[Resumo da Rodada] O campeão improvável

Até a noite de ontem, 15 dos 18 times que jogaram um Jogo 7 das Finais em casa saíram com a vitória e o troféu de campeão. Nunca, na história da NBA, um time havia vencido as Finais após estar perdendo a série por 3 a 1. Além disso, o Golden State Warriors estava defendendo seu título após quebrar o recorde histórico de vitórias na temporada regular. Contra uma equipe de Cleveland, cidade que não vê um título nos esportes profissionais há 52 anos. Acho seguro dizer que o Cavs era definitivamente o azarão da noite.

Quando LeBron acumulou 3 desperdícios de bola rápidos logo no primeiro período, com suas infiltrações sendo contestadas por uma infinidade de defensores simultâneos e um trabalho impecável de Draymond Green na defesa de cobertura, parecia quase impossível acreditar numa vitória do Cavs. Assim que LeBron James começou a passar a bola para fora do garrafão no meio das suas infiltrações e forçou um arremesso de três pontos não no momento em que ele escolheu, mas porque a defesa do Warriors DECIDIU QUE SERIA ASSIM, ficou óbvio que não veríamos um terceiro jogo seguido com LeBron marcando 41 pontos. Parecia que estávamos vendo de novo o começo da série, quando infiltrar era missão impossível para o Cavs e um LeBron inseguro na hora de atacar a cesta forçava passes impossíveis que viravam contra-ataques fulminantes do Warriors.

Enquanto isso, o Warriors parecia inteiramente dentro da sua zona de conforto: Harrison Barnes foi acionado na linha de três pontos rapidamente para mostrar que ELE ESTAVA LÁ, e seu arremesso entrar na cesta foi apenas o primeiro sinal de que uma festa estava em curso no perímetro. Draymond Green, deixado livre para trás da linha de três pontos como estratégia do Cavs ao longo da série, converteu duas bolas de longa distância só no primeiro quarto, e foi acompanhado por bolas de três pontos certeiras de Klay Thompson e Stephen Curry, saindo rapidamente do corta-luz ou em erros costumeiros de Kyrie Irving na troca da marcação. O Warriors era claramente o melhor time em quadra.

Mas quando o primeiro quarto terminou, o Cavs vencia por um ponto. Como raios isso aconteceu? LeBron James, impossibilitado de infiltrar, sendo obrigado a assumir um papel mais secundário e parecendo ter uma partida discreta, terminou o período com 6 pontos, 6 rebotes e 3 assistências. Kevin Love, errando quase todas as bolas que recebeu no garrafão na tentativa de forçar a defesa a respeitá-lo, compensou pegando 4 rebotes de ataque e fechando o período com 7 rebotes totais. Tristan Thompson, acionado no começo de do jogo para forçar Draymond Green a defendê-lo e afrouxar a defesa de cobertura em LeBron ou Irving, sofreu faltas e acertou lances livres improváveis, contrariando suas péssimas médias pessoais. Comendo pelas beiradas através de rebotes de ataque, lances livres e cestas eventuais de outros jogadores não chamados LeBron James, o Cavs se manteve na frente do placar mesmo quando toda a lógica e a percepção apontavam o contrário.

Com quatro minutos corridos no segundo quarto, ficou bem claro o que estava acontecendo. Os dois times tinham arremessado 28 bolas no jogo e convertido 11 delas. As diferenças? Warriors com 6 acertos em 13 tentativas de três pontos, enquanto o Cavs errara todas as suas 6 tentativas (isso iria piorar: o Cavs errou seus primeiros OITO arremessos do perímetro). Mas ainda assim, o Warriors só estava DOIS PONTOS à frente do placar. Isso porque o Cavs estava, aos trancos e barrancos, dominando o garrafão: eram 20 pontos embaixo da cesta contra apenas 6 do time da casa, compensando as bolas de três pontos do Warriors com lances livres. Os dois times desperdiçaram a bola com frequência, na tentativa de iniciar os ataques rapidamente e também sentindo a pressão de um Jogo 7, mas o Cavs conseguiu a melhor defesa de transição deles em toda a série para atrapalhar os pontos fáceis adversários (com LeBron atacando com maestria as linhas de passe nos contra-ataques) enquanto usavam os desperdícios do Warriors para gerar pontos em infiltrações.

