Quando a NBA suspendeu Draymond Green para o Jogo 5 por ter alcançado sua quarta falta flagrante dos Playoffs, condenou a partida de ontem a um estranho paradoxo: Green não entrou em quadra e, no entanto, influenciou cada pequeno elemento do jogo. Sua ausência apareceu nitidamente em toda parte, em cada jogada. No mundo de faz-de-conta das nossas cabeças, tudo poderia ter sido diferente caso Green estivesse em quadra – é aquele asterisco psicológico que cria realidades paralelas e não consegue ver o jogo apenas pelo que ele foi, mas pelo que poderia ter sido. Foi por isso que enquanto LeBron James e Kyrie Irving eram a primeira dupla da História da NBA a marcar 40 ou mais pontos cada um numa Final, o personagem principal ainda era Draymond Green. É difícil competir com o que NÃO ESTÁ LÁ mas ainda assim se faz ver: o que está ausente poderia ter sido qualquer coisa, enquanto o que de fato aconteceu tem seus limites cravados na realidade do jogo.
Assim, vamos analisar cada personagem da vitória sensacional do Cleveland Cavaliers na noite de ontem e como cada um desses personagens foi afetado pelo FANTASMA de Draymond Green – aquele que não estava lá e ainda assim escreveu, indiretamente, a história da partida.
LeBron James
Na maior parte dessas Finais, LeBron foi marcado direta ou indiretamente por Draymond Green. Diretamente quando a marcação é individual, no mano-a-mano, e Green usou seu físico para impedir que LeBron criasse espaço nas infiltrações, se aproveitando do contato forçado para contestar LeBron NO CHÃO, tentando lhe arrancar a bola das mãos, gerar turnovers ou receber faltas de ataque ao invés de contestar suas bandejas. Indiretamente quando o marcador de LeBron era outro – em geral, Andre Iguodala – e Green conseguia se posicionar durante a infiltração de LeBron para ocupar seu caminho, cavando faltas ou conseguindo roubos de bola. Muito se disse nas últimas semanas sobre LeBron estar “mais velho”, “mais cansado”, por não estar infiltrando com a facilidade que lhe é costumeira. Ainda não vejo nenhuma ação clara de idade, apenas estamos roubando o mérito de Draymond Green, o melhor defensor da NBA fora da bola, que sabe tapar todos os buracos rumo à cesta e força seus adversários a travar os dois pés no chão, evitar a trombada e perder a bola com algum tapa maroto no processo.
Sem Draymond Green vimos então um outro LeBron James: um que após ser cercado de defensores em sua primeira infiltração do Jogo 5, percebeu que poderia atacar a cesta mesmo assim, criando espaço através da força bruta e conseguindo pontos fáceis em bandejas. Ao contrário do LeBron que vimos no resto das Finais, priorizando o jogo de costas para a cesta e os passes para o perímetro, ou então desistindo das infiltrações no meio e gerando passes forçados para fora do garrafão, o que vimos no Jogo 5 foi um LeBron que passou pouco a bola nos quartos iniciais e conquistou pela primeira vez na série um ritmo no ataque. Desesperado, o Warriors mais do que nunca concedeu a LeBron os arremessos de média e longa distância que ele tanto tem errado nessa temporada, mas LeBron dessa vez – e Green talvez não tenha relação com isso – acertou essas bolas com propriedade. Foram 4 bolas de três pontos, o que por si só já é suficiente para tornar LeBron uma máquina imparável, mas foi nas infiltrações que ele fez mais estrago e empurrou a defesa do Warriors rumo ao aro.
Mas não foi apenas no ataque que LeBron foi dominante. Sem Draymond Green lutando por rebotes de ataque ou passando a bola da cabeça do garrafão para Curry e Klay Thompson saindo do corta-luz, LeBron teve mais liberdade de jogar como no restante da temporada regular, defendendo na cobertura e garantindo os rebotes defensivos para puxar contra-ataques. LeBron talvez seja o melhor defensor na cobertura da NBA, com um misto de explosão física, inteligência e posicionamento, e ter que perseguir Curry ou impedir os passes de Draymond Green lhe tiraram essa função. Dessa vez o Cavs optou por tentar dobrar a marcação em Curry na saída do corta-luz, forçando o passe já que Green não estava lá para reorganizar o jogo e punir o Cavs pela dobra. Com isso, LeBron infernizou o Warriors defendendo de maneira impecável, colecionando 3 roubos e 3 tocos no processo.
