Após cinco anos seguidos de títulos divididos entre Shaquille O’Neal e Tim Duncan, de 1999 a 2003 apenas uma super dupla de garrafão, Ben Wallace e Rasheed Wallace, parou a dupla. Se as pessoas tinham alguma certeza no começo desse século era que somente com um jogador de garrafão muito fora de série era possível desafiar os melhores times da NBA.
No miolo disso tudo, em 2004, surgiu um pivô adolescente com um porte físico digno de bater de frente com qualquer um desses: Dwight Howard era aquele tipo de jogador que surge uma vez a cada década e que muda o centro de gravidade da NBA. Se ele se desenvolvesse no grande jogador que prometia ser, iria obrigar times a contratar e se armar pensando em como encarar o gigante e como defendê-lo. Algo como Shaquille O’Neal, que mesmo no fim de sua carreia, nem de perto produzindo como antes, ainda obrigava adversários a montar esquemas específicos que não o deixassem receber a bola no mano-a-mano muito perto da cesta. O Orlando Magic havia ganhado na loteria.
O primeiro ano de Howard foi de adaptação, era ainda era da época em que não era proibido pular o basquete universitário, então foi do colegial direto para a NBA e apanhou um bocado, especialmente no ataque. Seus números como um adolescente perdido entre profissionais? 12 pontos, 10 rebotes e quase 2 tocos de média! Quando é isso o que você faz com 18 ou 19 anos, é porque o seu futuro é muito promissor. E foi mesmo, com míseros 23 anos, idade em que muitos jogadores estão apenas saindo do seu último ano de faculdade, Dwight Howard teve médias de 24 pontos, 14 rebotes, 3 tocos e levou seu Orlando Magic para a decisão da NBA, onde ficaram muito mais perto do título do que indica o 4 a 1 do placar da série.
Tudo indicava que essa era só a primeira decisão de um time que tinha tudo para dominar a NBA por pelo menos mais uns 5 ou 6 anos. Boa parte do time ainda tinha combustível no tanque, o Boston Celtics perdia fôlego e era difícil imaginar que Free Agents não iriam querer ir lá jogar com o pivô mais dominante da geração e com poucos rivais na conferência.
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Passamos para 2016 e o que vimos nessa última semana de trocas é o seguinte: Dwight Howard, agora com o Houston Rockets, vê seu time fazendo de tudo para trocá-lo. Após rusgas entre o pivô e James Harden, o time decidiu que o melhor era movimentar Howard antes que ele se tornasse um Free Agent ao fim da temporada (se quiser, tem a opção de ficar mais um ano). Mas o resto da liga, com receio desse possível fim do contrato, das constante lesões e dos problemas recorrentes de relacionamento, não ofereceu nada que interessasse ao Rockets. E pior, pelo o que dizem nos bastidores da liga, não eram muitos times interessados em Howard agora e não serão na próxima offseason.
Será que alguém vai querer pagar mais de 20 milhões de dólares para ele depois que ele já passou dos 30 anos? E mesmo que ache alguém, impressiona que tantos times o vejam mais como possível dor de cabeça, um risco, do que a solução de todos os seus problemas. A NBA não só se interessa menos por pivôs, mas quer menos ainda um cara com Howard.
No começo era divertido que Dwight Howard fosse um brincalhão. Gostávamos disso em Shaquille O’Neal e era legal ver alguém que herdasse não só o tamanho e as enterradas do pivô, além de ser alguém que tinha mais chance de nos fazer rir e não dar só entrevistas ensaiadas. Mas começou a ficar chato quando Howard parecia esconder mais do que revelar com suas brincadeiras. As risadas depois de lances-livres errados irritavam companheiros de time e viraram um dos assuntos mais discutidos pela imprensa de Los Angeles durante sua passagem pelo Lakers. Até mesmo em Houston algo parecido voltou a acontecer. Em meio a derrotas e um clima tenso, Howard tentava pregar mais alegria, risadas e brincadeiras ao invés de enfrentar a situação.
Pode parecer psicologia de fundo de quintal (e talvez seja), mas Howard parece um caso típico de quem morre de medo de enfrentar seus problemas. Ninguém gosta de brigar, mas sabemos que tem horas que é preciso discutir a relação, lavar roupa suja, falar algumas coisas na cara, cobrar uma outra pessoa. Isso é verdade em casamentos, amizades e relações de trabalho, e relacionamentos de jogadores de basquete tem um pouco de tudo isso. Todo mundo viaja e come junto muitas vezes, precisam conversar e conviver, e um depende do outro para realizar bem sua função profissional. Nessa mix, Dwight Howard é o cunhado que quer fazer piada no meio daquele jantar de família pesado após uma briga homérica do casal.