A primeira bola de três pontos do Cavs veio numa falta-e-cesta de Iman Shumpert, o jogador que estava sendo ABANDONADO livre porque não acerta nem ponto de vista, enquanto Draymond Green, também deixado livre, acertou TODAS as 5 bolas de três pontos que tentou no primeiro tempo (depois de ter TODAS AS DEZ que tentou nos 3 jogos anteriores). Era o cenário perfeito para o Warriors: bolas de três pontos caindo, Draymond Green assumindo o ataque e punindo as escolhas defensivas do adversário, Harrison Barnes ENCONTRADO VIVO e LeBron incapaz de infiltrar. E Kyrie Irving, você pergunta. Vale a pena ver a defesa de Draymond Green na cobertura para ajudar Andre Iguodala a parar o armador. Pra compensar a falta de Andrew Bogut, a solução é nem deixar Irving pisar no garrafão:

Fim do primeiro tempo: 30 a 3 no duelo de pontos no perímetro, mas Warriors na frente por apenas 7 pontos. Se as coisas estão dando certo para o time da casa e a vantagem não chegou nem a DEZ PONTOS, então é inevitável que a preocupação comece a surgir frente à pergunta aterrorizante: e se as coisas começarem a dar errado?

Assim que o terceiro quarto começou, LeBron continuou atraindo a marcação e passando para fora, mas enfim JR Smith começou a acertar seus arremessos. Duas bolas de três pontos depois, Curry teve que grudar nele mesmo quando o arremessador estava do lado oposto da bola. Enquanto isso, mais desperdícios de bola do Warriors levaram a pontos na transição, às vezes não num contra-ataque direto, mas nas trocas de marcação que acabam acontecendo na correria. A jogada abaixo é um excelente exemplo disso:

Na transição, Ezeli acaba marcando Kyrie Irving. Vejam como Stephen Curry não pode dobrar ou trocar a marcação porque está preocupado com JR Smith, que acertou seus últimos dois arremessos. Enquanto isso, Draymond Green está na cobertura, mas preocupado com Tristan Thompson simplesmente porque no começo do período, o pivô do Cavs recebeu duas bolas dentro do garrafão de LeBron para exigir uma defesa justa. O resultado é uma bandeja fácil de Irving.

O ataque do Cavs não conseguiu encontrar nenhum tipo de consistência, especialmente porque LeBron não acertou seus arremessos de média e longa distância por nada no mundo e isso permitiu que o Warriors defendesse melhor o aro e tentasse impedir os outros arremessadores. Mas toda vez que o Cavs conseguia acelerar o ataque e atacar a cesta antes da defesa do Warriors se consolidar, sobrava alguém para um rebote de ataque ou uma bandeja contestada mas certeira de Kyrie Irving. Com o Warriors – especialmente Curry e Klay Thompson – errando uma série de bolas de três pontos fáceis que costumam fazer, e um monte de bandejas – ainda resultado da vitória PSICOLÓGICA dos últimos dois jogos – esse ataque tropicante do Cavs foi suficiente para se manter no jogo. Quando Kyrie Irving conseguia engrenar  contra-ataques, mesmo sob forte defesa, o Cavs até conseguia criar uma vantagem – Irving marcou mais da metade dos seus 21 pontos só no terceiro período em infiltrações como essa:

Mas quando Stephen Curry entrou em modo VOU DECIDIR ISSO AQUI, emendando uma defesa impecável de contra-atataque, uma bandeja em cima de um Kevin Love irresponsivo e uma bola de três pontos, parecia que o Golden State Warriors estava claramente no comando:

O placar só não contava essa história. Apenas um ponto atrás do placar, o Cavaliers continuava vivo causando desperdícios do adversário e atacando os rebotes de ataque. Chegou um momento em que JR Smith começou a lutar por rebotes ofensivos, ao invés de correr para a quadra de defesa para atrapalhar os contra-ataques do Warriors. É aquela hora em que decisões precisam ser tomadas porque o cobertor é curto e não se pode estar em todos os lugares da quadra, e o momento psicológico, a história interna da partida, faz com que jogadores como JR Smith achem que é uma boa ideia lutar pelo rebote. E de fato foi. Porque com uma vantagem minúscula no placar e com Curry e Klay errando alguns arremessos simples, o Warriors já parecia com mais medo de perder do que com ânsia de ganhar, e passou a abrir mão de contra-ataques para tentar defender o rebote de defesa. Virou um jogo de garrafão – e aí nem precisa ser especialista pra saber qual dos dois times estava em vantagem nesse estilo de jogo.