Kyrie Irving
Irving já tinha provado ao longo dessa série que NINGUÉM PODE FICAR NA SUA FRENTE. Ele é um dos jogadores mais difíceis para um defensor se manter na frente e mesmo defensores de elite como Klay Thompson e Andre Iguodala ficaram para trás com um par de dribles e sua explosão rumo à cesta. O problema é que Green sempre estava lá para entrar na sua frente, forçar uma mudança de trajetória, um passe para fora ou um arremesso sob contato. Sem Green no Jogo 5, Kyrie Irving virou um PESADELO para a defesa do Warriors. Klay Thompson, que é a melhor opção do Warriors contra armadores muito velozes – melhor até do que Iguodala – fez um trabalho defensivo primoroso e não adiantou NADA, chegando sempre um segundo atrasado ou estando no meio de uma passada quando Irving subia para a bandeja, inviabilizando o toco. Ainda no primeiro quarto, Klay Thompson foi obrigado a tentar PREVER as infiltrações, momento a partir do qual Irving fez a festa nos arremessos. Vamos dar uma olhada na jogada abaixo, uma infiltração mano-a-mano de Irving contra Klay:
Vejam que quando Irving infiltra, Draymond Green não está lá para bloquear seu caminho para a cesta, então Festus Ezeli vem correndo, completamente atrasado porque ele pesa mil quilos. Klay Thompson já está batido na jogada, não vai chegar para a bandeja, mas tentando compensar ele dá um passo a mais para o aro e Irving sobe para o arremesso certeiro.
O medo de tomar bandeja atrás de bandeja destrói a capacidade de um defensor de contestar arremessos. Olha esse contra-ataque abaixo, com o Klay Thompson já andando pra trás para tentar não ser batido na infiltração e deixando Irving subir livre para uma bola de três pontos:
Kyrie Irving estava tão imparável que começou a sofrer marcação dupla quando recebia a bola no ataque. Solução do Cavs? Dar a bola para Irving JÁ NA DEFESA e deixar ele atacar a cesta sem preocupação, sem jogadas, sem passes. Foram QUINZE VEZES que Irving pegou a bola na sua quadra e correu para o ataque sozinho sem passar para ninguém, convertendo 10 cestas e marcando 22 pontos só dessa maneira. Contando também suas 5 bolas de três pontos e infinitas bandejas, Irving saiu de quadra também com 41 pontos. Não que Bogut tenha conseguido atrapalhar Irving enquanto esteve em quadra, mas quando o pivô saiu com uma lesão no joelho e o Warriors chegou a usar Harrison Barnes de pivô, aí é que o armador do Cavs infiltrou sem dó mesmo. Uma atuação espetacular.
E na defesa, onde ele tem feito um trabalho MEDONHO nas trocas de marcação após corta-luz? Cometeu alguns erros, mas teve vida mais fácil porque sem Draymond Green o Warriors usa menos corta-luz, menos trocas são necessárias e Irving conseguiu defender mais vezes no mano-a-mano, onde faz um trabalho digno.
Stephen Curry e Klay Thompson
Os dois começaram o jogo arremessando em cima de quaisquer defensores fora de posição: Kevin Love e Tristan Thompson, principalmente. Até aqui Curry e Thompson haviam tentado infiltrar em cima de Love e haviam sido marcados poucas vezes por Thompson, mas dessa vez viram os dois jogadores de garrafão com frequência na marcação no perímetro e arremessaram por cima. As 5 bolas de três pontos de Curry e as 6 de Klay Thompson mostram que o plano deu certo, mas ficou muito longe do ideal: Curry errou uma série de bolas fáceis, livre, que costuma acertar, especialmente no segundo tempo quando a vantagem do Cavs começou a se consolidar, e para piorar tanto ele quanto Klay passaram a sofrer marcação dupla ao receber a bola quando esquentaram. Draymond Green se posiciona sempre na cabeça do garrafão para receber a bola em caso de marcação dupla em Curry ou Klay, e Green PUNE os adversários quando isso acontece, conseguindo passes para alguém livre na zona morta ou por cima para um jogador do garrafão. Sem Green, os dois abriram mão da bola e NADA ACONTECIA porque Harrison Barnes não tem a mesma visão de jogo e Andre Iguodala acabou arremessando demais nessas situações. Se dobrar a marcação não for punido com cestas fáceis de outros jogadores, as estrelas do Warriors simplesmente saem do jogo. Quer dizer, Curry teve 25 pontos e Klay teve 37, mas com o ataque do Cavs conseguindo responder às bolas de três pontos e criando uma vantagem no terceiro quarto, o Warriors precisava de mais.
Harrison Barnes
Esse é o jogador que mais sofreu sem Draymond Green, no que foi fácil uma das suas piores partidas no Warriors. Pra começar, o Cavs resolveu que, assim como deixaram Green livre na série para arremessos de frente para a cesta, deixariam Harrison Barnes também. Isso aloprou o coitado, que poderia arremessar em virtualmente todas as posses de bola, mas deveria no plano de jogo rodar a bola como Green faria. Barnes errou 5 das 6 bolas de três pontos que tentou, claramente incomodado com a função, fazendo valer a pena a aposta do Cavs, e não conseguiu passar a bola com eficiência da cabeça do garrafão, permitindo que o Cavs dobrasse a marcação em Curry e Klay Thompson sem medo. Quando Bogut saiu lesionado, foi pior ainda: o Warriors optou por sua formação super baixa com Harrison Barnes de PIVÔ, onde ele foi completamente dominado na defesa, inútil no ataque e perdeu todos os duelos de rebotes para LeBron James. Uma partida a se esquecer, e que prova que Harrison Barnes é um jogador fenomenal – no papel CERTO, claro.
