Um mercado difícil para armadores

Em sua carta aberta aos torcedores de Toronto, Kyle Lowry disse que escolheu ficar “em casa” e reassinar com o Raptors. De fato, foi em Toronto que Lowry se tornou verdadeiramente relevante na NBA, sua família adora a cidade, os torcedores são loucos por ele e o time é bom o bastante para que possa se manter na elite da Conferência Leste por mais alguns anos. O que a carta não diz, entretanto, é que Lowry estava disposto a considerar outras franquias, as ofertas apenas não vieram. Ainda que sua preferência fosse ficar em Toronto, bastaria uma oferta de um time qualquer por um contrato máximo de 4 anos e o Raptors seria obrigado a oferecer um contrato ainda maior, usando o benefício de ser o time atual do jogador para colocar na mesa um quinto ano extra de contrato que apenas o Raptors teria o direito de propor.

É claro que o Raptors gostaria de manter Kyle Lowry, ainda há esperança de que esse time melhore como parece inexplicavelmente ter feito ano a ano, mas a ideia de se comprometer por 5 anos com um contrato máximo, para muito além do auge do jogador e para além do contrato de DeMar DeRozan – que só tem mais 3 anos garantidos – era suficiente para dar calafrios na espinha da diretoria. Uma coisa é cometer o erro de implodir um time que está ganhando e que, mais do que isso, está calcificando o basquete na cultura canadense; outra, no entanto, é comprometer as chances da franquia de fazer uma reconstrução no segundo em que ela se fizer necessária. Foi por isso que independente do carinho e da gratidão que o Raptors possa ter por Lowry, a opção foi por deixar a oferta de contrato guardada na gaveta e esperar para ver quais propostas lhe seriam feitas por outras franquias. Quem sabe se as ofertas não fossem tão boas assim, conseguiriam convencer Lowry a aceitar um contrato que não incluísse o quinto ano extra que ele tanto queria?

Nenhuma oferta foi feita em lugar algum, ninguém lhe ofereceu sequer os 4 anos de contrato máximo permitidos. Lowry voltou para Toronto e o que estava na mesa era, agora, um contrato máximo de apenas TRÊS ANOS de duração, totalizando 100 milhões de dólares. Serge Ibaka também topou um contrato de igual duração, somando 65 milhões de dólares. O plano do Raptors se concretizou: tentar vencer por mais 3 anos, quando então os principais contratos expirarão, os jogadores já estarão em declínio, e aí finalmente executar aquele plano de reconstrução que era a ideia principal até o time começar a vencer MEIO SEM QUERER lá em 2014.

Como isso aconteceu? Como o Raptors foi capaz de manter seu principal armador com um contrato desvantajoso para o jogador, quando um quinto ano era esperado como último recurso para mantê-lo na equipe? A resposta explica não apenas a situação de Kyle Lowry, mas também a de muitos outros armadores que tentaram assinar contratos novos nessa offseason.


O Sixers, cada vez mais se estabelecendo como o “time do futuro” da NBA, precisava desesperadamente de um armador principal e, por conta da grande quantidade de jovens jogadores ainda em seu primeiro contrato, tem espaço salarial de sobra para oferecer para veteranos consagrados. Esperava-se que um dos armadores já consolidados na NBA recebessem uma oferta generosa do Sixers para comandar um time que finalmente já pode sonhar com vencer partidas de basquete. No entanto, o Sixers conseguiu a primeira escolha no draft desse ano e graças a ela o armador sensação Markelle Fultz. Com a segunda escolha, o Lakers também escolheu seu armador do futuro, Lonzo Ball. O Knicks, desesperado por um armador desde que Derrick Rose sumiu do elenco e só foi encontrado na “casa da avó” dias depois, draftou o intrigante armador francês com nome de remédio Frank Ntilikina com a oitava escolha. O Mavericks, precisando de alguém da posição – e com a famosa aversão do técnico Rick Carlisle a armadores novatos – ainda assim escolheu o armador Dennis Smith na oitava posição, com Carlisle garantindo que o jovem é bom o suficiente para assumir seu esquema tático mesmo vindo de uma grave lesão no ano passado.