Quarto período, placar empatado, Warriors incrivelmente contestado no perímetro forçando o time a infiltrar, enquanto o Cavs sofrendo defesa forte no garrafão forçando o time a arremessar. Com uma ausência brutal de jogadas para além do contra-ataque, o Cavs começou a usar Kevin Love dentro do garrafão, o que levou o Warriors a DOBRAR num jogador que todos nós julgávamos morto e enterrado. Rapidamente o Cavs desistiu da ideia, porque rodar a bola poderia resultar em desperdícios e gerar contra-ataques. Preferiram jogadas no mano-a-mano, com LeBron James irreconhecivelmente conservador, evitando infiltrações até contra Stephen Curry, temendo as dobras de marcação e tentando entrar no garrafão apenas em jogadas inteiramente garantidas – aquelas que nunca acontecem num ataque de meia quadra. Mas quando Stephen Curry meteu uma bola de três pontos na cara de Tristan Thompson, para punir o Cavs por colocar um pivô no perímetro – resultado do plano de forçar o Warriors a infiltrar – LeBron resolveu devolver na mesma moeda, acertando sua única bola de três pontos no jogo numa jogada de mano-a-mano contra Festus Ezeli. Fora isso o Cavs fez um jogo de baixos riscos no período final, quase cozinhando o jogo, tentando se aproveitar de duas situações possíveis: erros de ataque do Warriors que gerassem contra-ataques ou CORRERIA DESENFREADA, já que o Cavs parecia muito mais inteiro fisicamente e o medo do Warriors de tomar tocos induzia o time aos erros.

Pois bem: enquanto o ataque COMPLETAMENTE ESTÁTICO do Cavs esperava a água ferver, as duas coisas aconteceram: erros do Warriors e correria. Stephen Curry, por exemplo, tentou um dos seus CLÁSSICOS passes pelas costas – aquele que falamos em nosso podcast que parece displicente, mas que é fundamental para o modo do Warriors jogar – e viu a bola viajar para a lateral, longe das mãos do alvo Klay Thompson. Curry errou uma bandeja simples, que só não virou contra-ataque porque Ezeli arrancou um raro rebote de ataque. E no festival de erros, a correria tomou conta e aí vimos quem tem mais físico para conseguir atacar a cesta, de um lado, e atravessar a QUADRA INTEIRA para dar um toco por trás na transição defensiva, do outro:

Se o assunto é QUEM TEM MAIS GÁS, LeBron vence todas as discussões – qualquer uma, com qualquer jogador, em qualquer esporte. E se já vimos o Warriors ser intimidado fisicamente antes, questionando suas próprias infiltrações e arremessos na série contra o Thunder, nunca vimos isso acontecer num Jogo 7 das Finais da NBA, em casa, com a pressão COLOSSAL de terminar a melhor campanha da história com um segundo anel de campeão – lembrando que apenas 6 times conseguiram o feito de conquistar campeonatos consecutivos. Questionando cada decisão, os passes arriscados, as infiltrações, as bandejas, os contra-ataques, o Warriors chegou ao minuto final com o placar empatado e SEM SABER O QUE FAZER para pontuar a não ser forçar arremessos fortemente marcados no perímetro.