O caso mais extremo aconteceu em Orlando, quando o técnico Stan Van Gundy resolveu exagerar na sinceridade e falou em uma entrevista que sabia que Dwight Howard o queria fora do time e já até tinha pedido isso para a diretoria. E claro que justo nesse dia Howard resolveu INTERROMPER a entrevista e aparecer ao lado do técnico fazendo piada, sem saber o que ele tinha acabado de dizer para o mundo.
Quando Dwight Howard resolvia abordar um assunto de forma mais questionadora, geralmente usava a imprensa. E era sempre para pedir a mesma coisa: em Orlando ele reclamava que não recebia a bola o bastante, que queria ser o principal foco do ataque e ser o centro das atenções. Brigou com Stan Van Gundy por isso, exigiu ser trocado e acabou, depois de inúmeras reviravoltas, em Los Angeles. Junto com o LA Lakers, entrou em conflito com Mike D’Antoni e Kobe Bryant porque queria receber mais a bola, queria ser o foco do ataque e resmungou que Kobe não passava a bola. Como Free Agent, Howard abriu mão de um quinto e valioso ano de contrato para se juntar ao Houston Rockets, onde entrou em conflito de novo, dessa vez com James Harden, reclamando que quer receber mais a bola e ter um papel importante no ataque. Imagino que vocês já sacaram o padrão.
Não que ele não tenha algumas razões para reclamar, afinal Kobe não é o companheiro mais fácil do mundo e Harden não é dos mais afeitos a circular a bola. Aliás, na temporada passada Harden teve uma média de míseros 2.2 passes por jogo para Howard! Nesse ano o número dobrou, mas receber só 4 passes de um cara que controla a laranja por quase todo o jogo pode mesmo desanimar.
O ponto não é se Harden está certo ou errado, mas em como Dwight Howard lida com esse problema. Antes de qualquer coisa, ele deveria parar e repensar o seu jogo para tentar entender a razão que levou todos os técnicos que o treinaram, em três franquias diferentes, a não querer usá-lo como o foco ofensivo de seus times. Depois, deveria buscar maneiras mais eficientes de se comunicar com os que tanto o incomodam. Por fim, deveria repensar as suas ambições. Howard abraçou seu sucesso inicial na carreira e suas ações, desde os pedidos de destaque no ataque até a saída do Lakers em busca de um time competitivo, onde receba o máximo de dinheiro possível e que seja o principal foco do ataque e da defesa. Pensa bem, quem, na história da NBA, teve esse privilégio todo e saiu vivo pra contar a história?
A verdade é que o que mais irrita a NBA em relação a Dwight Howard é estar em tantos conflitos e não ser capaz de brigar para resolvê-los. Se ele falasse tudo o que tivesse na sua cabeça para Van Gundy, Kobe e Harden, talvez até ganhasse uma fama de brigão por um tempo, mas certamente seria mais respeitado por esses mesmos caras e talvez, veja só, até tivesse resolvido essas questões.
No Los Angeles Lakers, além da parte tática, até sua saúde virou um problema. Com problemas seguidos nas costas e no ombro, Howard demorou muito para embalar e perdeu diversos jogos. Em um certo momento, Kobe, famoso por jogar temporadas inteiras machucado, disse que achava que o pivô deveria ser mais forte e jogar mesmo machucado. Certamente foi (mais) um comentário babaca de Kobe, mas Howard falhou de novo em confrontar o astro do time e em mostrar ao resto do mundo como aquele comentário era mesmo sem noção. Sua resposta foi que aquela era só “a opinião de Kobe” e que ele estava apenas preocupado com o seu futuro. O que deu a entender, no fim das contas, é que ele poderia jogar mas que não o fazia porque estava com medo disso ficar mais grave a longo prazo. Nem acho que era verdade, ele não jogou quando não conseguia, mas se justificou do jeito errado e passou a impressão que estava “se poupando” mesmo com o Lakers no meio de uma briga feroz pela última vaga nos Playoffs.
[image style=”fullwidth” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Nãoolheparaolado nãoolheparaolado”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/02/DHo3.jpg[/image]
O que me deu o clique de quem é Dwight Howard foi uma história que JJ Redick, seu companheiro de Orlando Magic, contou para o Adrian Wojnaworski em um podcast do Vertical. Redick disse que logo depois do fim do locaute da NBA, quando iria dar início a temporada 2011-12, Howard juntou toda a equipe para dizer que finalmente um negócio com o Brooklyn Nets seria fechado. Ele iria realizar seu sonho de jogar em uma grande cidade e ao lado de seu amigo Deron Williams. Os jogadores ouviram e ficaram esperando uma confirmação que nunca aconteceu.
Meses depois os rumores começaram a pipocar de novo e o Orlando Magic deu um ultimado a Howard: se você não quer jogar mais aqui e não vai ficar para o próximo ano (como agora, Howard tinha a opção de ficar por mais uma temporada antes de virar Free Agent), então já o trocamos agora; se quiser ficar, tentamos mais uma vez.