Decidido a conseguir um armador mais antenado com os princípios do técnico Tom Thibodeau e que precise menos da bola nas mãos agora que a equipe tem Jimmy Butler, o Wolves trocou Ricky Rubio por uma escolha futura de draft para conseguir mais espaço salarial e ofereceu um contrato no primeiro minuto permitido não para os badalados Kyle Lowry ou George Hill, mas para o mediano Jeff Teague, com uma oferta modesta de 57 milhões por 3 anos. Para o Wolves, preocupado em renovar com Andrew Wiggins (e eventualmente com Karl Anthony-Tows), parecia não fazer sentido investir em George Hill, supostamente mais disputado pelo mercado, se Teague conseguiria oferecer o básico necessário: poucos erros defensivos, arremessos do perímetro e poucos desperdícios de bola.

Curiosamente, o próprio Utah Jazz decidiu que George Hill não valia a briga: deixaram o jogador partir sem nenhuma oferta absurda para tentar mantê-lo e já correram imediatamente para uma substituição simples e barata, enviando uma escolha futura de draft para receber Ricky Rubio. Já percebendo que tinham grandes chances de perder Gordon Hayward para o Celtics, resolveram que gastar fortunas com Hill não fazia sentido, especialmente com outros armadores disponíveis que podem não ser tão bons, mas dão conta do recado. Rubio tem problemas com seu arremesso, mas ainda é um dos armadores com melhor visão de quadra da NBA, um dos que melhor defende as linhas de passe e, no esquema tático certo, pode render tão bem quanto qualquer outro armador da NBA.

O próprio Clippers, que perdeu Chris Paul numa troca com o Houston Rockets, resolveu apostar num substituto inusitado: Milos Teodosic, considerado por muitos o melhor jogador a não estar na NBA. Campeão europeu com o CSKA Moskow, Teodosic é certamente o melhor passador do basquete europeu atual e agora finalmente foi liberado do seu contrato de modo a assinar por 2 anos com o Clippers por cerca de 12 milhões de dólares. Teodosic é experiente, com longa carreira internacional e apenas 30 anos, tem uma confiança nas alturas e um passe que pode transformar qualquer ataque de meia quadra na NBA num ataque de alto nível. Seu arremesso é mediano e sua defesa quase inexistente, mas por míseros 2 anos vale a experiência tanto para o Clippers quanto para o jogador. Blake Griffin volta a ter a liberdade de não armar o jogo quando não quiser e os passes de Teodosic continuarão encontrando Griffin e DeAndre Jordan no ar para um festival de pontes-aéreas. Ou seja, o Clippers encontrou uma solução para sua vaga de armador e George Hill sequer foi considerado por aquelas bandas.

Se por um tempo especulou-se que George Hill poderia ir parar no Bulls, a reconstrução da equipe, que trocou Jimmy Butler e resolveu apostar em armadores jovens até agora inexpressivos como Kris Dunn e Cameron Payne, tornou essa união impossível. Já tendo recusado a extensão do Jazz em busca de maiores salários e com os demais times encontrando soluções mais baratas no draft ou em jogadores menos desejados, George Hill se viu de repente sem nada concreto em mãos. Acabou sendo obrigado a aceitar a única oferta pública: um contrato de 3 anos com o Sacramento Kings, valendo 57 milhões de dólares – ironicamente, exatamente o que o Wolves ofereceu para Jeff Teague na ânsia de pegar o jogador mais barato do mercado.

