kidd. Agora que meio caminho foi andado vale investir nas aulas: copiar, desenvolver e adaptar.