Depois de uma reunião que durou horas, Howard disse que queria ser trocado e jogou então o que seria sua última partida como membro do Magic em San Antonio. No voo de volta para a Florida, os jogadores começaram a tirar fotos, um ritual de despedida daquele grupo que certamente iria ser desmontado. No meio da celebração, Howard mandou um “dane-se, eu adoro vocês, vou ficar!”. O General Manager da equipe na época, Otis Smith, até falou pra Howard se acalmar, dormir e então só depois tomar uma decisão mais racional, mas não adiantou nada. Dwight Howard assinou seu opt-in no dia seguinte para ficar por mais um ano, arruinou todos os planos do Nets e apenas estendeu o sofrimento do Magic até a fatídica entrevista citada acima.
Essa história me pegou porque, somada a tudo o que sabemos sobre Dwight Howard, mostra muito da personalidade dele. Ele é um brincalhão não porque está sempre feliz, mas porque precisa fazer os outros darem risada. Quando ele viu aquele grupo reunido e alegre, perdeu o controle e o lado racional. É com as brincadeiras que ele recebe a aprovação do grupo e foi naquele Orlando Magic, com Rashard Lewis, Hedo Turkoglu e Jameer Nelson, todos caras bem tranquilos e low profile, que ele conseguiu essa chancela. O grande mercado, que ele via como um palco maior para suas palhaçadas, acabaram virando só pressão com gente o chamando de criança imatura.
Essa seria a hora que eu deveria dizer que Howard deve mudar quem é: ser mais maduro, menos brincalhão, mais líder e resolver no papo reto as suas diferenças com James Harden ou qualquer outro que o incomode. Ele não vai achar melhor chance de título do que lá, nem um outro time mais disposto a pagar caro por uma estrela. Porém me sinto um bocado desonesto ao falar para alguém “mude o jeito que você sempre foi para conseguir sucesso profissional”, como se isso fosse fácil de fazer, como se as pessoas fizessem isso o tempo todo. Como se eu mudasse um pingo da minha personalidade depois que alguém aponta um defeito! É impossível de saber se um dia isso vai acontecer. Assim como é impossível saber se Harden, o técnico JB Bickerstaff e todo o grupo do Rockets também vão ter a mente aberta para ler a personalidade do companheiro e pegar leve na hora de falar com ele.
[image style=”fullwidth” name=”on” link=”” target=”off” caption=”-Apenas ria da minha piada uma vez!”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/02/DHo4.jpg[/image]
É irônico que uma dor de cabeça relacionada a personalidade e relacionamento aconteça justamente nesse Houston Rockets montado por Daryl Morey. O General Manager que melhor sabe usar as estatísticas e a análise de desempenho da NBA demorou anos para juntar o seu grupo favorito no seu esquema tático dos sonhos. Ele que sempre disse que era impossível ganhar sem super estrelas na NBA, deu azar com Tracy McGrady e Yao Ming por causa das lesões, mas depois ralou e acertou de negócios complicados para juntar James Harden e Dwight Howard. Os dois encaixes perfeitos para implantar seu esquema de defesa, infiltrações, lances-livres e bolas de 3 pontos ao extremo. Com tudo isso chegou a uma final de conferência e… volte duas casas.
O time montado com todo o cuidado agora sofre com os intangíveis: James Harden voltou fora de forma para a temporada, o time perdeu a confiança no técnico que acabou demitido e o pivô pode sair porque não se sente abraçado pelo grupo e não é o favorito da franquia. Não é que Morey não sabia do fator humano na hora de montar um time, mas ele sempre achou que isso era contornável. Foi assim contratando Josh Smith e Ty Lawson, por exemplo. Tragam os garotos-problema, o importante é o talento, com o talento aqui a gente se vira para ajeitar as coisas. Agora é a hora de ajeitar antes que o talento fuja!
Não sei quantas propostas de troca Dwight Howard recebeu nessa semana, nem quão perto o Rockets ficou de trocá-lo, mas talvez tenha sido melhor para os dois lados que nada tenha acontecido. Mudar de time mais uma vez poderia machucar muito a imagem do pivô indo para a busca do seu último grande contrato. Apenas um maluco desesperado pagaria caro num cara que está longe de ser admirado pelos seus semelhantes e com histórico recente de problemas nos joelhos, ombro e coluna. E quem garante que o Houston Rockets iria ganhar na loteria duas vezes e conseguir, pela segunda vez em três anos, fisgar um dos grandes nome da Free Agency?
Em algum momento todas as partes envolvidas devem entender que elas são as suas melhores chances de conquistar um título, e o esporte pode usar esse elemento mágico que não consegue consertar relações de família, casamento ou trabalho: a vitória.