O Kings está assumidamente reconstruindo a equipe após trocar DeMarcus Cousins, convencido de que oferecer o contrato super-máximo para Cousins não seria suficiente para levar o time aos Playoffs e diminuiria as chances do time de construir um elenco competitivo. O plano por lá, então, é colocar os novatos para jogar: De’Aaron Fox e Justin Jackson foram escolhidos entre as primeiras 15 escolhas do último draft, e Buddy Hield tem só um ano de NBA e as esperanças no interior da franquia de que seja “um novo Stephen Curry”. O único medo desse processo de reconstrução é continuar perdendo sem parar, já que o Kings se tornou uma grande piada na NBA nos últimos anos e eles sequer terão sua escolha de draft em 2019, enviada para o Sixers numa troca estúpida em 2015 apenas para liberar espaço salarial. Então o Kings resolveu usar espaço salarial – que não iria servir pra nada nos próximos anos, mesmo, porque ninguém quer ir para lá e o time é muito jovem – para oferecer contrato para dois veteranos, modelos de comportamento e esforço, serem tutores da molecada e tornarem o time minimamente sério e competitivo. Um desses veteranos será George Hill; o outro será nosso queridinho Zach Randolph, de quem falaremos num post futuro.

George Hill até chegou a ter conversas preliminares com o San Antonio Spurs, mas queria um contrato gordo de 4 anos, coisa que o Spurs não estava interessado em oferecer. O time preferiu ser conservador e assim que o período de contratações começou, reassinou com seu armador Patty Mills, já acostumado com o esquema tático e subitamente o arremessador mais consistente do elenco, por 50 milhões de dólares num contrato de 4 anos – consideravelmente mais em conta do que os demais armadores disponíveis.

Isso quer dizer que no primeiro minuto de negociações, Wolves e Spurs já estavam fora do mercado tendo escolhido seus armadores principais. Lowry foi então obrigado a voltar para Toronto e aceitar apenas 3 anos de contrato; George Hill assinou com o Kings para ser um veterano por 3 anos e depois descartado quando a reconstrução da equipe estiver encaminhada, e ainda ganhando o mesmo contrato de Jeff Teague, supostamente a opção mais barata que o Wolves resolveu agarrar antes que mais dinheiro fosse oferecido para o armador. O medo do Wolves era compreensível, eles precisavam de um armador, mas os times que resolveram esperar acabaram pagando mais barato ou conseguindo contratos melhores. Se tivessem esperado, teriam contratado George Hill, enquanto o Raptors conseguiu com Lowry um contrato dois anos mais curto do que o que se esperava, deixando a franquia em excelente condição de reconstrução.

Outro time que teve medo e acabou pagando mais caro foi o New Orleans Pelicans. A próxima temporada é uma espécie de ÚLTIMA CHANCE para a franquia, que tentará uma temporada inteira com Anthony Davis e DeMarcus Cousins juntos e precisa ir para os Playoffs sob risco de perder os dois jogadores e ter que reconstruir tudo do zero outra vez. Convencidos de que manter Jrue Holiday era a melhor solução para que o time vencesse imediatamente, com medo de arriscar e acabar sem armador nenhum para comandar esse time que já está com a corda no pescoço, ofereceram um contrato de 5 anos e 126 milhões de dólares para o jogador. Holiday certamente não teria encontrado oferta nenhuma parecida no mercado e, caso o Pelicans tivesse aguardado, teria sido obrigado a assinar um contrato mais curto nos mesmos moldes do que assinou Kyle Lowry. Além disso, o efeito de terem oferecido esse contrato enorme de 5 anos imediatamente foi maléfico para os outros armadores: mais um time fora do mercado, mais um time com que Lowry e George Hill não tiveram chance de negociar, e mais uma pedrada em suas esperanças de encontrar contratos gordos em algum lugar.

Se o mercado ficou tão difícil para os armadores mais concorridos, o que dizer então dos mais arriscados? Rajon Rondo é um caso bizarro: na primeira metade da temporada passada parecia acabado, um problema nos vestiários e incapaz de cumprir as ordens de seu técnico, relegado ao castigo do fundo do banco; na segunda metade e nos Playoffs, mostrou que ele é um líder em quadra e um pesadelo para os adversários quando tem liberdade de tomar suas próprias decisões e comandar o ataque utilizando os espaços na quadra que lhe são dados. Esse misto de glória e desastre são suficientes para deixar qualquer time ao mesmo tempo em pânico e interessado: para quem não tem medo de destruir seu clima no vestiário ou está disposto a deixar Rondo tomar as próprias decisões, ele é sempre uma contratação a ser considerada, mas quanto é coerente pagar num jogador que pode dar totalmente errado e implodir a dinâmica do seu time? Precisando ir para o “tudo ou nada”, o Pelicans aceitou o risco com um contrato de 3 milhões de dólares por apenas 1 ano, o famoso TESTE que se faz com os jogadores mais problemáticos. Se der muito errado, basta pagar o restante do salário e expulsá-lo do elenco; se der certo, dá pra renovar por uma grana um pouco maior mesmo se o teto salarial estiver estourado.