Do outro lado, o Cavs não estava muito melhor ao longo de todo o último período: lhe faltava repertório de ataque, sendo nitidamente a equipe mais limitada tecnicamente da quadra, e dependendo exclusivamente de lentas e agoniantes jogadas no mano-a-mano. E LeBron James lá, evitando infiltrar e perder a bola, chegando a acionar Tristan Thompson para uma jogada individual contra a marcação de Festus Ezeli – quando a bola entrou, a torcida do Warriors finalmente entendeu a falta que faz Andrew Bogut. Mas no minuto final, com o placar igualado e a bola cada definitivamente monopolizada nas mãos de LeBron ou Irving, foi a vez do armador tentar decidir. Em pânico com a ideia de infiltrar e dar de cara com a dobra de Draymond Green, Irving resolveu enfrentar Curry no mano-a-mano para um arremesso de três pontos. Foi bem defendido, mas o arremesso foi ainda melhor:

O ginásio em horror, o peso da melhor campanha de todos os tempos nos ombros do Warriors, um perímetro totalmente congestionado, e a certeza de que Stephen Curry ou Klay Thompson tentariam arremessar a última bola – Draymond Green, mesmo com 6 bolas de três pontos convertidas no jogo e um quase triple-double nas costas continuou sendo deixado livre no quarto período – fizeram com que a equipe da casa não conseguisse nada que não fossem arremessos ridiculamente forçados, contestados, estúpidos, aqueles que caem quando o time está muito à frente do placar porque Curry e Klay são fabulosos, mas que não podem ser sua última arma na exigência de empatar um Jogo 7.

No fim, aquele LeBron James que não infiltrou, que não arriscou, que não acertou seus arremessos de média e longa distância tinha na sua conta um triple-double generoso: 27 pontos, 11 rebotes, 11 assistências, além de 2 roubos e 3 tocos. Fez tudo aquilo que precisava fazer, causou MEDO num time famoso pela alegria e tranquilidade no ataque, e soube até mesmo – lição difícil numa NBA tomada por críticos de Facebook – colocar a bola nas mãos de um companheiro na jogada mais importante da temporada. Quando tudo parecia impossível, quando ter voltado a Cleveland parecia uma escolha terrível, quando a internet já bradava que ele estava velho demais e dando sinais de cansaço, quando todos os números diziam que a vitória não aconteceria, e quando no Jogo 7 o Cavs parecia nitidamente o time mais limitado, eis que LeBron James e seus companheiros simplesmente arrancaram essa vitória na unha. É o campeão ERRADO, o time inesperado, num jogo em que a vitória do Cavs não fazia nenhum sentido, e aí um toco a mais na cobertura de LeBron, um turnover num passe de costas ou um arremesso de três livre de Curry que não entrou, um Bogut a menos aqui, um Draymond Green suspenso ali, um Kyrie Irving completamente imparável por longos períodos e um LeBron disposto a fazer a coisa certa decidiram TUDO: não apenas um jogo, não apenas uma série, mas o modo como a História se lembrará desses dois times, desses jogadores, desses estilos de jogo.

A NBA amanheceu hoje diferente: não apenas porque o estilo quase unânime do Warriors ganha um amargo asterisco, mas também porque LeBron James – aquele que tantos amam odiar – agora tem o seu sonhado título em Cleveland, aquele que faltava não para o seu currículo, que já era inacreditável, mas para a narrativa que ele escolheu para si mesmo: a de quem volta para casa, para seu ponto de origem, e faz o IMPOSSÍVEL. É o final perfeito para sua jornada do herói, quando transformado retorna ao lar para cumprir sua missão. Nesse momento, LeBron James é maior do que o basquete, maior até do que ele mesmo – ele é a conquista de algo que não pode ser conquistado, é a voz de toda uma cidade que havia desaprendido a acreditar. “Cleveland, isso é por vocês“.


INFOGRÁFICO DO DIA

Mantendo nossa transição de imortalizar grandes momentos do basquete através da única ferramenta que sobrevive ao duro teste do tempo, o Paint, homenageamos LeBron James, seu título em Cleveland e o modo como alguns torcedores sempre vão dar um jeito de ODIAR.

(veja outros infográficos da História do Bola Presa na primeira parte de nossa retrospectiva de aniversário)

[image style=”” name=”off” link=”” target=”off” caption=””]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/06/Infográfico.jpg[/image]


DESPEDIDA DO DIA

Em breve, teremos nossa recapitulação da temporada do Bola Presa, nosso agradecimento aos nossos leitores e assinantes, e nosso plano de postagens para a off-season, com cobertura do draft, das Olimpíadas, dos novos contratos, basquete de clones, jogos antigos e muito mais! Não percam! 😉

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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