Andrew Bogut
Sua especialidade é dar tocos na cobertura, mas foi forçado, graças à ausência de Green, a se mover na direção das infiltrações para ocupar os espaços abertos, o que é fora da sua zona de conforto, expõe sua lentidão de pernas e faz com que ele cometa muitas faltas – em apenas 7 minutos de jogo, foram 4 delas. Pra piorar, sofreu uma lesão bem feia no joelho e pode ficar fora da próxima partida:
(Bônus do vídeo acima: olha como Kyrie Irving deixa Harrison Barnes pra trás com facilidade, e como Bogut tem que sair de sua posição para salvar o dia.)
“OK”, você deve estar pensando, “Bogut se machucou por acaso, agora só falta você querer colocar a culpa disso na ausência do Draymond Green também”. Pois bem: vou fazer quase isso. Bogut caiu no chão como cocô, rolando de dor enquanto o Warriors atacava e NINGUÉM PEDIU UM TEMPO; depois erraram a bandeja, o Cavs organizou a jogada no ataque e NINGUÉM PAROU O JOGO, ficou o Bogut estrebuchando no chão enquanto o Warriors marcava com apenas 4 jogadores. Foi só quando o Warriors foi para o ataque DE NOVO que pediram um tempo pro coitado do Bogut sair pulando numa perna só para o vestiário. Falando sério: isso é falta de LIDERANÇA. Draymond Green é daqueles caras que entende o jogo, sabe parar tudo e pedir um tempo técnico e ninguém vai ficar bravo com ele se por isso perderem um contra-ataque, e que não tem medo de FAZER UMA FALTA para parar um ataque 5-contra-4 do adversário e permitir que seu jogador seja atendido pela equipe médica. Sem ele o Warriors parece um bando de criança nessas horas, fica o cara MORRENDO ali e ninguém sabe parar de brincar.
Andre Iguodala
Defensivamente, Iguodala deveria pegar LeBron, mas no corta-luz não havia mais Draymond Green para trocar a marcação com ele. Com isso, Iguodala teve que passar “por baixo” de todo corta-luz, o que deu espaço para LeBron James arremessar como nunca e pior, deu espaço para LeBron infiltrar porque ele ainda é explosivo pra caramba e sabe ler os espaços da quadra para punir uma defesa que não luta contra o corta-luz.
No ataque, esperava-se de Iguodala que ele fizesse o papel de “cola” de Draymond Green, mas fortemente marcado mostrou que tem menos físico e menos recursos para isso do que Green, que consegue punir seus defensores com sua força e corre tanto para debaixo da cesta quanto para o perímetro. Iggy acabou passando a maior parte do tempo frustrado no perímetro e para punir as duplas marcações em Curry arremessou bastante de fora, sem muito sucesso. Ainda assim, seus 15 pontos, 11 rebotes e 6 assistências mostram que ele é capaz de contribuir em todas as partes do jogo como Green, apenas não exercendo exatamente a mesma função.
Kevin Love
Sem Green, Love foi imediatamente promovido de novo para a vaga de titular. Contra um time mais baixo, poderia jogar de costas para a cesta – especialmente quando Bogut também saiu de quadra – como era o plano do Cavs no começo dessa série. Além disso, poderia se aproveitar das infiltrações de LeBron e Irving para converter suas bolas de três pontos em passes para fora do garrafão. Parecia lindo. Mas errou todas as bolas de fora que tentou, não conseguiu acompanhar o ritmo mais intenso da correria dos dois times, e seus companheiros passaram a ignorá-lo solenemente especialmente porque o mano-a-mano de LeBron e Irving estava funcionando. Love foi tão deixado de lado, mas tão deixado de lado, que quando tentou cumprimentar LeBron no meio do jogo, ficou no vácuo e ainda TOMOU BRONCA por ter errado a proteção de rebote na jogada anterior:
Essa cara do Kevin Love de “não acredito que fiz merda de novo”: me identifico.
Teremos um Jogo 6 em Cleveland com a presença do FANTASMA QUE MUDOU TUDO: Draymond Green estará em quadra. Será que o Cavs consegue repetir a atuação impecável no ataque e LeBron continua acertando bolas de fora? Curry e Klay Thompson ainda receberão marcação dupla na saída do corta-luz? Será que Draymond Green vai estar com A CABEÇA NO LUGAR ou vai voltar chutando bagos? Mesmo que com o grande asterisco da ausência presente em cada jogada, agora TEMOS UMA SÉRIE DE VERDADE. O Cavs só precisa de um jogo perfeito em casa para entrarmos num Jogo 7 completamente imprevisível.
PRÓXIMO JOGO
O Jogo 6 das Finais da NBA será quinta-feira, às 22h, na ESPN.
A PRIMEIRA IMPRESSÃO É A QUE FICA DO DIA
Como podíamos esperar uma vitória do Warriors se dessa vez o Curry não conseguiu UM ARREMESSOZINHO SEQUER da sua zona de conforto, que fica lá no TÚNEL para os vestiários?