Derrick Rose acabou assinando com o Cavs em situação muito parecida, com o time resolvendo arriscar graças à necessidade de melhorar constantemente os elencos ao redor de LeBron James (pra mostrar serviço para a estrela) e o fantasma da possível troca de Kyrie Irving. Os perigos de ter um jogador como Rose no time são mitigados pelo fato de que ele aceitou um contrato mínimo para veteranos de apenas 2 milhões por um mísero aninho, o máximo que o Cavs poderia oferecer sendo um dos times mais acima do teto salarial na NBA. Para Rose, que queria um time com chances de título, foi a melhor coisa que lhe poderia acontecer. Para Rondo, o Pelicans é uma situação tão desesperada que provavelmente até lhe darão a chance de brilhar. O problema que enfrentam nesse mercado soterrado com armadores, no entanto, são contratos mínimos, curtos, em que não há margem para erro ou reclamações. Raymond Felton, já com 33 anos, também teve que aceitar um contrato mínimo de 2 milhões como reserva de Russell Westbrook no Thunder mesmo tendo acumulado grandes momentos como reserva de Chris Paul no Clippers. Felton não tem mais o físico para acompanhar a correria do Thunder, mas já provou que tem a inteligência – e às vezes o arremesso – para conquistar seu espaço na NBA e controlar o ritmo de jogo. Em outros momentos teria recebido ofertas mais interessantes, mas agora um contrato mínimo parece estar de bom tamanho.

A NBA sempre teve uma grande oferta de armadores, a posição mais comum e farta do basquete, mas muitos times tinham medo de abrir mão de seus armadores consagrados e havia a crença de que apenas os armadores de elite, as grandes estrelas, eram capazes de carregar um time ao título. Agora essa visão encerrou-se: um arremessador como JJ Redick assinou um contrato de 23 milhões por um ano com o Sixers enquanto armadores tradicionais aceitam contratos mínimos. Muitos times estão dispostos a colocar a bola nas mãos dos seus alas – é até engraçado pensar que o Grizzlies deu 94 milhões por 4 anos de Chandler Parsons, que nunca joga por estar lesionado, só porque ele é um ala famoso por iniciar jogadas e render comandando o pick-and-roll. Times como o Warriors sequer possuem um armador principal que inicie todas as jogadas, por exemplo. Com Butler e até mesmo Karl Anthony-Towns armando o jogo, Jeff Teague sequer precisa ser tão bom assim; com Anthony Davis e DeMarcus Cousins puxando até mesmo contra-ataques, Jrue Holiday recebeu seu contrato principalmente por ser um bom arremessador capaz de jogar sem a bola, motivo pelo qual jogará, segundo o Pelicans, simultaneamente ao lado de Rajon Rondo. Com Kahwi Leonard começando quase todas as jogadas do Spurs, Patty Mills é mais vantajoso arremessando do perímetro do que comandando o pick-and-roll, motivo pelo qual o Spurs nem cogitou abrir a carteira para George Hill ou Kyle Lowry. Armadores ainda são valiosos, mas os times não se matarão por eles, especialmente após um bom draft em que uma dúzia de novos armadores, potencialmente bons, fluem para dentro da NBA.

A verdade é que analisando essas histórias e acompanhando as movimentações do mercado, vamos nos acostumando com essa nova realidade, em que os contratos longos e máximos serão dados apenas para outros tipos de jogadores: os arremessadores, os mais completos, os capazes de jogar em múltiplas posições. Enquanto isso, os armadores se acostumam com essa situação da maneira mais real, concreta e perceptível possível numa Liga como a NBA: no bolso, com contratos cada vez mais ditados pelos times e não pelos jogadores.

 

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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